COLUNAS
Terça-feira,
24/4/2007
O senhor do YouTube
Vicente Escudero
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Há seis anos, todos os dias, Noah Kalina pega a máquina fotográfica e bate uma foto do próprio rosto. Há seis anos. O estranho hábito deste sujeito esquisito está entre os vídeos mais assistidos do YouTube, totalizando até a presente data quase cinco milhões e meio de acessos.
A internet é assim: pequenas ilhas de idéias cercadas por um mar de bobagens, e o YouTube (eleito a invenção de 2006 pela revista Time), seguindo esta corrente com outros provedores de conteúdo em que a interatividade é plena, cresce em progressão geométrica diariamente.
O YouTube é mais uma dessas empresas bem sucedidas localizadas próximas ao Vale do Silício, na Califórnia, que apostam em criatividade e inovação para transmitir conteúdo pela internet de acordo com a vontade do internauta. Ao contrário da maioria dos outros portais em que a informação é produzida por poucas cabeças pensantes e sem a participação direta do público, o YouTube abriu suas portas para que qualquer pessoa, localizada em qualquer canto do mundo onde exista um computador e uma filmadora, apresente seus próprios vídeos em formato acessível (flash) até mesmo aos usuários de conexão discada.
A idéia revolucionária foi projetada pelos funcionários do PayPal, Chad Hurley, Steve Chen, e Jawed Karim, e lançada no mês de fevereiro de 2005, baseada nas premissas básicas adotadas pelos sites de sucesso: simplicidade, velocidade e (a mais importante de todas), a gratuidade. Com interface simples e recursos de sobra, o usuário pode carregar vídeos com duração de até dez minutos e transmiti-los através de e-mails ou links próprios do YouTube para outros sites, nos quais o vídeo é apresentado sem a interface padrão da página, apenas ocupando o espaço necessário para a imagem do player.
O sucesso da empreitada foi instantâneo e estrondoso, mas a banda de transmissão, pequena. O site precisava de uma estrutura maior para suportar as centenas de milhares de acessos diários e todo o conteúdo carregado. Só para se ter uma idéia, o YouTube alcançou o MySpace na porcentagem de usuários da internet que acessam o site a cada dia, no final de maio de 2006, batendo na casa dos 4% (quarenta mil em cada milhão) e hoje já está em 9,5%. Os sinais de fumaça deste sucesso não poderiam passar despercebidos pelo termômetro da NASDAQ e o site acabou sendo comprado pela Google Inc. em novembro de 2006 por míseros um bilhão e seiscentos milhões de dólares em ações da Google Inc., a maior negociação da história em termos de empresas pontocom.. Hoje o YouTube recebe diariamente 65.000 vídeos novos enquanto 1.000.000 são assistidos, e a margem de usuários da internet que acessam o site diariamente subiu para 9,5% (noventa e cinco mil em cada milhão).
Comparando com a privatização da Vale do Rio Doce, que teve seu comando (27% de ações ordinárias votantes) vendido por 3,3 bilhões de dólares em 1997 (equivalentes a quase dez bilhões de reais corrigidos até 2006), e se trata de uma empresa "física", hoje operando em 14 estados brasileiros e nos cinco continentes, possuindo mais de nove mil quilômetros de malha ferroviária e 10 terminais portuários próprios, o YouTube foi vendido por quase um quinto deste valor e hoje conta só com 67 funcionários trabalhando na sede da empresa, localizada em San Bruno, na Califórnia. Alguma boa idéia em mente?
A negociação inédita teve salvaguardas: os fundadores do YouTube permaneceram na área criativa da empresa e a Google Inc. contingenciou recursos para se defender de eventuais processos sobre violações de direitos autorais, talvez a questão que represente até este momento da internet o maior problema para o desenvolvimento de tecnologias onde o internauta tem a possibilidade de copiar conteúdo para acesso indiscriminado do público.
Esta questão é turbulenta e já levou outros sites quase ao desligamento da tomada. O precursor Napster criado por Shawn Fanning, por exemplo, um software baseado na troca de arquivos (mp3 em primeiro lugar) entre computadores, mas também com uploads e downloads de arquivos para seus próprios servidores, foi obrigado judicialmente a filtrar o conteúdo disponível para troca tendo que, posteriormente, cobrar pelo uso do aplicativo em contrapartida aos altos custos dos direitos autorais, sendo quase esquecido pelos seus usuários, que migraram para aplicativos P2P (peer to peer) como AudioGalaxy, Limewire e Kazaa.
O sistema utilizado pelo YouTube possui traços do P2P mas tem uma finalidade distinta. Enquanto o P2P possibilita que os usuários busquem arquivos em um computador alheio, sem existir armazenamento destes em servidores do aplicativo, o YouTube tem seus servidores próprios onde os arquivos são armazenados pelos usuários para serem exibidos, não existindo a possibilidade de troca direta. A única possibilidade de transmissão dos vídeos através do YouTube acaba sendo a troca de links com o endereço do arquivo armazenado no site, para mera exibição em outros sites, sem a possibilidade da cópia através de download.
O vendaval não acaba aí. Mais ferramentas estão em desenvolvimento para turbinar a edição dos filmes pelos usuários. Já existe contrato fechado com a gravadora Warner para permitir o uso das músicas dos artistas do selo como trilha musical opcional para os vídeos e, talvez o plugin mais revolucionário: a possibilidade de discussão em tempo real, por videoconferência entre internautas, sobre determinado filme.
Seria este o início do final das gravadoras como conhecemos? Afinal de contas a mera fiscalização do uso adequado dos direitos autorais pode ser realizado por advogados especializados. Sem a mídia concreta para distribuir os artistas, sites como YouTube e iTunes, sem contar as iniciativas independentes, podem muito bem contratar a venda de músicas e videoclipes sem a intermediação das grandes gravadoras. Esta nova onda pode mudar toda a fórmula atual de comercialização da música em geral. Estamos no aguardo de novas descobertas para bater o martelo.
Direitos autorais e YouTube
Os problemas enfrentados nesta área são os mesmos existentes nos sistemas P2P. O conteúdo protegido por direitos autorais, nos mais diversos países, é colocado indiscriminadamente para exibição através de burlas já comuns em ferramentas P2P, como a alteração do nome do arquivo.
Como proteger as apresentações transnacionais destes vídeos? Até agora a única proteção efetiva é a aplicação da legislação norte-americana sobre direitos autorais, considerando que os servidores onde o conteúdo é armazenado estão localizados na sede do site nos EUA. Esta questão até o presente momento tem sido resolvida com contratos entre o YouTube e grandes corporações (CBS, Sony BMG Music Entertainment e Universal Music Group). Mas a posição permanece dúbia e acomodada: não são tomadas medidas judiciais apenas enquanto o lucro é recíproco.
Contrariando esta tendência, a Viacom ingressou com ação de indenização no valor de um bilhão de dólares. Talvez esta seja mais uma maneira de pressionar o YouTube a pagar um valor alto pelo uso dos direitos autorais do que retirar completamente os programas da emissora de circulação. Não se espante se essa ação terminar em um acordo. Seria bom para ambos os lados: o pagamento pelos direitos autorais da Viacom e ausência de precedente condenatório para amendrontar o YouTube.
Televisão e YouTube
O formato flash não comporta a transmissão da programação da televisão com a mesma qualidade. É só dar uma olhada nos programas de tv disponíveis no YouTube para perceber a baixa qualidade do vídeo. O primeiro passo foi dado, aguardamos o concorrente Joost e os avanços em programação.
Novas mídias, hardwares e o YouTube
A novidade que pode tirar o estigma de que o formato do YouTube é limitado para acesso em qualquer lugar pode ser o iPhone, exagerado em tudo: tela gigante, memória de sobra, além de telefone.
Outra mídia que pode revolucionar a computação handheld é o papel eletrônico "E Ink", fácil de manusear e capaz de encerrar o problema dos pequenos monitores dos handhelds, além de aumentar a autonomia das baterias.
Os passos para distribuição instantânea de vídeos começaram. A briga promete ser dura até a descoberta de um formato capaz de competir com a qualidade da televisão e o YouTube, até agora, dispara na liderança.
Liberdade de expressão e YouTube
O Brasil, infelizmente, faz parte do seleto rol de países, integrado por Turquia e Tailândia, em que o YouTube já foi bloqueado. Gregos e turcos trocaram farpas em vídeos que insinuavam tendências homossexuais de ambos os povos e também ridicularizavam a nação turca. Com a retirada destes vídeos, o site voltou ao ar na Turquia. Na Tailândia, até agora ninguém sabe a razão do banimento. Já no Brasil, o ataque de "celebritite" foi até... próximo tópico...?
Google, o senhor do YouTube
A Google Inc. domina a internet. A ferramenta mais poderosa de busca, junto com o Yahoo, enfrenta as tradicionais redes de televisão e gravadoras com 30% de todo tráfego diário na rede (300.000 em cada milhão). Enquanto a transmissão das emissoras de televisão tem caráter nacional, um australiano em qualquer lugar do planeta pode acessar o Google e descobrir a programação de uma emissora sul-africana em tempo real, sem o menor esforço. Nenhuma empresa quer diminuir seu mercado consumidor, certo?
O Yahoo não tem a mesma diversificação do Google, apesar de desfrutar da mesma fatia em acessos diários. Enquanto o primeiro mantém apenas o tradicional sistema de busca, o Google envereda para áreas como a cobertura fotográfica de toda vista aérea do planeta (Google Earth), a transmissão de vídeos pela Web (YouTube) e a ambiciosíssima tacada do Google Book Search, na qual o site pretende disponibilizar no sistema de busca o conteúdo de todos os livros até hoje escritos e existentes. Dentro de alguns anos, quando você digitar "Norman Mailer" na busca do Google, encontrará vídeos do autor no YouTube, sites dedicados ao escritor e também os livros em que constam citações à sua obra. Quem vai encarar?
"Ele defendeu Calas, digo, o YouTube"
As mudanças estão batendo na porta. De um lado os direitos autorais estão sendo massacrados, do outro a internet conta seus lucros estratosféricos. Onde mora a saída racional para a disputa? Parece que o comodismo das emissoras de televisão e das grandes gravadoras levou um duro golpe, forte o suficiente para deixá-los tontos sem poder de reação, fazendo com que cada uma tomasse um rumo diferente. Se por um lado o YouTube transmite clipes e programas de televisão sem pagar nada para as produtoras, do outro lado há a publicidade gratuita para o mundo todo. A saída talvez seja se render, ou melhor, cobrar pelo assalto. Quem sabe alguns centavos por vídeo ou música? Alguém imaginou que a internet ressuscitaria os porquinhos? Ou melhor: o cofre do Tio Patinhas. De centavo em centavo...
Vicente Escudero
São Paulo,
24/4/2007
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