COLUNAS
Terça-feira,
14/2/2006
Desastromania no Estrangeiro
Ram Rajagopal
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Sempre ouvimos histórias surreais de indivíduos em novas terras passando por situações tragicômicas, ou por incompreensão da cultura local ou por desastromania aguda. Somos todos sucetíveis a desastromania, basta pegar um avião e passar mais do que quinze dias em algum lugar. Quinze dias, porque durante os primeiros quinze dias o sistema imunológico (conhecido também como medo de pagar mico) impede o surgimento da condição. Depois de quinze dias, mais confiantes na habilidade de se virar, e provavelmente de se comunicar em código, falando uma língua que "ninguém" entende, a desastromania começa se manifestar. Ela se acentua quando o indivíduo afetado pensa "eu não vou morar aqui por muito tempo mesmo". Até hoje não se encontrou cura para a doença, a não ser acompanhamento constante de pais e amigos alertando para as consequências de todas situações.
Eu sempre achei que seria imune a doença. Agora percebo que devo ter a contraído, assim como todo outro estrangeiro que conheci aqui nos Estados Unidos. Ainda mais entre os brasileiros, que adoram se expressar com liberdade. Para vocês verem algumas consequências desta condição, aqui vão alguns pequenos casos meus e de conhecidos:
* Social Security - No meu terceiro dia neste país, estou na fila para conseguir o Social Security, o equivalente norte-americano da carteira de trabalho. Fui lá prevenido, e preenchi um formulário de muitas páginas exceto por um item que dizia Ethnicity (etnicidade). Haviam várias opções, como latino, asiático do sul da Ásia, asiático, negro, indígena e o sempre presente "outros". Como sou brasileiro, filho de indianos, tasquei latino e asiático do sul. Chego até a mal-humorada burocrata que carimba o formulário. Ela aponta e me diz que escolhi errado a minha etnia. Explico a minha origem, e a burocrata responde, impaciente, que não pode ter mais de uma opção marcada. Que estou errado porque o computador não aceita. Então peço a ela para escolher a opção por mim. Ela diz que aquilo não é piada, e eu respondo que eu realmente não sei o que escolher. Depois de alguns minutos, ela olha para mim, e tasca asiático do sul, porque apesar do passaporte brasileiro "eu pareço indiano". A fila inteira chia pela demora, mas o computador escolheu por mim a minha origem étnica.
* Grand Canyon - Eu e meu amigo André descemos uma platô do Grand Canyon e estávamos contemplando a beleza natural do local. Na volta, meu amigo observou uma beleza natural perto, e urrou alto: "Ram, fala sério, cara, olha só que gatinha, gatinha gostosa!". E de longe ouvimos a resposta: "Ela é minha esposa cara! My wife!". Sem pudor, o André respondeu: "Pô, tu é um cara de sorte!". Saimos correndo para não sermos jogados Canyon abaixo.
* Farmácia - Um dia fiquei tão tonto na farmácia-supermercado, que acabei comprando três remédios iguais de marcas diferentes. Essa coisa de liberdade de consumo às vezes enche. A única vantagem foi que uma linda mexicana demorou os mesmos 40 minutos que levei encarando a prateleira para escolher o seu próprio remédio. Também estava gripada e com sinusite. Discuitmos as melhores opções para tratamento usando as pílulas disponíveis, e os beijos imagináveis (bom, isso foi da minha parte). Tem horas que é bom estar doente.
* Rick, a peste - Temos um vizinho pestilento, que mora no andar de cima. Além de movimentar seus móveis as 4 da manhã, e se recusar a estacionar o seu carro corretamente na garagem, afirma estar trabalhando como estagiário da CIA. Sim, no escritório aqui em Berkeley Hills... Isso é coisa séria. O problema todo, além da loucura inata, é que porque ele vive no horário de Taiwan, com videolink ao vivo 24h para sua casa lá... Pois é, Rick é a peste.
* Fausto com Indiana - Tem um alemão muito esperto se aproximando escancaradamente de todas as indianas que coexistem em nosso meio. Eu pergunto a ele porque, e ele me responde, na maior wood face: "sabe como é, minha ex, lá da Alemanha tem ascendência indiana, e agora não quero perder o contato com a cultura". A ex o visitou algumas semanas depois, sem aparentar ser um espectro passado. Speak seriously. Inacreditível. Não é a toa que Goethe pensou no Fausto.
* Encontro com o Astro - Eu, minha mãe e amigos estamos na Niketown em Los Angeles, fazendo turismo. Nisso reparamos num homem com uma enorme tatuagem nas costas, acompanhado de um armário, que minha mãe afirma ser um cantor famoso no Brasil. Como eu e meus amigos continuamos na dúvida, um deles propõe uma maneira de averigüar. Enquanto o indivíduo comprava meias brancas, chegamos ali perto e Paulo Bruno diz bem alto para mim apontando para as meias: "Estas meias são coisa de boiola". Ficamos ali uns minutos, o cara repara um pouco, mas nada que entregasse que sequer era brasileiro. Nisso minha mãe lembra do nome do cantor famoso, "Alexandre Pires!". Eu e meus amigos reafirmamos que não era de jeito nenhum o Alexandre Pires. Minha mãe vai atrás do sujeito, e pergunta: "o senhor é o Alexandre Pires, não é? Parabéns pelo seu sucesso". Ele sorri, e acena que sim. Inclusive tinha cantado na Casa Branca dois dias antes. O convidamos para tirar uma foto conosco. Ele aceita, mas antes de tirar a foto diz: "aquelas meias não são nada coisa de boiola!"
Ram Rajagopal
Berkeley,
14/2/2006
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