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Quarta-feira, 23/1/2008
Dobradinha pernambucana
Luiz Rebinski Junior
+ de 7100 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Há pelo menos uma década e meia, quando o Mangue Bit tomou de assalto o Brasil, nos idos de 1994, Recife vem se especializando em produzir bons artistas e discos. Em 2007 não foi diferente. Dois grandes álbuns vieram da terra de Gilberto Freyre, dando mais frescor e elevando o nível do rock nacional. Além da Nação Zumbi, que lançou seu aguardado sétimo álbum, Fome de Tudo, é de outro recifense, também saído das entranhas do movimento encabeçado por Chico Science e Fred Zeroquatro, um dos discos mais interessantes do ano. China, ex-vocalista da banda de hardcore Sheik Tosado, colocou na praça Simulacro, uma das gratas surpresas do ano que passou.

Em comum, os trabalhos dos conterrâneos trazem "conceitos" pré-estabelecidos para suas obras. Depois da psicodelia em preto-e-branco empreendida em Futura (2005), a Nação Zumbi utiliza a fome como metáfora para falar de cultura, miséria, conhecimento etc. Algo que lembra, de imediato, "Comida", música do clássico Cabeça Dinossauro (1986), dos Titãs. A idéia, visível nas letras, é falar sobre os diversos tipos de fome que arrebatam o homem contemporâneo. Conceito que retoma também Josué de Castro e seu Geografia da Fome, livro que influenciou não só a Nação Zumbi, mas todo o Mangue Bit. Já China discute, mais em seu som do que nas letras, a idéia de "apropriação" na arte. Algo muito pertinente hoje, onde a fusão de sons e estilos é vista como a saída para se buscar novas sonoridades em um cenário que, parece, está saturado.

Nesse sentido a inspiração de China encontra eco no trabalho da Nação Zumbi, pois a banda de Jorge du Peixe é o exemplo mais bem-acabado de como o Mangue Bit passou de um movimento musical com forte pegada regionalista ― a banda detesta o termo ―, para um tipo de som que ultrapassa os limites da mistura entre alfaias e guitarras distorcidas. Desde 2003, quando ressurgiu das cinzas e fez de músicas como "Blunt of judah" e "Prato de flores" clássicos do rock nacional, a banda vem renovando seu repertório de idéias com trabalhos inspirados que fogem do óbvio.

"Carnaval", terceira faixa do álbum, é um bom exemplo de como a banda assimila de maneira fácil diferentes sonoridades. À guitarra suingada de Lucio Maia, juntam-se elementos de percussão e sons eletrônicos, dando origem a uma espécie de frevo funkeado. Brasileiríssima. Além de ser uma das melhores músicas do álbum, é a canção em que Du Peixe está mais solto, cantado com desenvoltura.

Fome de Tudo é também o disco do combo recifense menos "dependente" das guitarras de Maia, um dos melhores guitarristas do rock nacional. "Bossa Nostra", que abre a bolachinha, é uma das poucas músicas em que as guitarras dominam. "Onde tenho que ir" é outra canção em que a guitarra de Maia se faz presente de maneira imponente. Mas agora há mais elementos sonoros perceptíveis nas músicas, o que tira da guitarra a responsabilidade de ser o carro-chefe das canções. Há, por exemplo, a inserção de naipe de metais, como na ótima "Nascedouro". Os tambores, outra marca registrada da banda, também aparecem menos, agora estão bem mais sutis. Em compensação a bateria dub de Pupillo, também já bastante característica, e as programações de Du Peixe, ganham cada vez mais espaço, o que dá às músicas texturas interessantes.

A banda acerta também a mão nas parcerias. A mais bacana é com o também pernambucano Junio Barreto, que canta em "Toda surdez será castigada", e que marca outro ótimo momento do disco. Barreto é mais um artista bastante original vindo do Nordeste e que ainda é pouco conhecido fora de Pernambuco e São Paulo, onde está radicado. Já a participação da cantora Céu, que canta na sugestiva e soturna "Inferno", é bem discreta. Fome de Tudo fecha com "No Olimpo", uma alfinetada no mundo das celebridades com forte presença dos tambores.

Simulacro
Se em Fome de Tudo a Nação Zumbi foi ainda mais longe em sua busca por novos e originais sons, China não ficou atrás com seu Simulacro, ainda que não seja tão radical nas experimentações. Ao juntar idéias já existentes, "roubando" um teclado brega aqui, uma guitarra oitentista ali, um riff dos Beatles acolá, e misturando tudo com o delicioso sotaque pernambucano, China conseguiu um resultado inusitado. O que poderia parecer uma babel sonora baseada em pequenos plágios, na verdade se tornou uma obra de difícil classificação, original e de muito fôlego.

Repleto de texturas sonoras, Simulacro traz à tona músicas dançantes que se destacam pela versátil mistura de ritmos. As batidas eletrônicas, bem ao gosto de Pupillo, que produziu o disco, casam perfeitamente com as boas guitarras presentes. Assim China passeia por sonoridades distintas como a psicodelia, o brega dos anos 70 feito por artistas como Odair José, a bossa nova de Tom Jobim, e, principalmente, no Roberto Carlos dos anos 60/70, período que concentra o melhor da obra do rei. Em faixas como "Jardim de inverno" e "Asas nos pés", China reinventa com sucesso os teclados rasgados presentes em O Inimitável, um dos clássicos trabalhos de Roberto. Ao longo de todo o disco, os teclados vão se fundir com bastante precisão às guitarras tocadas por Marcelo Machado, membro do também pernambucano Mombojó e que participou das gravações.

O disco emplaca uma saraivada de boas canções, que resgatam, cada uma do seu jeito, os mais variados estilos. A trinca que abre o disco, composta por "Um dia lindo de morrer", "Jardim de inverno" e "Sem paz" é excelente. O álbum cai um pouco com "Câncer", uma ode ao cigarro, e "Colocando sal nas feridas", mas volta a subir com "Durmo acordo", que mescla com eficiência guitarra suingada aos característicos teclados, e com a belíssima "Canção que não se morre no ar", a melhor do disco. A música é uma balada dançante levada ao violão e com letra inspirada, que diz: "Sintonize o seu rádio, procure em alguma estação/ se eu entrar nos seus ouvidos, acelera o seu coração... coração, ah coração/ minha voz vai se espalhar no ar/ cada verso que eu cantar, os falantes te lembrarão/ minha voz é canção que não morre no ar".

Além de conceber bons discos, Nação Zumbi e China fizeram de seus últimos trabalhos exemplos de como a música pode transcender a rótulos e estilos. Desde que surgiu, a Nação Zumbi vem se reinventando de forma surpreendente ao agregar diferentes sonoridades e idéias às suas criações. Mesmo com a visível inclinação para as experimentações, a banda traz em seu som uma brasilidade pouco vista no rock nacional. Algo que, parece, vem fazendo escola na música pernambucana.


Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 23/1/2008

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
7/2/2008
16h17min
Como bom fã que sou do rock brasileiro, vou dar uma conferida no álbum do "China". Valeu!
[Leia outros Comentários de Marcelo Telles]
5/3/2008
18h55min
Eu só vim conhecer o China quando ele já estava como vocal da banda Del Rey, que eu acho o máximo. Adoro ele todo desmilingüido cantando os sucessos do tal Rei... Aí um dia, vi no jornal, "Show do China". Então eu fui, sem pretensão, sem nada... sem saber até do que se tratava. Fui pelo nome, não vou negar. Quando ele começou a cantar... eu terminei de fumar meu cigarro, e fui mais pra perto, pra dançar. É muito bom. Final do show fui lá e comprei o "Simulacro", cheguei em casa, ouvi antes de mandar para um amigo em Brasília. Foi assim. Abraço, valeu pela matéria, muito boa mesmo.
[Leia outros Comentários de dora nascimento]
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