O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
>>> Tamanini | São Paulo, meu amor | Galeria Jacques Ardies
>>> Primeiro Palco-Revelando Talentos das Ruas, projeto levará artistas de rua a palco consagrado
>>> É gratuito: “Palco Futuro R&B” celebra os 44 anos do “Dia do Charme” em Madureira
>>> CEU Carrão recebe o Festival Ubuntu nos dias 15, 16 e 17 de Novembro.
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
>>> E-book: Inteligência Artificial nas Artes Cênicas
>>> Publicação aborda como driblar a ansiedade
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Daniel Mazini, country manager da Amazon no Brasil
>>> Samba da benção
>>> O novo GPT-4o
>>> Um olhar sobre Múcio Teixeira
>>> Entrevista com Guilherme Fiuza
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> A Associated Press contra a internet
>>> The Newspaper of the Future
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> 3 Grandes Escritores Maus
Mais Recentes
>>> 12 Semanas Para Mudar Uma Vida de Augusto Cury pela Planeta (2007)
>>> Vida Pregressa de Joaquim Nogueira pela Companhia Das Letras (2003)
>>> O Menino Maluquinho de Ziraldo pela Editora Melhoramentos (2008)
>>> Na Margem Do Rio Piedra Eu Sentei E Chorei de Paulo Coelho pela Planeta (2006)
>>> A Gaiola De Ouro de Camila Läckberg pela Arqueiro (2020)
>>> Atlas de Anatomia Humana 2 volumes - 20ª ed. de Johannes Sobotta pela Guanabara Koogan (1993)
>>> Michaelis Dicionário De Sinônimos E Antônimos (Nova Ortografia) de André Guilherme Polito pela Melhoramentos (2009)
>>> A Xamã De Salto Alto de Anna Hunt pela Rocco (2013)
>>> Amor E Vida de Thomas Merton pela Wmf Martins Fontes (2004)
>>> Africa Explicada Aos Meus Filhos de Alberto Da Costa E Silva pela Agir (2008)
>>> Sete Desafios Para Ser Rei de Jan Terlouw pela Ática (2012)
>>> Big Magic: Creative Living Beyond Fear de Elizabeth Gilbert pela Bloomsbury Publishing (2015)
>>> Juca E Chico. História De Dois Meninos Em Sete Travessuras de Wilhelm Busch pela Pulo Do Gato (2012)
>>> Tratado De Enfermagem Medico-Cirurgica - 4 Volumes [Capa comum] [2009] Varios Autores de Vários Autores pela Gen/ Guanabara (2009)
>>> Psicopedagogia Da Linguagem Escrita de Ana Teberoisky pela Vozes (1993)
>>> Pedagogia Da Autonomia de Paulo Freire pela Paz E Terra (1996)
>>> Sociologia e Filosofia de émile Durkheim pela Martin Claret (2009)
>>> A Revolução Francesa de Paz E Terra pela Paz E Terra (2005)
>>> Histórias Das Mil E Uma Noites - Coleção Conte Um Conto de Ruth Rocha pela Salamandra (2010)
>>> Quem Vai Decifrar O Código Leonardo? de Thomas Brezina pela Ática (2015)
>>> Violencia Do Rosto de Emmanuel Levinas pela Loyola (2014)
>>> Emília No País Da Gramática de Monteiro Lobato pela Ciranda Cultural (2019)
>>> Deserto, Desertos de Jean-Yves Leloup pela Vozes (2003)
>>> Um Caldeirão De Poemas de Tatiana Belinky pela Companhia Das Letrinhas (2002)
>>> As Virtudes Morais de Tomas De Aquino pela Ecclesiae (2012)
COLUNAS

Sexta-feira, 23/12/2005
O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
Ricardo de Mattos
+ de 43700 Acessos

"Ora, estando ali, aconteceu completarem-se os dias em que devia dar à luz, e deu à luz o seu filho primogênito. Enfaixou-o e o reclinou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem" (São Lucas: 2,6-7)

As primeiras peregrinações à Jerusalém com o intuito de celebrar o nascimento de Jesus deram-se por volta do século III. Se não demorou muito para que ganhassem vulto as homenagens ao tema específico, através da pintura, do mosaico e da escultura, a forma mais difundida de expressão do grande acontecimento precisou esperar até o século XIII para surgir. Todos sabemos que São Francisco de Assis, em 1.223, organizou o primeiro presépio, constituído meio por imagens, meio por figuras reais. O santo resolveu trocar a missa na igreja por uma celebração ao natural, reunindo animais, imagens e pessoas numa gruta da floresta de Greccio. Calcule-se para a época o impacto da novidade: as pessoas voltaram no tempo e "presenciaram" o fato narrado no evangelho de São Lucas. Uma idéia tão impressionante não merecia ser esquecida. Por isso a repetição do feito através dos séculos.

Fala-se que o termo "presépio" origina-se o hebraico praesepium, o que é um engano evidente visto o termo ser latino. Seria mais exato afirmar que praesepium seria a latinização dum termo hebraico. Enfim, praesepe, praesaepe, praeseps, praesaeps, praesepium, praesaepium: o significado é estábulo, curral, redil, cavalariça, estrebaria. Por extensão, manjedoura - ou manjadoura, como querem os portugueses. No sentido figurado, o lugar onde se come ou janta, provavelmente caracterizado pela extrema rusticidade. Os autores neo-testamentais podem ter querido dizer que o Santo Casal, não encontrando melhor hospedagem, conformou-se com um albergue imundo. A tradução latina e depois a transposição para o idioma de cada país é que podem ter desconsiderado o sentido pejorativo, empurrando São José e a Virgem Maria para o estábulo, onde a tradição católica instalou-os definitivamente para melhor caracterizar a humildade do nascimento do Cristo. Quanto ao significado de lugar fechado, cercado, guardado, praesepium e praesidium aparentam-se. Não esquecer do taubateanês presépi: "'Bora armá o presépi, lerdeza!".

Uma das primeiras construções taubateanas é o Convento de Santa Clara, fundado no século XVII pelo franciscano Frei Jerônimo de São Brás. Por doação do século XIX, o conjunto foi entregue aos capuchinhos. Entretanto, foram os franciscanos quem trouxeram aos da terra a tradição de armar o presépio na véspera de Natal. As primeiras peças eram italianas e sabe-se lá por onde andam. Seja para repor peças danificadas, seja para atrair o interesse dos fiéis e fazer com que se entrosassem nos assuntos da religião, seja até para aumentar o número das peças, os frades encomendavam a alguns moradores mais hábeis imagens dos santos, anjos pastores e animais. Ao lado dos primeiros artesãos - os santeiros - que buscavam seguir os modelos europeus, surgiram os encarregados de fazer as demais figuras: os figureiros. A ocupação inicial limitava-se à confecção, inclusive para adorno particular, de carneiros, burricos, vacas e outros animais. Logo outras figuras foram sendo inventadas e adicionadas: trabalhadores, aves locais, gatos, raposas, cavalos. Em pouco tempo os figureiros passaram a criar presépios inteiros, do Menino Jesus aos animais. O que era fabricado para uso próprio e doméstico, passou a ser objeto de presente e finalmente de venda. Até a classificação predominou, pois atualmente tanto o que se ocupa de imagens de santos quanto os que se especializam nas demais são igualmente chamados figureiros. No começo o ofício era próprio das mulheres, por isso é mais comum referir-se às figureiras.

As figuras são feitas com a argila recolhida na beira dos rios ou comprada de fornecedores. São moldadas por mãos treinadas e logo verifica-se a intenção da figureira. Não há um equipamento adrede destinado, o auxílio vem de pedaços de madeira, palitos, canivetes ou facas. Recorre-se ao arame para a sustentação das peças maiores e mesmo como parte delas, a exemplo das "chuvas" (primeira imagem). Quando a figura está pronta, é colocada pra secar ao Sol durante um mínimo de 24 horas. Se o clima está nublado ou frio, a secagem dá-se na beirada de fogões a lenha. Já existe na "Casa do Figureiro" um forno elétrico para trabalhos maiores, que podem exigir secagem mais rápida e garantida. Finalizada esta fase, vem a pintura. As peças mais antigas que eu já vi tinham a policromia mais simples e com predomínio de cores primárias. Hoje o recurso pictórico é maior, assim como a atenção aos detalhes. Tenho uma dupla de dançarinos de moçambique cuja fisionomia foi delineada com esmero. Antes e agora, o predomínio é da vivacidade. Há artesãos que, além de pintar suas figuras, enfeitam-nas com penas, fitas, palha e o que mais considerar conveniente. É necessário esclarecer que a habilidade destas pessoas não se traduz em facilidade.

Como todo trabalho humano, há obras de principiantes e obras praticamente barrocas, de tão ricas e esmeradas. Visitando o local onde concentra-se a produção para a venda, encontrei figuras que eu mesmo poderia ter feito. Outras deixam o apreciador boquiaberto. Todos seguem as mesmas características, mas não há um padrão - que beira o normativo. Tanto que os conhecedores sabem identificar a autoria desta ou daquela figura pelos detalhes pessoais que o artesão adiciona. Além da citada dupla de moçambiques, possuo um pavão grande no escritório e um menor em casa, no presépio.

Pode-se dizer ilimitado o acervo de figuras. Os de maior evidência são o presépio - quer de peças soltas, quer de peça única (segunda imagem) - as chuvas, São Francisco de Assis, e o pavão. Tudo iniciou-se com o presépio. A "chuva" parece ter sido inspirada numa árvore cheia de pássaros: tirou-se a árvore, mas conservaram-se as aves em suspenso. Muitos outros animais podem formar a chuva, como galinhas d'angola, pombos, tucanos, galos e galinhas, bois, boi-bumbá. Não sei dizer se a presença de São Francisco é uma homenagem consciente ou não ao criador do presépio pelo qual eles ficaram conhecidos e de onde muitas vezes tiram seu sustento. Com o nome de São Francisco das Chagas, é o padroeiro da cidade. Quando nomeado "de Assis", é representado com pombos. O pavão, chamado também de "galinho do céu", é uma das figuras mais bonitas e tão conhecida que tornou-se símbolo do folclore taubateano. A maioria tem a cauda em leque; quando está com ela abaixada, é chamado "pavoa". Este pavão é nosso produto de exportação. Já foi localizado no Louvre e antiquários de Paris. Além de correr todo o país, há registros de que tenha sido levado para a Itália, Argentina, China, Japão, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos.

[Pavão da autoria de Eduardo Leite Santos, figureiro taubateano]


Fora as quatro figuras destacadas, podemos encontrar animais variados: cães, gatos, cavalos, burros, vacas, bois, carneiros, galinhas, pássaros, onças e aves nativas. Num entrosamento valioso, surgiram as figuras extraídas da literatura infantil de Monteiro Lobato: Emília, o Saci, Visconde de Sabugosa, Tia Nastácia, Dona Benta, Pedrinho, Narizinho. Peças do folclore, como o lobisomem e o curupira. Todas as profissões são encontradas, desde as mais antigas e próprias das cidades coloniais, até as mais modernas: lavadeiras, lenhadores, vendedores de galinhas, médicos, engenheiros, advogados e dentistas. Podem ser acrescidos palhaços, cenas domésticas, danças folclóricas - moçambique, quadrilha, congado, bumba-meu-boi -, sanfoneiros e outros músicos, a Sagrada Família, procissões e orixás. O que a pessoa interessada procurar e não encontrar, pode ser encomendado.

As figuras começaram a ser vendidas no mercado municipal. Os figureiros armavam suas barracas ao lado das que vendiam alimentos, ou contentavam-se em estender uma toalha no chão. Isso ainda existe por aqui e em São Luiz do Paraitinga. Como as artesãs moravam todas no bairro onde situa-se a capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, a referência local prevaleceu: as figureiras da Imaculada. Ainda hoje é possível correr a Rua da Imaculada Conceição e entrar em contato direto com elas em suas casas. Há alguns anos a municipalidade teve a feliz idéia de concentrar os trabalhos num local mais amplo, a Casa do Figureiro. Cerca de quarenta figureiros lá expõem e vendem seu trabalho. A loja possui estantes com prateleiras reservadas para cada um deles, prateleiras estas identificadas com a foto, nome e contato do expoente. Anexo à loja, um pátio onde elas podem reunir-se para trabalhar "ao vivo" e uma oficina onde encontram-se as peças nos diferentes estágios de produção.

Reparo que uma forma de homenagem acabou virando o tema principal. Se primeiro recorria-se ao presépio para celebrar o advento do Cristo, o alvo atual do engenho humano é o presépio em si, desprovido do carácter celebratório inicial. A imaginação desvincula-se da Fé e tenta criar o presépio mais criativo, original, surpreendente e até polêmico. Vale tudo, de papel, sarrafos, plástico, copos descartáveis e sucata até mulheres nuas, como recentemente na Itália, si lembro-me bem. Por isso admiro o trabalho das figureiras. Vendem peças e aceitam encomendas por haver demanda e por viverem disso. Entretanto, seus trabalhos são sustentados pelo benigno orgulho de bem continuar a tradição de suas avós e pela crença, no caso dos presépios, de não estarem a modelar meros enfeites.

Para ir além

Casa do Figureiro "Maria da Conceição Frutuoso Barbosa": Rua dos Girassóis, número 60, Campos Elíseos, CEP 12.090-290, Taubaté, Estado de São Paulo. Telefone: (12) 3625-5154


Ricardo de Mattos
Taubaté, 23/12/2005

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Teatro sem Tamires de Elisa Andrade Buzzo
02. Escrevemos para nós mesmos (?) de Rafael Rodrigues


Mais Ricardo de Mattos
Mais Acessadas de Ricardo de Mattos em 2005
01. O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté - 23/12/2005
02. Como E Por Que Ler O Romance Brasileiro - 20/1/2005
03. Cultura e Democracia Na Constituição Federal - 17/3/2005
04. Anotações do Jardineiro - 10/11/2005
05. Anjos Caídos, de Tracy Chevalier - 31/3/2005


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Peteca muito mais que um livro 529
Stephanie M. D. Habrich
Magia de Ler
(2011)



Implementing Domain-driven Design
Vaughn Vernon
Addison-wesley Professional
(2013)



Great Battles decisive conflicts that have shaped history (military Pocket Guide)
Parragon Books
Parragon Books
(2007)



The Wall Street Journal On Marketing
Ronald Alsop
Dow Jones
(1986)



The American Ballet
Olga Maynard
Macrae Smith Co
(1959)



Segredos de uma Sapatólatra
Beth Harbison
Record
(2010)



Radiant Wilds Tarot
Nat Girsberger
Rockpool Publishing
(2022)



El Libro Secreto De Daniel Torres 586
Rosana Acquaroni
Moderna
(2011)



Livro Infanto Juvenis Velhos Amigos
Ecléa Bosi
Cia. das Letras
(2003)



Insustentável arquitetura: Encontros França - América Latina
Angel Bojadsen (org)
Estação Liberdade
(2015)





busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês