COLUNAS
Segunda-feira,
3/7/2006
Amigos e vinhos, mulheres à parte
Rafael Rodrigues
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Miles é um escritor que não tem nenhum livro publicado e está mais perto dos quarenta anos que dos trinta. Jack é um "ex-famoso" ator, digamos assim, que vai casar em breve e também está chegando aos quarenta.
Como presente de casamento, Miles o leva para uma viagem. Fanático por vinhos, Miles tem a intenção de passar uma semana inesquecível, visitando vinícolas, provando a maior quantidade de vinho que os dois suportarem, jogando golfe e apreciando os melhores restaurantes que encontrarem pelo caminho.
Se você assistiu ao longa Sideways - entre umas e outras, estrelado por Paul Giamatti e Thomas Haden Church, conhece essa história. Mas não estou aqui para falar do filme. E sim do livro que deu origem a ele, Amigos e vinhos, mulheres à parte, do escritor americano Rex Pickett.
Publicado no Brasil pela editora Rocco no início deste ano, Amigos e vinhos, mulheres à parte tem 379 páginas de leitura fácil, empolgante e muito divertida.
O Oscar de melhor roteiro adaptado (por Alexander Payne - que também dirigiu o filme - e Jim Taylor) que Sideways ganhou foi mesmo bem merecido. Grande parte do sucesso da adaptação se deve ao forte apelo cinematográfico que tem o romance.
Miles, o narrador, vê aquela semana com Jack - até pouco tempo um solteirão incorrigível - não só como uma despedida de solteiro, mas também como o fim da relação de amizade que eles mantiveram por tantos anos, pois são amigos desde os tempos da faculdade. Após o casamento, Jack terá outros afazeres, assumirá responsabilidades, e terá de se afastar dos amigos, se quiser ter sucesso na vida de casado. É o que pensa Miles.
Jack vê a viagem com outros olhos. Para ele, aquela é a sua última chance de conquistar mulheres e aproveitar seus últimos dias sem aliança na mão esquerda. Além de ser uma ótima chance para ajudar o amigo a conseguir uma garota, coisa que Miles não consegue há tempos.
A vontade do "escritor frustrado" é deixar as mulheres à parte. Mas nem bem chegam em Santa Inez, paraíso vinícola da Califórnia (é o que o livro me faz proclamar), e Jack já inicia sua "caçada".
Ele fica encantado ao ver Maya, garçonete do restaurante que Miles freqüenta quando visita Santa Inez. Ela é uma linda mulher (morena, no livro; loura, no filme), inteligente, divertida, e que entende muito de vinhos. Jack tenta aproximar mais ainda seu amigo da bela garçonete, pois Miles nunca passou do "oi, tudo bem?" e algumas palavras trocadas, sem maiores intenções.
Mas Miles ainda não se recuperou do divórcio com Victoria, mulher com quem foi casado por oito anos e de quem se separou há dois. O que ele menos quer no momento é se envolver com alguém. Suas preocupações são outras: seu livro se encontra nas mãos de uma pequena e respeitada editora, podendo ser aprovado e publicado. E ainda tem em mente a esperança de reconquistar sua ex-esposa.
Ou seja: temos um homem em frangalhos, mas com uma réstia de esperança. Deprimido com o fracasso do casamento - mas ainda pensando em retomá-lo; com a recusa das editoras por seu livro - mas aguardando a resposta de mais uma editora; e quase que ansioso pela morte da mãe, para que possa finalmente herdar o dinheiro deixado por seu pai, e assim se livrar das dívidas.
Apesar disso tudo, Miles tem um bom senso de humor, e o livro não é piegas ou melancólico por conta de suas muitas tiradas cômicas e/ou irônicas. Existem momentos no livro que fazem o riso do leitor se tornar quase incontrolável.
Nem quando as coisas pioram - durante a estadia em Santa Inez, Miles fica sabendo que Victoria casou-se novamente e que seu livro fora recusado mais uma vez - ele perde o bom humor, mesmo sendo ácido e agudamente irônico.
Enquanto isso, Jack se envolve em muitas confusões por causa de mulheres, e vai acumulando uma série de contusões, todas elas se tornam hilárias aos olhos de Miles. Jack pensa até em adiar o casamento, pois conhece Terra (Stephanie; morena no filme, loura no livro), uma sensual garçonete, que transa como ninguém, segundo ele.
O romance de Rex Pickett, cômico e dramático ao mesmo tempo, conta a história de dois homens, suas dúvidas, suas convicções, seus sonhos e seus destinos, que provam que nunca é tarde para amadurecer. Além de ser uma aula sobre vinhos, tema constante da narrativa, e responsáveis pelos momentos de maior inspiração do escritor (não sei se embalado por eles ou não).
"O vinho tinha três atos distintos, como qualquer história bem escrita. O primeiro ato revelou uma fruta acre, quase perfumada, diferente de qualquer Pinot Noir que eu já tivesse provado. Então, mais ou menos no meio, pude detectar trufas pretas e pétalas de rosa, harmonizadas, coisa quase impraticável. E depois, no terceiro ato, ele continuava chamando carinhosamente enquanto descia, como voz ecoando plangente por um túnel, e nós lamentando sua ausência." (págs. 264-265).
Assim como os vinhos, ficamos melhores quando envelhecemos. Parece ser essa a moral da história.
Nota do Editor
Rafael Rodrigues é estudante de Letras e também publica no blog Entretantos.
Para ir além
Rafael Rodrigues
Feira de Santana,
3/7/2006
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