O que Paulo Coelho, Shirley Mclaine, Richard Bach, Chico Xavier entre outros têm em comum? Não precisa queimar os neurônios, deixa que eu mesma respondo: escreveram livros que eu li na adolescência e que até hoje não sei como classificar. Ficção? Não-ficção? Auto-ajuda? Religiosos? Iluminados?
Desses aí, lembro de ter adorado Fernão Capelo Gaivota, do Richard Bach, a ponto de ter lido mais de quatro vezes, grifando e tecendo comentários nas margens de uma ediçãozinha velha, de capa azul.
Também gostei d'O Alquimista, mas não a ponto de repetir a leitura. Os demais... Achei um saco. Na época, eu não sabia por quê. Mas hoje sei. Fernão Capelo Gaivota e O Alquimista são os únicos dessa lista que têm um enredo explicitamente de ficção, embora venham recheados de metáforas, frases feitas e "ensinamentos". Ambos são escritos na 3ª pessoa, como se um narrador contasse uma história qualquer. Assim como as fábulas, tendem a agradar dois tipos de leitores: os que querem apenas ler uma boa história e os que buscam uma moral, um ensinamento. Nesse caso, é como se o autor desse liberdade para o leitor ao dizer: "senta aí que vou te contar uma historinha bacana, se você se identificar com alguma coisa, isso é com você".
Já os outros da lista, usam um recurso diferente. A maioria é escrita em 1ª pessoa ou usa um tom professoral, marcadamente alocutivo, ou seja, interpelando diretamente o leitor, como fazem as propagandas de xampu: "faça isso e você obterá aquilo", "veja só", "olhe lá" etc. A alocução explícita é um recurso que pouca gente domina bem na literatura. O melhor exemplo é a recomendação de Machado de Assis em Memórias póstumas de Brás Cubas, para que o leitor preguiçoso salte alguns capítulos. Essa invocação explícita do leitor é hoje um recurso tão banalizado na publicidade que pode deixar um texto com um jeitão bem pop ou informal demais.
Mas o irritante na alocução é a "voz da razão" que muitas vezes vem de tabela. É como se o autor dissesse "eu sei o que é melhor para você", "você ainda é um ser imperfeito e como eu sou um mago/mestre/guia/guru/fodão nesse assunto, vou te dizer o que você tem que fazer".
Sou o tipo de pessoa que se aborrece com discursos alocutivos em geral. Sejam as propagandas ou os livros que pregam a receita do sucesso, do aperfeiçoamento pessoal e qualquer outra coisa. Como uma boa mineira desconfiada, sempre me pergunto se o autor realmente chegou a esse nirvana todo que geralmente apregoa, se aquilo tudo não é charlatanismo ou um deslumbramento autêntico.
Eu já estudava Letras quando li o Diário de um mago, do PC, e me dei conta do engodo mercadológico-editorial que caiu nas minhas mãos. Nem o enredo, nem a forma de contar a história sustentam o texto e acabei concluindo que, como escritor, o Paulo Coelho é mesmo um ótimo mago. Mas não interessa o que eu penso, pois ele não escreve para profissionais de Letras.
Hoje eu me pergunto por que cargas d'água eu lia esses livros. Acho que eu lia por curiosidade ou por recomendação da minha mãe e da minha irmã. Minha irmã sempre foi meio mística e minha mãe vivia em busca de conhecimentos de diversas áreas ligadas a Filosofia e crenças em geral.
Certa vez cheguei a ler um relato em 1ª pessoa de uma mulher que ensinava a fazer projeções astrais. Eu devia ter uns treze anos e passei um bom tempo pulando repentinamente da cama ou do sofá, achando que meu espectro ia sair voando por aí e assim, finalmente, eu ia conhecer a Europa de graça.
Só fui conhecer a Europa doze anos mais tarde. E não foi de graça.
Quando me senti pressionada para ler o tal do Trigueirinho, aí eu me rebelei. Astrologia, projeção astral, reencarnação, vidas passadas, tudo isso ainda dá para levar: Yo no creo em brujas pero que las hay, las hay! Mas daí a fazer vigília para esperar ET chegar já é demais. Não que eu não acredite em ET's. Eu não acredito é no tal do Trigueirinho. E olha que cheguei a ir a uma daquelas palestras sacais - e dormir o tempo todo.
Acho que é preciso definir melhor o limite entre a auto-ajuda e o auto-engano.
O Aurélio define auto-ajuda como um "método de aprimoramento pessoal em que o indivíduo pretende buscar, sem ajuda de outrem, soluções para problemas emocionais, superação de dificuldades, etc.". Essa definição não é muito inteligente quando se refere aos livros de auto-ajuda, pois se é um método sem a ajuda de outrem, por que recorrer a livros de outrem para obter esse aprimoramento pessoal?
Tenho cá pra mim que esse aprimoramento é obtido o tempo todo nas interações humanas, de forma consciente, inconsciente, voluntariamente ou na marra mesmo, aprendendo com os erros. Livros, terapias, acupuntura, remédios, música, trabalhos manuais, religião, ciência etc. são apenas instrumentos. Cada um escolhe o seu. E quanto aos livros, especificamente, qualquer gênero pode se prestar a essa auto-ajuda.
Só esse ano, já li três livros denominados de auto-ajuda (sim, eu sou tinhosa, lembram-se? Eu persisto!). Gostei, com ressalvas, de dois deles: Cura e transformação, do médico Michael Greenwood; e Os quatro compromissos, de Don Miguel Ruiz. Do terceiro, não estou gostando. É o Tudo ou nada, do Roberto Shinyashiki. De todos os três, entretanto, livro nenhum tem me "auto-ajudado" mais este ano do que Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.
O fato é que o leitor é um ser indomável. Autor nenhum sabe o que passa na cabeça de uma criatura dessas na hora da leitura. Assim como o autor, o leitor é um ser egoísta, que está sempre passando por "um momento crucial" na vida dele. Eu não poderia ter lido Cem anos de solidão num momento mais adequado, tão propício para tanta identificação. No meu caso, o que "peguei" do livro foi a percepção do peso da tradição familiar na nossa vida. Eu tenho certeza de que vi muita coisa ali que o Gabriel García Márquez nem imagina ter escrito.
Isso ocorre o tempo todo, em qualquer tipo de leitura. Seja em livros de auto-ajuda, literatura ou até com propaganda de margarina, sabão-em-pó, jazigo e banco. Quem nunca teve vontade de chorar com o velhinho que abraça o neto emocionado que atire a primeira pedra!
Definir auto-ajuda não é fácil. A quantidade de plaquinhas separando as estantes das livrarias por gênero só deveria mesmo servir para uma orientação espacial. Jamais para uma orientação ideológica. Digo isso porque a banalização dos termos é inevitável e, no fim das contas, o "balaio de gato" que se forma nos setores das prateleiras acaba justificando o tom pejorativo adotado por muitos guerrilheiros da erudição ao se referir à auto-ajuda.
Há bons livros no setor de auto-ajuda. E há péssimos livros, como aqueles que fazem do óbvio uma descoberta universal. Mas isso também ocorre em todo o resto da livraria. Não é só no denominado gênero de auto-ajuda que existem textos bem amarrados, com tom convincente, mas vagos semântica e logicamente. Esses perigosos textos, diga-se, são belos exemplos do que chamamos, na Lingüística, de retórica vazia. E que eu chamo, por conta própria, de texto-curinga, por ser possível encaixar qualquer significado nele.
É o que fazem muitos "oráculos", por exemplo. O próprio Luis Fernando Verissimo chegou a trabalhar como redator da seção de horóscopo de um jornal. E confessou certa vez que, por preguiça, começou a repetir os textos durante a semana, trocando apenas o dono do destino. Ele não imaginava que muita gente lê não apenas a previsão do próprio signo, mas também de toda a roda zodiacal de amigos e familiares (para quem leva a astrologia a sério, recomendo a autora Linda Goodman, uma das pessoas mais sensatas e confiáveis da área).
O problema da discussão em torno da auto-ajuda não são os livros ou os autores, são os leitores. É preciso que o leitor assuma uma postura crítica em relação a tudo o que lê (vê e ouve). E que leia (veja e ouça) um pouco de tudo. Restringir a leitura a livros de recomendações sobre como atingir o sucesso - seja nas empresas, na família, nos relacionamentos amorosos ou financeiramente - é tão nocivo à sensatez quanto permanecer a vida inteira lendo apenas jornais. Se o leitor do primeiro bloco passa a vida perdido no deslumbre do otimismo abstrato, o do segundo se perde numa realidade pessimista igualmente auto-enganadora.
O mesmo poderia ser dito para leitores exclusivos de teorias acadêmicas, pesquisas científicas, histórias em quadrinhos, romances-cor-de-rosa, folhetins religiosos etc. Por mais que se goste de um gênero, excluir os outros do cardápio da leitura, do cinema e da música é confinar-se em gueto e contentar-se com o rótulo de pagodeiro, metaleiro, punk etc. da literatura.
Eu comecei lendo o PC e acabei indo parar no Cem Anos de Solidão. Foi uma grande evolução. Os livros de auto-ajuda me ajudadaram a descobrir a literatura. Depois que li Gabo nunca mais precisei de "auto-ajuda" alguma.
O problema da auto-ajuda, que vi mais claro no seu texto, é o mesmo problema da literatura em geral, como você conclui um pouco no final. A quantidade absurda de títulos, de livros. É tanta coisa ruim que o que é bom se perde ali no meio, e acaba que a auto-ajuda se tranforma num engodo em nossas vidas, pois tudo é feito para sermos felizes, ricos, amados e satisfeitos. Talvez o mais engraçado seja que a realidade passa longe da maioria dos livros de auto-ajuda. E você está certíssima, qualquer livro pode transformar a vida de uma pessoa, os livros de Caio Fernando Abreu transformaram a minha de uma maneira única. Mas é claro que também já li Paulo Coelho, Lya Luft e outros, porque para dizer que não se gosta é sempre bom ter experimentado. E adoro a Linda Godman.
Pilar, gostei tanto do tema, quanto da abordagem a um tema tão polêmico neste momento. Tenho percebido de parte de alguns jornalistas da área cultural uma ansiedade em dirigir o leitor, classificar as escolhas do leitor e intervir nos seus processos de escolha. O mercado editorial classifica de um jeito um determinado livro, a livraria procura a estante adequada para o produto, tal como numa gondola de supermercado e todos comungam com o engodo da definição mercadológica e ideologica de determinado livro. Penso que, depois de escrita, a obra pertence aos seus leitores, não ignoro que nem todos os que se aventurem pelas possíveis leituras de um texto estejam de todo preparado para lê-lo. Então, quem está? Uma análise academica não é o julgamento definitivo sobre nada, apesar de não se poder dizer irrelevante. Quando os livros são classificados como auto-ajuda estamos diante de um eufemismo carregado de preconceitos dos consumidores da dita alta literatura...
Auto engano é quando eu manipulo minha mente e acredito nessa mentira; Auto Ajuda é quando eu não posso sozinho, preciso da ajuda de um profissional ou um grupo...
Oi, Pi, adorei sua percepção e abordagem do tema. E, como Psicóloga, me interessei especialmente pelo seu entendimento de como ocorre esse desenvolvimento pessoal. Realmente, as coisas mais simples da vida podem nos levar a um insight. Cada um experenciando as vivências de formas completamente diferentes e se identificando ou não com objetos, pessoas ou acontecimentos. Muito interessante quando você coloca que cada um pode usar de diferentes instrumentos para o seu crescimento e todos eles são válidos... Você é muito habilidosa nas interpretações e no uso das palavras. Sou sua fã...
Es un placer encontrar entre tus palabras el alma que guia tus analisis. Me es sumamente grato leer tus comentarios que denotan la agudeza de tu criterio, y me recuerdan las conversaciones sostenidas bajo la luz del cielo lyones, donde buscabas una razon de ser del individuo, y una justificacion a la vida. Pilarita, tu fino sentido de la critica, tu certero uso de la palabra escrita y tu don de plasmar en palabras lo que tu ingenio crea, te hacen una escritora que tiene la obligacion de compartir con el mundo, lo que tu alma siente, lo que tu mente piensa, y lo que tu corazon te dicta.....Los temas los tienes, la aptitud te desborda....para cuando nos daras la alegria de ver plasmados en papel tus conceptos e ideales?
Allez! depeche toi mon chere amie!
Sobre os livros de Paulo Coelho: não é para tanto! Na verdade, são até bonzinhos. É dificil dizer, pois cada um gosta do que acha melhor. Mas gostei do seu depoimento. Abraços - Renato Pitella.
Eu faço parte de um grupo de auto-ajuda e só após meus 50 anos comecei a ter uma vida maravilhosa. Meus terapeutas não me cobram nada a não ser sinceridade. Aprendi a viver com esses terapeutas, meus companheiros de grupo, e a cada dia que passa cresço mais espiritualmente.
Pilar, gostei muito do texto sobre auto-ajuda. Realmente, ele me fez refletir sobre a falta de senso crítico da sociedade atual, e sinceramente acredito que por isso muitos livros de auto-engano tornam-se best-sellers. A maior parte da população, ao ver uma notícia política, não pára para pensar no que é realmente verdade e no que pode ser puro sensacionalismo. Isso quando prestam atenção nas notícias políticas, não é mesmo?! Estou lendo "O monge e o executivo", ou melhor, tentando ler, e me pergunto: como um livro tão superficial faz tanto sucesso??? É a falta de senso crítico. Nunca tinha visto sua coluna e, ao ler alguns dos seus textos, quero dizer que adorei sua habilidade em argumentar e a sua facilidade com o jogo de palavras. Ótimo trabalho!
Olá! Morei em Figueira durante 2 anos e lá eu e outros passamos por hipnose, lavagem cerebral, pressão psicológica, trabalhos, jejuns e vigilias forçadas, humilhaçoes, ameaças e tentativa de homicidio. É um campo de concentração. Muitos após anos de trabalho e dedicação são chutados,alguns viraram mendingos e outros viciados. Mais informações com [email protected]