COLUNAS
Segunda-feira,
20/8/2001
O dia em que o velho lobo chorou
André Pires
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Com contratos milionários, transações em dólar, patrocínios espetaculares, cartolas, empresários, craques anabolizados, CPIs e uma seleção tetra campeã mundial que perde para o time de Honduras, é raro você presenciar, em meio ao cenário do futebol atual, algo que enalteça os valores da competição, do sacrifício, da paixão e do amor à camisa, que muito tempo foram a mola propulsora do esporte no mundo. Enfim, é raro mas acontece.
Mario Jorge Lobo Zagalo, o único tetracampeão de futebol do mundo, comemorou recentemente seus 70 anos. Uma pequena celebração foi realizada por admiradores fanáticos, celebridades oportunistas, políticos aproveitadores e membros da mídia em geral. Após inaugurar um busto em sua homenagem, ouvir Agnaldo Timóteo cantar, comer o bolinho encomendado pela Rede Globo, um momento delicado e crucial teve lugar. Uma espécie de clímax da festa. Repórteres ajustavam suas lentes, aproveitadores de plantão se preparavam para entrar em campo (como reservas chamados à beira do gramado pelo treinador), papagaios de pirata lustravam suas plumas, ansiando todos pelos flashs que os fariam brilhar.
Os presidentes dos três grandes clubes do Rio (excluindo o Vasco, por atitudes desqualificadoras, personificadas na figura dantesca de Eurico Miranda) se encontravam no local com mimos a serem ofertados ao velho lobo brasileiro, uma espécie em extinção. (Temos tido que apelar a outras espécies de menor qualidade e capacidade, dentro das quatro linhas. Leões e Brucutus não estão sendo capazes de impedir o mais novo massacre de nossa seleção por países do primeiro mundo como Canada e Austrália.)
Pois bem, voltando à festa, Beto, representando a massa rubro-negra e atual clube onde trabalha Zagalo, presenteou-lhe com a camisa do Flamengo, número 13. Zagalo agradeceu sinceramente, lembrou as recentes conquistas e retribuiu com um solene abraço. Veio então a vez do presidente do Fluminense, que lhe entregou a camisa do tricolor das Laranjeiras. Zagalo pegou, agradeceu e guardou, ponto. Chato e insistente, vendo o pouco caso do lobo, o cidadão praticamente exigiu que Zagalo vestisse o mal fadado adereço, em meio a protestos dos membros da corja rubro-negra local. O lobo educadamente não declinou, e polida mas rapidamente, vestiu a camisa e posou para os fotógrafos, estampando um inevitável sorriso amarelo nos lábios.
Foi, portanto, que finalmente chegou a vez de Mauro Ney, presidente do Botafogo Futebol e Regatas, o alvinegro carioca. Berço e escola de Zagalo, dentro e fora do campo. O presidente desdobrou a camisa branco-e-preta que carregava e que levava nas costas o número 11. Camisa esta que Zagalo defendeu com sangue suor e lágrimas, durante anos, como jogador dedicado e apaixonado pelo clube (à época em que esse sentimento ainda existia). Entregou, por fim, Mauro Ney, a camisa ao mestre. Abraçou-o e afastou-se.
O até então inabalável Zagalo parou por um momento e pôs-se a fitar a camisa aberta, sobre suas mãos espalmadas, como que repassando em sua mente todos momentos gloriosos que viveu com ela suada em seu corpo, ao lado de Nilton Santos, Garrincha e Didi, entre outros grandes craques. Começou a falar e a lembrar de vários lances, conquistas e amizades, ainda com os olhos retidos no escudo da estrela solitária.
Foi então que o lobo não conteve a emoção e chorou. Com um sorriso genuíno no rosto.
André Pires
Rio de Janeiro,
20/8/2001
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