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Quarta-feira, 14/11/2007
Pela estrada afora
Guga Schultze
+ de 12100 Acessos
+ 6 Comentário(s)


Chapeuzinho Vermelho

Chapeuzinho Vermelho levou, mais ou menos, vinte anos para comparecer ao encontro marcado com o Lobo. Nos primeiros dez anos ela caminhou pelos jardins que se estendiam ao redor da casa de sua mãe e, aos poucos, se afastou deles, tomando um rumo qualquer, caminhando sob o sol, seguindo sua própria sombra, os dias como passos ritmados em sua seqüência invariável, planícies e vales desconhecidos.

Por que não? Poderia ser "trotando pelo cerrado", ou "perdida no sertão, debaixo de um sol lascado", só para agradar aos mais nacionalistas. Mas fica melhor assim, uma coisa mais para The Waste Land, de T. S. Eliot:

"(...) And I will show you something different from either/ Your shadow at morning striding behind you/ Or your shadow at evening rising to meet you;/ I will show you fear in a handful of dust".

E caminhando sempre, por uma natureza cada vez mais agreste, foi que, talvez, lá pelos vinte anos de idade ― sendo isso uma suposição baseada em estatísticas apenas intuídas ―, ela avistou os limites da grande floresta escura.

Sem olhar para trás, Chapeuzinho continuou seu caminho, na trilha que levava diretamente para dentro dessa mesma floresta. Por ali ela seguiu, indo de encontro ao seu destino, sem poder resistir ao chamado silencioso que, desde sempre, ecoava em seu próprio coração. (A história de Chapeuzinho Vermelho é uma história de sentimentos e emoções. Como diria Roberto Carlos, "grandes emoções, bicho". Portanto, o tom está correto. É melhor ir se acostumando.)

Há um mapa traçado no coração dessa moça. Um mapa que Chapeuzinho consultou várias vezes durante sua viagem. Um mapa antigo, difícil, muitas vezes confuso em sua emaranhada cartografia de símbolos que não se decifram. Um mapa que é uma eterna charada e onde Chapeuzinho consegue, às vezes, visualizar os dois caminhos: um, o que ela segue e deverá seguir sempre, deixando a casa materna até chegar ao final da jornada, através do tempo, para bater nas portas da casa da Vovó.

O outro caminho é uma trilha sinuosa, imprevisível, no meio de tantas outras que também cruzam sua estrada. Mas esse caminho específico atravessa o seu em apenas um ponto e uma única vez. Nessa encruzilhada erma, num momento casual e incerto, Chapeuzinho espera encontrar o Lobo.

Não é que ela queira isso ou que deseje conscientemente tal coisa. Mas sente que, de alguma forma, se preparou para esse encontro durante todo o percurso. Ela tem medo desse momento em que a presença do Lobo definirá coisas até então indefinidas: seu sexo, a real natureza de seu sexo, suas esperanças e suas expectativas. Descobrirá a si mesma enquanto luta com seu atávico oponente, aquele que vai consumir seu coração. Ela teme esse encontro e, no entanto, está, sempre esteve, preparada para ele.

Mas nem sempre isso acontece. Nem sempre Chapeuzinho vislumbra a floresta, ou entra na floresta. Durante o caminho ela provavelmente teve contato com outros bichos ("grandes emoções, bicho") e pode ter se enganado. Seu caminho pode ter sido desviado. Pode pensar que o encontro marcado já aconteceu, mas descobre, mais tarde, que aquilo que a confundiu era apenas um cachorro ladino, um touro triste, um porco gordo. Ela então já se encontra na casa da Vovó e já sabe que a Vovó é ela mesma ― o final de sua jornada ― e percebe que seu coração ainda está intacto e inútil, que não foi devorado, como deveria ter sido, porque ela foi desviada em sua rota original e, na verdade, nunca encontrou, ou nunca foi encontrada pelo Lobo. Isso também acontece, na maioria das vezes. O encontro com o Lobo não é tão comum.

Isso equivale a dizer que o amor de uma vida inteira não é algo que aconteça com a mesma freqüência com que é celebrado nas artes ou na literatura. É mais uma fábula, como é também na história de Chapeuzinho Vermelho, uma fábula dentro de outra. Mas acontece, às vezes.

É uma fábula que sobrevive ainda, nadando contra a corrente de uma época declaradamente hedonista e cética como a nossa. O componente nuclear dessa fábula, a mensagem, digamos, oculta dessa história é que não se escolhe o amor, todos são escolhidos por ele. Alguém pode acreditar, inclusive, que escolheu não amar ninguém durante toda sua vida e, efetivamente, terminar seus dias dessa forma. Mas a viajante solitária, segundo a fábula, é apenas aquela cujo caminho não cruzou o caminho do Lobo. Ou talvez tenha cruzado, mas o Lobo já não estava lá, já tinha passado. Ou, na impossibilidade de prever o imprevisível, a viajante prossegue e o Lobo ainda não veio. De forma que a mensagem não soa bem, nessa época que pretende o planejamento até das coisas imponderáveis. E o fato de Chapeuzinho Vermelho ser feminino e o Lobo masculino, é apenas ilustrativo, uma generalização talvez necessária.

Já disseram que o amor é um jogo de sombras. Li isso em algum lugar e gosto da imagem, mas não entendo muito bem o que significa. As sombras se unem com facilidade, talvez seja por aí. Nos versos de T. S. Eliot, citados acima, há um jogo de sombras, uma alusão à passagem do tempo, sombras que se estendem pela manhã, sombras que se encolhem no fim do dia. E o último verso: "eu te mostrarei o medo num punhado de poeira". Aquele negócio das cinzas para as cinzas, do pó ao pó, etc. Porque no final da história aparece o Caçador, que mata o Lobo, ou o que for que esteja em seu lugar, e liberta a Vovó. E esta se encontra com Chapeuzinho, ela mesma, mais uma vez.

Ou pela última vez, para ser mais exato. Porque o Caçador é uma figura disfarçada nessa história. Tem outros nomes. Em inglês, por exemplo, é mais conhecido como The Grim Reaper. Ou seja, o ceifador inflexível, uma tradução possível. Dizemos apenas "a morte", em português. Libertar a Vovó é uma forma alegórica de dizer o que o ceifador faz, ao encerrar toda e qualquer história.

Enquanto isso, outra menina, com sua capa vermelha como um chamariz, está, agora, se aventurando, abandonando os jardins da casa materna e seguindo a trilha do tempo, que se estende à sua frente como um enigma, porque essa fábula é uma incógnita, mas sempre se repete. E essa é a verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho.

Para ir além






Guga Schultze
Belo Horizonte, 14/11/2007

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* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
5/11/2007
03h09min
Belíssimo texto, Guga. Você tem o dom de bem interpretar livros e revelar sobre eles coisas que a maioria dos leitores não conseguiu perceber. Abraço!
[Leia outros Comentários de Rafael Rodrigues]
14/11/2007
09h19min
Guga, seu texto sempre é surpreendente e inimaginável. Tá cheio de Chapeuzinhos Vermelhos andando por este mundo a procura de um lobo-bobo-mau para lhes fazer carinhos. Que a vovó espere a sua hora, ora!
[Leia outros Comentários de Henrique Godoy]
16/11/2007
17h09min
Guga, que análise sensível e profunda dessa história. Nunca tinha imaginado que a vovó é a própria Chapeuzinho, ou vice-versa. Houve muitas versões e análises dessa história, freudiana, junguiana e tantas outras... mas fico com a sua. Muito linda, muito poética, muito real. Realmente, o Rafael tem razão: você nos surpreende sempre com as suas descobertas; uma análise singular. Beijo.
[Leia outros Comentários de Adriana]
17/11/2007
14h51min
Guga, pequei pela ignorância. Agora estou lendo seus textos. E gosto muito. Abraços Eliana
[Leia outros Comentários de eliana mara]
19/11/2007
07h38min
Ótima esta sua revisão desta fábula medieval, que era como naqueles tempos se vendia a moral dominante e assim propagavam medos que demandavam tutelas. Ainda o mesmo dispositivo usado nestes nossos tempos... Entretanto, achei um tanto carregado na questão do gênero, parecia realmente uma análise freudiana com tudo que isto possa suscitar. Diante do inexorável todos estão frágeis, nus e o que se propaga como potência masculina carece de um contraponto e talvez não tenha sido descoberto um outro adjetivo e só por vício seja descrito como feminino. Quanto ao restante, estamos como sempre buscando uma justificativa para nós mesmos, devotamos um fervor para o equilíbrio cartesiano e materializamos nossas angústias numa expressão diante de uma figura divina. Somos todos Chapeuzinhos e lobos também, agora a floresta esta dentro de nós. Êta literatura infantil arretada...
[Leia outros Comentários de Carlos E. Oliveira]
2/12/2007
15h44min
Que prazer ir lendo "pela estrada a fora", sem saber que tipo de lobo será encontrado nessa versão da história. Chapeuzinho Vermelho encontrou ou foi encontrada pelo lobo? Boa pergunta. O amor acontece, segundo a fábula, de acordo com as crenças, mas acontece de amarmos qualquer pessoa? Será que não se escolhe o amor, como dizem? Não se escolhe a pessoa amada, ou não se escolhe o cultivo do sentimento amor? Não é preciso fazer nada para amar, essa situação não requer nada de nós, não nos exige absolutamente nada além de estarmos no local e no momento marcado pelo destino para o possível encontro? E uma vez perdida a possibilidade, não haverá outra? Ah, sim, haverá, a floresta está cheia de lobos, famintos, querendo comer a Chapeuzinho... Além de que o mesmo lobo pode ser encontrado na ida pra casa da vovó ou na volta pra casa da mãe, a floresta é a mesma, não há outro caminho, o que não percebemos em um momento podemos perceber em outro, se um caçador não matar antes o nosso lobo!...
[Leia outros Comentários de Cristina Sampaio]
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