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Terror nos EUA
Terça-feira,
18/9/2001
A dor do inexplicável
Vera Moreira
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Há vários meses circula no Oriente Médio um videoteipe no qual o saudita Osama Bin Laden recita um poema sobre o atentado de outubro contra o submarino americano USS Cole em Áden. no Iêmen, que matou 17 militares americanos, e depois faz um chamado às armas: "A todos os combatentes: seus irmãos na Palestina estão esperando por vocês, é hora de penetrar na América e em Israel e atingi-los onde dói mais."(Agência Estado, 13.09.2001).
Desde o ano passado, que sinto enorme apreensão com a guerra no Oriente Médio. Eu tinha amigos morando lá e por meses só queria vê-los de volta ao Brasil. Passa o tempo e você "acostuma" a viver o risco de quem ama, mas a experiência me fez sentir ainda mais a dor que milhares de pessoas estão sofrendo nesse momento, com seus amigos e parentes desaparecidos ou já confirmados mortos nessa barbárie da última terça-feira nos Estados Unidos. Seja quem for o autor - as evidências maiores apontam mesmo para Bin Laden - conseguiu ferir com a precisão de um bisturi, atingiu, de fato, onde mais dói. Acho que toda aquela apreensão que eu sentia mais latente no ano passado, uma coisa como uma anunciação, ganhou forma na terça-feira.
Este caldeirão está fervendo já faz muito tempo e o inimigo é muito maior do que um Bin Laden. Estamos à mercê de uma doença muito séria, o fanatismo. As imagens dos boeings naquela velocidade se arremessando contra as torres do World Trade Center se bastam em si mesmas para entendermos o tamanho do fanatismo de quem estava na sua condução. O fanatismo é um inimigo impalpável, uma força sobrenatural que nos atinge onde mais dói, porque não existe qualquer explicação possível, qualquer justificativa, é o irracional na forma mais primitiva, o monstro interno desperto. Uma catástrofe natural, como um terremoto, um furacão, que dizima a vida de milhares de pessoas e destrói cidades tem o poder de nos consternar, mas jamais vai nos causar a dor que uma ação terrorista destas nos causa, a dor da impotência e medo, muito medo do que é capaz a mente humana, a maldade do homem.
Eu estava no computador lendo uma entrevista que o meu colega Paulo Polzonoff mandara para o grupo, quando recebi o telefonema contando sobre o atentado e fui para a TV ver o que nem mais de 100 anos poderá apagar da minha memória. Nessa entrevista, o escritor Michel Houellebecq, falando de seu novo romance, Plateforme, para a revista Lire deste mês de Setembro Negro de 2001, respondia:
Lire - O senhor escreve também: "A humanidade me repugna".
M.H. - É claro que existem vítimas dentro dos conflitos do Terceiro Mundo, mas são eles que provocam estes conflitos. Se isso os diverte, o fato de estarem sempre se matando, estes pobres imbecis, deixemos que se matem. Os nacionalistas são primatas. Se as pessoas são suficientemente imbecis em sonhar com uma Grande "Serbie", que eles morram, é o melhor que eles têm a fazer. E os culpados não são os ditadores, são os indivíduos de base que só pensam em brigar. Eles adoram ter um fuzil nas mãos, eles amam matar, eles são ruins. Qualquer um que pega uma arma para defender uma causa, seja ela qual for, me parece essencialmente desprezível. Eu tenho uma grande admiração pelos tailandeses que evitaram se envolver em todas as guerras que os entornavam.
Lire - As vezes, é preciso se defender?
M.H. - Eu diria que não. Enfim, sim, sim... é preciso se defender. Mas nenhum beligerante terá jamais minha simpatia. Eles têm tal prazer em matar. São essencialmente grotescos.
Lire - Quando o senhor descreve a violência dos bairros e em particular a nova cidade de Evry, cercada por hordas de bárbaros, o senhor tem um discurso "securitário".
M.H. - Ah, isso... isso não é novo... é o meu lado "chevénementiste"! É evidente que a polícia deve agir quando as pessoas têm um comportamento que não é conforme o estabelecido moralmente. A manutenção da ordem é uma coisa normal. Não há razão para estar ameaçado na vida cotidiana. No romance existe este aforismo que eu gosto muito: "A delegacia é um humanismo". Isto que dizer, eu não sou tão repressivo, como homem. A abolição da pena de morte é muito boa... mas eu não faço disso uma questão de princípios.
Eu estava frente à TV, segurando as lágrimas de estupefação e me lembrava disso: "Não há razão para estar ameaçado na vida cotidiana." Temos direito à vida, à paz, à infância, ao amor. Deveríamos ter, não temos mais. Estamos numa luta de vida ou morte. Deus permita que a civilização vença.
Vera Moreira
Gramado,
18/9/2001
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