COLUNAS
Segunda-feira,
19/2/2001
Magia Verde
Vera Moreira
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Por pouco a "fada verde" não amarga passagem meteórica nestes prados. De uma esvoaçada, aguçou a curiosidade de um bando resoluto em conferir sua magia antes que fosse tarde: liberada a importação em outubro e proibida a venda em dezembro, o Absinto rapidinho virou vedete do câmbio negro. Discussões pra lá, argumentos pra cá e os míseros 3º alcoólicos da discórdia evaporaram, o limite dos 54% de álcool permitidos por bebida no Brasil ficou comprovado e o líquido maldito voltou à lei no mês passado, para alegria do importador Lalo Zanini, que está vendendo à revelia. Comprei um Absinto em São Paulo (esperava que a garrafa fosse sofisticada, mas parece de vinagre), presente de aniversário para meu irmão, que é o médico típico: experimenta tudo, não tem medo de nada. Eu, confesso, não tenho coragem de chegar perto de um copinho dele, ou de um long drink, servido por cima de um torrão de açúcar em uma colher com furos pequenos, gelo picado e água gelada, como apreciavam os enfants terribles do século XIX: Picasso, Van Gogh, Degas, Toulouse-Lautrec, Verlaine, Rimbaud, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Oscar Wilde... Fico ressabiada: e se eu "pirar"? Até o roqueiro e gourmet Marcelo Fromer, que também me parece ser dos corajosos, hesitou: "Nos encaramos. O Absinto parecia decidido, eu não. Olhei-o de volta, levei-o ao nariz e percebi seu perfume de anis".
Na sala de jantar da casa dos meus pais, tem uma reprodução do quadro impressionista de Degas (1876) - todos os artistas da época eram amantes da bebida esverdeada e a retrataram em telas e letras. Jamais tentaria falar sobre Degas - adoro arte mas não entendo nada (acho lindíssimo quem conhece) -, mas a mulher sentada em frente ao copinho até as bordas de Absinto sempre me intrigou. Os pés dela não se apóiam ao chão, estão suavemente abandonados, assim como os braços. Os ombros desistiram de sustentar o peito. O olhar é de esperanças perdidas, de uma aceitação singela ao que jamais virá a realizar. No entanto, depois que me inteirei (literariamente) do Absinto, fico pensando também que ela podia estar idiotizada. Na mesa ao lado jaz uma garrafa vazia - e o homem que a acompanha não está bebendo Absinto. De qualquer forma, se tivesse esvaziado a garrafa, o mais coerente é que não estivesse ainda ali sentada...
O Absinto é uma bebida preparada com folhas de pequena erva da família das compostas (flores unidas em capítulos, num receptáculo comum), dotada de propriedades amargas, que conjugada com outras ervas e com um teor alcoólico de 70 a 80%, se torna alucinógena, dada sua poderosa ação sobre o sistema nervoso central, causando delírios e em alguns casos seguidos por idiotia. A planta também é conhecida como losna e era muito valorizada pelos egípcios devido ao seu poder curativo. A Artemísia absinthium (em espanhol: ajenjo; em francês: absinthe; em italiano: assencio; em inglês: wormwood; em alemão: wermu) pode ser encontrada fresca e, apesar de seu gosto amargo, é usada no tempero de omeletes, saladas, assados e sopas ou ainda para perfumar o vermute e vinagres aromáticos.
As lendas e mitos sobre a "fada verde" se multiplicam há mais de um século. Está proibida em todo o mundo desde 1915, com exceção de Portugal, República Tcheca e agora Brasil, do nosso mercado foi banida em 1935. Depois da recente proibição e liberação por aqui, ganhou até um Clube do Absinto, em São Paulo. Muitos acreditam que tem poder afrodisíaco - mas aí a discussão vai longe: como diz a poeta Adélia Prado, erótica é a alma. Outros dizem que faz mal a saúde, mas isso é óbvio, qualquer coisa em excesso faz mal a saúde, até água, me garantiu um amigo médico (se você entupir alguém de água, pode matar). E o Absinto que chegou ao Brasil não é propriamente o Absinto criado pelo Dr. Pieere Ordinaire, em 1792, na Suíça, é um licor de Absinto, com 53,5º GL, amaciado, portanto.
Do que ouvi falar até agora, quem provou, gostou. Marcelo Fromer descreve: "... foi levá-lo à boca e deixar que escorresse goela abaixo, me dando um choque térmico e um estalo imediato em todos os sentidos". O publicitário Sérgio Augusto de Andrade diz que foi experimentando seu gosto que entendeu o espanto de Barnaby Conrad III, antigo editor da Horizon, ao provar seu primeiro Absinto. "O aroma não era perigoso ou degenerado ou depressivo como pode sugerir sua história. Não. Era como se alguém tivesse engarrafado o verão". É o que estão falando: que a bebida tem a cara do verão. Com o Carnaval pela frente, é possível que se torne também marca registrada da folia 2001 - só fique esperto pra não enfiar o pé na jaca...
Vera Moreira
Gramado,
19/2/2001
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