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Sexta-feira,
15/12/2006
Eu e o Digestivo
Eduardo Carvalho
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Conheci o Julio antes do Digestivo. Quando ele escrevia artigos longos, excelentes, sobre os assuntos mais diferentes, de Zélia Duncan a Nietzsche. Começamos a nos corresponder e depois ele montou um site para publicar seus textos. Acabou me convidando para inaugurar a seção de autores novos, onde publiquei um texto com o título mais metido do mundo: "A técnica e a literatura". Na época, me lembro, eu estudava Administração na GV e História na USP, e achava o máximo esse contraste. Era uma diversão.
Na GV, eu implicava com os professores e gostava dos alunos; na USP era o contrário: adorava os professores e não gostava dos alunos. Mas faculdade é o ambiente, são os amigos, e, portanto, fiquei na GV e desisti rápido de História. Pensei em substituir por Jornalismo. Seria um erro. Adoro o que faço — escreveria até "amo", se não fosse tão feio — e escrevo só como diversão. Talvez um dia eu monte um blog no estilo do do Ricardo Freire, Viaje na Viagem, e saia viajando e escrevendo por aí. Menos sobre hotéis e restaurantes e mais sobre pessoas, florestas, desertos. É a minha, digamos, segunda opção.
Uma opção que o Digestivo me ajudou a descobrir, a desenvolver. Comecei a escrever para o site em 2001 e parei em 2005. Falei sobre tudo: viagens, filmes, livros, São Paulo, etc. Tudo era mais difícil no começo. Depois o texto vai se soltando e o estilo aparece. Mas ainda sofro para escrever. Não, claro, no sentido existencial — é que é difícil mesmo. Existem infinitas formas de dizer a mesma coisa. Nem sempre a gente encontra a opção mais clara, a mais rápida e a mais bonita — que é como deve ser. Enfim. É treino também, claro — um treino que eu não quis ter na faculdade.
Minha coluna mais acessada é sobre um assunto ridículo: aquela festa da GV em que fotografaram um pessoal na moita. Todo mundo estava procurando o assunto no Google e muita gente chegou desavisada no meu texto. Depois tem aquele mais polêmico, em que reclamei do Saia Justa e virou uma confusão: todo mundo, incluindo a Mônica Waldvogel, veio comentar. Mas não é esse tipo de texto, acho, que o melhor leitor do Digestivo quer.
Os meus preferidos são os que escrevi sobre os livros que gosto, como "Uma conversa íntima", "Não li em vão" e "Prazeres escondidos"; sobre viagens pelo Brasil, como "De uma volta ao Brasil I" e "II", viagens pela Europa, como "De volta às férias I" e "II" e apenas sobre viagens, como "A prática e a fotografia". Gostei de explicar "Por que eu moro em São Paulo", de escrever sobre a GV — em "Obrigado, GV" — e um elogio para a minha geração, em "Geração abandonada". Um dos meus textos mais trabalhados — e dos que mais gosto — é dos menos lidos: uma gozação mórbida da critica de arte metida a besta, em "A garganta da reclamação".
Mas o Digestivo não é só texto na Internet. Conheci muita gente interessante. O Julio, claro, que hoje é dos meus melhores amigos. E tem o Fabio Danesi (com quem dei muitas risadas em São Paulo), o Rafael Azevedo (grande companhia em Oxford), o Arcano9 (que sabe como tirar visto pro Irã), o Rafael Lima (que tem um dos blogs que mais gosto), o Bruno Garschagen (um novo carioca), o Fabio Cardoso (ótimo jantar em Búzios), o Luis Eduardo Matta (o oráculo do Rio), a Adriana Baggio (que sempre morou longe), a Daniela Sandler (que morou em todos os lugares), o Ram (uma máquina de soltar piadas), o Ricardo de Mattos (que me convenceu a ler Guerra e Paz, que não li). O Digestivo reuniu pessoas de todos os tipos, e é esta variedade que dá a forma ao site. É isso que me estimulou a lê-lo e, depois, a escrever aqui.
Meu pior momento no Digestivo foi a minha despedida. Não queria sair. Gostava de escrever, dos colunistas, do site, dos leitores. De alguma forma, continuo aqui como colaborador, e não perco quase nenhum jantar que o Julio organiza. Continuo publicando — diariamente, agora — no meu blog. Estou adorando, mas é diferente. Acho que nem tudo na vida precisa acabar para sempre. Na verdade, algumas coisas vão e voltam, e é assim que continuam existindo. Por isso escrevi minha quase despedida. Por isso acho que nunca vou me despedir totalmente daqui.
Eduardo Carvalho
São Paulo,
15/12/2006
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