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Terça-feira,
6/11/2007
O novo Tarantino
Marília Almeida
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Após três longos anos desde Kill Bill (2004), Quentin Tarantino está de volta com sua ótima trilha sonora e ainda mais egocêntrico em À prova de morte (Death Proof, EUA, 2007), filme que fez parte da Seleção Oficial do Festival de Cannes, foi exibido na 31ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e está previsto para chegar aos cinemas brasileiros em março.
À primeira vista, para os desavisados, ele parece muito curto e um tanto "solto". A história de produção do filme é essencial para compreendê-lo. Inicialmente, À prova de morte foi lançado em um projeto nomeado Grindhouse e exibido em conjunto com o filme de Robert Rodriguez, Planeta Terror (Planet Terror, EUA, 2007), o mesmo diretor de Sin City — A cidade do pecado. Porém, o projeto foi um fracasso nas bilheterias americanas e diversos críticos alertaram para a diferença de qualidade entre ambos. Como consequencia, a produtora Miramax/Dimension Films resolveu separar e exibi-los independentemente em versões mais longas na Europa. A versão americana tem somente 90 minutos, enquanto a européia tem 127 e inclui cenas que já se tornaram famosas entre os fãs, como a dança sensual de Vanessa Ferlito para o personagem protagonista.
Mas, afinal, por que o tema? Basta lembrarmos que o diretor sempre foi fã declarado de filmes B e Grindhouse é o nome dado aos programas dedicados a esses filmes da década de 70 nos grindhouses theaters, que exibiam, geralmente, dois rolos com o mesmo tema, que eram sinônimos de horror e diversão. Eles existiram em cidades como Nova York e Paris e, em seu intervalo, havia os falsos trailers, vinhetas que brincam com o próprio cinema. Produzidas por Rob Zombie (ele mesmo, o vocalista do White Zombie), o diretor apaixonado por filmes de horror Eli Roth e o também diretor Edgar Wright, elas foram retiradas das versões independentes do projeto, para o descontentamento de muitos fãs. Porém, ainda podem ser vistas no YouTube.
À prova de morte é dividido em duas partes e, entre elas, passam-se quatorze meses. Quem as une é o dublê de cinema Stuntman Mike (Kurt Russel) e sua "caixa da morte", um carro indestrutível com o qual atuou em filmes desconhecidos. Esse personagem misterioso e um tanto caricato tem uma queda por mulheres bem resolvidas e é interpretado com eficiência por Russel. Logo no início, vemos Jungle Julia (Sydney Tamiia Poitier), DJ sexy de um programa de rádio da cidade de Austin, no Texas, se levantar como uma diva moderna. Ela irá encontrar amigas como Butterfly, papel no qual Ferlito consegue levar seu sex appeal ao extremo, para conversarem sobre homens e sexo (e aí aparecem novamente os longos diálogos tarantinescos), beberem em bares toscos e, depois, encontrarem os garotos. Porém, Mike aparece no caminho para mudar seus planos.
O filme pula então para a segunda parte e, dessa vez, o dublê de cinema "machão" encontrará Rosario Dawson, no papel da figurinista Albernathy, além de Tracie Thoms e Mary Elisabeth Winstead, que também falam de homens e sexo, mas também de cinema. E esta é a maior característica que vai diferi-las das primeiras heroínas. Apesar de ser pouco mais que um ano, notamos uma modernização das personagens, mais ligadas à moda e provenientes de grandes cidades.
O diretor, após Jackie Brown (1997) e Kill Bill, volta a fazer com que seus filmes sejam protagonizados por mulheres fortes e decididas. Os freqüentes closes em bundas e pernas de fora, a superficialidade dos diálogos e até a espera por "aquele telefonema" podem, à primeira vista, parecerem machistas e enfadonhas, como, afinal, são os antigos filmes que Tarantino tenta retratar hoje, mas a segunda parte reserva surpresas. Ação mesmo, há pouca. Mas, a que existe, é mais que suficiente e hiper violenta.
O filme contém diversas referências, tão características de um diretor que já declarou fazer cinema por pura diversão e uma herança da Nouvelle Vague francesa, principalmente com relação aos numerosos posters e citações de filmes que inspiraram o diretor. Por exemplo, Zoe Bell, que dublou Uma Thurman em Kill Bill, não quis dublês na principal e perigosa cena de ação do filme e, portanto, fez o papel dela mesma. Há outras curiosidades: a primeira parte de A Prova da Morte se passa em Austin, uma homenagem do diretor a uma cidade que tem um festival de cinema com seu nome. E, religiosamente, Tarantino faz sua ponta como o dono do bar da primeira história. A jukebox do ambiente é dele, assim como a seleção de músicas. O close no pé de Rosario Dawson lembra o fetiche por pés de Tarantino e aquela drámatica cena de Uma Thurman em Kill Bill (a propósito, os guardas do filme estão de volta com um diálogo tão impagável quanto o anterior).
O objetivo, segundo o próprio diretor, foi fazer um filme de terror para adolescentes, como os antigos programas dos teatros undergrounds. Mas prepare-se para se surpreender: um filme de Tarantino não é somente uma cópia dos gostos pessoais de um cinéfilo inveterado, mas se inspira em antigas regras para, logo depois, invertê-las e criar um filme com estilo próprio. A brincadeira com o antigo e o novo, os desgastes propositais da película, a mudança radical e realista de cores e dos ângulos tradicionais da câmera, além dos dublês transformados em protagonistas, fazem de À prova de morte um metafilme e, de Tarantino, um diretor que faz — e seus filmes anteriores mostram que continuará a fazer — o novo cinema.
À prova de morte é menor do que seus outros filmes, é verdade, e revela até um grande contraste com o último, o épico duplo que conta a saga da Noiva, exatamente porque carece de uma maior estruturação, tanto na narrativa como nos personagens, apesar do cenário impecável. Mas, definitivamente, não é menos revolucionário e surpreendente. E atinge as expectativas porque segue as parcas regras que seu diretor se impõe, já conhecidas por todos e que traduzem a liberdade pós-moderna do cinema. Ame-a ou odeie-a.
Marília Almeida
São Paulo,
6/11/2007
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