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Arte
Quinta-feira,
30/8/2001
Arte empacada
Adriana Baggio
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"Suas pinturas são empacadas, você é empacado! Empacado, empacado, empacado!" (Tracey Emin, para seu ex-namorado Billy Childish, no manifesto Stuckista)
Imagine um quadro, representando Nossa Senhora. No lugar das tintas, excremento de elefante. Isso pode ser chamado de obra de arte?
Essa é uma das discussões que têm espevitado o mundinho das artes visuais. Os mais modernos, entendidos e cult celebram a chegada da vanguarda, representada pela arte conceitual, classificação da obra de arte citada acima. Os mais tradicionais estrilam e alertam para o charlatanismo dos colegas conceituais.
Chamar de vanguarda um movimento que tem total adesão e identificação com o establishment é forçar a barra. A arte conceitual sobrevive (muito bem, por sinal) graças à união de interesses de colecionadores, investidores, marchands, arquitetos, decoradores e artistas de meia pataca. Junto a eles estão o governo e instituições públicas, que garantem o dinheiro e a estrutura para exposições de gosto — e valor — discutíveis.
Com uma explicação bem simples, o sistema funciona da seguinte maneira: um artista elabora uma manifestação polêmica, controversa, agressiva. É bancado por algum órgão público ou instituição para expor em algum salão. A mídia consome alucinadamente. O artista sobre de cotação. Decoradores e arquitetos incluem obras do elemento em seus projetos. O marchand prepara outra exposição. Os colecionadores compram. É uma cadeia na qual todos ganham, e quase ninguém perde, exceto, talvez, a arte.
Como todo o movimento que polemiza logo ganha opositores, com razão ou não, a arte conceitual também já tem seus inimigos organizados e declarados. São os Stuckists, ingleses que elaboraram um manifesto contra a arte conceitual e o que eles chamam de deturpação do modernismo. Stuck, em inglês, quer dizer careta, empacado, segundo definição em matéria publicada no Jornal do Brasil, no dia 23 de julho. O nome surgiu a partir de uma prosaica briga entre o pintor Billy Childish e sua namorada, a artista conceitual Tracey Emin. Ao separarem os pincéis, a moça chamou Billy de stuck, batizando o movimento iniciado pelo ex (Billy já não faz mais parte do movimento, mas também não reatou o namoro com Tracey).
O movimento, criado pelo também pintor Charles Thomson, despertou interesse da artista plástica brasileira Iracema Brochado, que inaugurou o Stuckismo aqui no Brasil. Segundo o manifesto, o Stuckismo é contra o conceitual, o hedonismo e o culto ao ego-artista.
O manifesto stuckista coloca que a arte deve ser produzida de uma maneira mais honesta que a vertente conceitual. O artista plástico só merece esse título se souber pintar. Essa regra protesta contra os artistas conceituais que se apropriam de objetos já existentes para suas obras, mas sem criar ou produzir nada. Pelo stuckismo, o uso de objetos existentes e de outro contexto impede o acesso ao mundo interior do artista, e conseqüentemente, ao conteúdo da obra.
O artista verdadeiro, não conceitual, deve fazer da arte uma forma de auto-descoberta. O processo da pintura deve ser uma mistura entre emoções e razão, interior e exterior, privado e público, espiritual e material. A arte deve ser feita buscando sempre a experimentação, sem medo da falha, sem a aspiração da premiação. Para os stuckistas, o artista conceitual submete sua arte à exigência comercial, ao estilo com potencial para conseguir premiações. É nessa parte que entra o protesto contra o ego-artista e ao esquema comercial no campo das artes.
O Stuckismo reclama também dos espaços destinados à arte, como as paredes brancas das galerias. Para eles, essa esterilidade impede a experimentação da arte, que deveria ser feita em ambientes autênticos. Ainda em relação ao acesso, o movimento pede a abertura das escolas e das universidades para toda a população, para que a fruição e aprendizagem da arte possa ser mais democrática. Quanto às escolas de arte, o manifesto condena a prática de admissão somente pela análise de uma obra, em detrimento do currículo e da qualidade técnica do artista.
O Stuckismo fala de uma deturpação do modernismo, que possibilitou a abertura do caminho para a banalização do moderno no pós-modernismo, caindo na submissão aos interesses comerciais. Para um resgate dos valores do Modernismo, os manifestantes propõem o Remodernismo, através de uma reaplicação dos princípios originais do movimento.
Não é de hoje que a sociedade repele manifestações artísticas diferentes do já estabelecido e valorizado. Foi assim como o Impressionismo, no século XIX. A diferença é que agora o que chamam de vanguarda é sustentado pelo sistema, ou seja, é incoerente. A arte conceitual inaugura um nicho nas artes visuais que não pode se utilizar dos parâmetros tradicionais para estabelecer seu valor. Assim, o atributo de valor acontece muito mais por aspectos comerciais do que estéticos ou críticos. Como o artista conceitual é financiado pelo governo, bancos, patrocinadores, seu compromisso acaba sendo com o mecenas, e não com o seu estilo ou motivação interna para a arte. A arte conceitual é descartável. É feita para ser consumida em uma exposição, depois pela mídia, e no fim desaparece. Ainda quando tem um suporte que agüente o tempo, e materiais que não sejam perecíveis, este tipo de arte não se explica por si só, não oferecendo ao espectador a possibilidade do prazer estético. A arte que precisa de um manual de instruções é elitista, limitada. Não que todas as obras devam ser figurativas, mas mesmo as abstratas devem permitir ao observador uma fruição que não dependa da explicação.
Por outro lado, dá para estabelecer uma relação entre o Stuckismo e o Dogma 95, manifesto contra o artificialismo hollywoodiano. Os dogmáticos conseguiram bastante atenção com o movimento, mas todos eles fizeram filmes tradicionais além daqueles regidos pela regras do Dogma. O que se percebe é uma reação não ao novo, mas ao que faz sucesso e ameaça o já estabelecido. Com a tecnologia atual, troca-se um set inteiro de filmagens por um computador e um geniozinho da informática. Na arte, a proposta conceitual não exige formação e nem habilidade para desenhar ou pintar. Só é preciso um padrinho e a boa vontade da mídia para virar artista. Acredito que este tipo de movimento enriquece a discussão e tem resultados positivos. Mas o que não dá para deixar de ver é que, por trás de tudo, há sempre outros interesses. Ou seja, reserva de mercado existe em todas as atividades.
Apesar de concordar com o movimento Stuckista, estou procurando ter o bom senso de não rechaçar muito radicalmente a arte conceitual. A História mostra que propostas inovadoras, em todas as áreas, mais tarde se revelaram autênticas, válidas e aplicadas ou usufruídas universalmente. Quando o estilo clássico de pintura - cujo valor ou qualidade eram determinados pela fidelidade da representação do real - começou a ser questionado pelos Impressionistas, que propunham uma nova maneira de pintar, os críticos da época também devem ter ficado confusos. Talvez o que esteja acontecendo hoje faça parte de um ciclo de renovação. Pode ser que se separe o joio do trigo na arte conceitual, para que permaneça a possibilidade de uma nova forma de manifestação artística, considerando novas tecnologias, novas linguagens, nova maneira de viver. Quanto mais se estuda, discute e polemiza, mais possibilidades temos de chegar a perceber os aspectos que dão qualidade e valor estético à obra de arte conceitual. E quando isso acontecer, talvez esta nova proposta deixe de ser comercial e passe a assumir seu caráter artístico.
Para saber mais
stuckismbrasil
www.stuckism.com
Adriana Baggio
Curitiba,
30/8/2001
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