COLUNAS
Quinta-feira,
6/9/2001
Doente de tanto saber
Adriana Baggio
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Levantar, tomar café. Durante o café, ler o livro para o trabalho da pós. Se atrasar porque ficou lendo. Tomar banho correndo, não vai dar tempo de secar o cabelo, se arrumar, sair. Decorar verbos no carro durante o sinal vermelho. Chegar correndo ao trabalho, resolver as pendências. Ler os textos sobre a empresa do cliente. Interromper o trabalho, tomar um cafezinho e ler os jornais do dia. Não dá tempo de ler aquele artigo mais extenso. Leitura dinâmica. Voltar ao trabalho. Sair para almoçar, ler enquanto descongela o prato. Entrar na internet enquanto come, ler e responder e-mails, salvar no computador os textos mais longos para ler depois. Ou seja, não ler nunca mais. Sentir culpa. Olhar relógio, atrasada de novo, correr para o trabalho. Ouvir no carro, pela primeira vez, o novo CD comprado há 3 meses. Continuar a resolver pendências. Voltar para casa. Jantar enquanto assiste um vídeo profissional. Assistir o vídeo para devolver à locadora. Perder o filme que vai passar na TV. Ficar até mais tarde para ver os dois. Ir para a cama. Ler o outro livro que vem sendo lido em doses homeopáticas. Desistir por causa do sono. Dormir e sentir uma estranha sensação de que ainda falta muita coisa para ver, ouvir, ler, saber, entender, estudar, desenvolver, trabalhar.
Essa neura, que muita gente vive e acha normal, tem nome, e chama-se ansiedade de informação. É a sensação de estar ficando para trás, de não absorver toda a informação que está disponível e que é necessária para ser uma pessoa melhor, mais interessante, mais inteligente, com um melhor salário. A revista Veja desta semana traz uma matéria sobre o tema. Posso até usar a Veja como um exemplo pessoal: só tinha alguns minutos durante o almoço para ler a revista. Então, li rapidamente os títulos das matérias, um ou outro trecho que me pareceu interessante, e só deu tempo de ler inteiro o artigo sobre ansiedade de informação. Tive que escolher o assunto que mais me interessava. Com dó, deixei de lado as críticas de cinema, que também seria um assunto útil para mim. Provavelmente, quando estiver conversando com os amigos e surgir no papo a tal crítica que eu deixei passar, vou me sentir culpada por não saber.
Este mal da pós modernidade é fruto da avassaladora quantidade de informação que a gente recebe todos os dias, e da pressão para absorver o máximo possível. Os sintomas mais leves são uma ligeira sensação de culpa e incompetência e os mais graves passam pela insônia e depressão. Nos casos perdidos, é provável que a pessoa tenha um piripaque e seja obrigada a passar muito tempo só absorvendo lítio.
Não sei se só acontece comigo, mas me sinto terrivelmente perdulária se não leio uma revista do início ao fim, ou se deixo amarelar algum recorte de jornal que separei para ver mais tarde. Tenho pastas e pastas de recortes, imagens e textos, que guardo para usar algum dia. E quanto mais acumulo coisas, mais coisas aparecem. Às vezes fico esgotada, e o único alívio é ver novela, já que a absorção de informação é praticamente nula.
Vários especialistas já disseram que a gente deve selecionar as informações que vai consumir, para não padecer desta ansiedade. É melhor optar pelo que realmente poderá ser aproveitado do que tentar absorver tudo e acabar não conseguindo usar nada. O especialista ouvido por Veja para a elaboração da matéria diz que a melhor maneira de estar bem informado é a conversa cara a cara. No meio de um bate papo a gente pode saber das coisas que ainda não leu em lugar nenhum – como a crítica de cinema que eu deixei passar, por exemplo - , e ainda tornar a convivência mais saudável. Isso acontece porque há troca de informações, e não somente discussões sobre o mesmo tema.
Selecionar a informação que realmente será consumida também é bom para o bolso. Pra que alugar 5 vídeos no fim de semana se você sabe que só vai poder assistir 2? Por que assinar 3 revistas se apenas 1 é lida? Por que comprar um monte de CDs e livros todo mês se aqueles do início do ano ainda estão fechados?
A ansiedade da informação é um mal da cultura do exagero. Achamos que se alguma coisa é positiva, ao potencializar seu consumo os efeitos se multiplicarão. Está errado. Ser bem informado é mais do que positivo, é fundamental, mas ficar estressado pela quantidade de informação é o efeito negativo do exagero. Aconteceu isso com as vitaminas também. Em busca de um aumento nos benefícios proporcionados por elas, as pessoas se entopem de comprimidos sem o resultado esperado, sofrendo inclusive o efeito contrário. Tanto para informação, quanto para vitaminas, a medida deve ser a do bom senso e do equilíbrio. Mas agora eu preciso encerrar esse texto, porque tenho uma pilha de jornais para ler, e-mails para responder, artigos para analisar, livros para estudar, filmes para assistir...
Adriana Baggio
Curitiba,
6/9/2001
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