"O show não pode parar" e o dinheiro não pode parar de circular
Há mais de um mês, os roteiristas de Hollywood cruzaram os braços, demandando uma participação maior nos royalties pagos por venda de filmes e seriados através de DVDs e da internet.
Talk-shows noturnos, que têm roteiros escritos em cima da hora e baseados nos fatos ocorridos ao longo do dia, foram os primeiros a serem afetados. Foi o caso do Late Show with David Letterman e do Saturday Night Live, que está suspenso desde o dia 3 de novembro e teve boa parte da equipe demitida pela emissora NBC.
As grandes redes de TV exibiram, inicialmente, um estoque de episódios inéditos das séries. Mas como a greve tem se prolongado, os canais aderiram a reprises fora de época e pelo menos sete produções já foram interrompidas, entre elas: Two and a half man, The Office, Til death, The new adventures of old Christine e Desesperate Housewives.
A paralisação de pelo menos 12 mil profissionais segue a determinação do Writers Guild of America (WGA). O sindicato, que anda peitando grandes estúdios e canais de TV, acaba de negar o pedido de liberação dos roteiristas para a escrita dos textos das cerimônias de entrega do Oscar e do Globo de Ouro.
Isso faz pensar que a queda-de-braço entre roteiristas e produtores não deverá terminar antes do Natal, como vazou na internet. A última greve de roteiristas nos EUA ocorreu em 1988 e durou 22 semanas. Com a continuidade da paralisação, os efeitos serão sentidos com mais intensidade a partir de março, quando espectadores chegarem ao limite do bombardeamento de reprises e de realitys shows.
Os produtores de realitys shows, aliás, são os únicos que têm rezado todo dia para essa greve não acabar. Com produção barata, baseada em improviso e total falta de criatividade, o gênero do lixo democrático, inaugurado pelo Big Brother, poderá ser uma das poucas opções de entretenimento ("entretenimento"?!) televisivo.
O calendário cinematográfico também já está comprometido. Com a paralisação das produções, grandes astros do cinema se vêem às voltas com férias forçadas. Johnny Depp, Penélope Cruz, Edward Norton e George Cloney são alguns dos cotados para filmes que não saíram completamente da cabeça dos roteiristas para o papel. Os atores tiveram que por as barbas de molho, à espera da resolução do impasse.
O caso de Brad Pitt é mais grave, já que o bonitão abandonou o projeto do suspense político State of play, da Universal, e deverá ser processado por isso. O qüiproquó se deu porque as alterações de roteiro, estabelecidas num acordo entre o ator e o diretor, Kevin MacDonald, não puderam ser efetivadas.
Mais do que uma simples greve de roteiristas, a paralisação gera um efeito cascata que afeta a indústria do entretenimento e tudo o que depende dela: turismo, anúncios publicitários e empresas de diversos ramos. A cidade de Los Angeles pode perder, sozinha, mais de U$ 1 bilhão com isso.
O fato é que os roteiristas norte-americanos formam uma classe bastante unida e lutam há anos para conquistarem um maior reconhecimento, tanto financeiro quanto autoral.
É claro que há roteiristas de elite, que chegam a faturar U$ 5 milhões por ano, mas a maioria não chega a embolsar U$ 5 mil. Em discussões recentes, os produtores ofereceram uma quantia fixa inferior a U$ 250 por um ano de utilização para cada episódio de série ou programa exibido online. A oferta não foi aceita e não é difícil imaginar o porquê, uma única reprise na TV rende US$20 mil.
Em termos autorais, embora a produção de filmes e séries seja um trabalho coletivo, é comum que produtores, diretores e público acabem se "esquecendo" de quem concebeu a idéia toda. Sem um bom roteiro é praticamente impossível haver um bom filme ou série. Ainda assim, a classe teve que brigar para incluir os créditos do roteiro no início dos filmes, ao lado do diretor e do produtor executivo.
Não só a remuneração de um diretor e de um produtor ultrapassa (às vezes, estratosfericamente) à de um roteirista como os principais prêmios do cinema e da TV são dedicados aos dois primeiros. Isso contribui para que o público guarde na memória o nome de todos os que aparecem, seja na tela ou nos eventos, e sequer imagine quem deu início a todo o processo.
A greve dos roteiristas põe em xeque a auto-suficiência das grandes produtoras, dos canais de TV, de diretores, elenco e equipes de filmagem, de anunciantes, agências de publicidade, empresários que dependem do entretenimento e dos meios de comunicação. Ela desperta a consciência de outros tipos de profissionais que, do mesmo modo, são relegados à falta de holofote. Exemplo disso são os contra-regras da Broadway que, há pouco tempo, conseguiram fechar teatros e deixar todo um país de cabelo em pé só de imaginar a perda econômica que poderia sofrer com a interrupção das temporadas.
A paralisação dos roteiristas mostra, finalmente, que entretenimento (e, eventualmente, arte) dá dinheiro, sim. O entretenimento é uma indústria e o dinheiro gerado deve ser mais bem distribuído para que o show possa continuar. E enquanto ele não continua, a greve continua...
Como fã confessa dos enlatados americanos, posso dizer que esta greve está me prejudicando diretamente... Mas é impossível negar a desigualdade "salarial" que atinge qualquer produção holliwoodiana: para mim ainda é inconcebível atores ganharem uma montanha de dinheiro enquanto aqueles que produzem suas falas receberem uma ínfima fração dessa receita. Quando a série "Friends" foi cancelada li um artigo que dizia que cada reprise geraria US$1 milhão para cada um dos 6 amigos. Nada mal, mas uma disparidade incrível quando comparado ao que ganha o roteirista. Indo além, a apresentação do Oscar já estava gradativamente menos interessante nos últimos 10 anos, 2008 pode marcar uma mudança histórica na maneira de premiar os melhores do ano. Que seja... Essa fórmula de quase 80 anos já está dando nos nervos de quem só quer mesmo ver umas caras famosas e reclamar das injustiças no dia seguinte. Adorei o texto Pilar, relevante e inteligente. Até breve!