Já se foi a época em que blogs não passavam de colunas professando banalidades diárias da vida do blogueiro. Tem blog que, se você não acompanhar, "vai estar mais por fora que umbigo de vedete" (como se dizia no tempo da minha avó). Foi por perceber o valor do jornalismo amador que um representante da mídia tradicional aqui na Holanda abriu uma área no site de web do jornal onde qualquer leitor pode fazer um blog. O leitor-blogueiro não paga nada para hospedar o blog, e ainda por cima tem um blog cujo endereço é o nome de um jornal grande, bom e de sucesso.
A razão pela qual esse jornal resolveu investir em artigos de blogueiros amadores está bem explicada em uma pequena sentença na home do site deles: "606 blogueiros escreveram 5155 artigos no ultimo mês". Como hoje em dia o que vale são as redes sociais (Orkut, Facebook etc), o valor desses 606 blogueiros é substancial na divulgacão do jornal e assessoramento de conteúdo. O diário chega a prometer aos melhores blogueiros um lugar de honra no site oficial do jornal, ao lado dos jornalistas profissionais. E, se ele ou ela for bom mesmo, o prêmio é uma coluna na "versão nobre" do jornal: a feita de papel e tinta.
Não acredito que o jornalismo impresso esteja agonizante ou tenha se tornado imaterial. O medo existe, mas esses medos sempre se provam infundados, pois a tecnologia ― e o que ela provoca ― tem o costume de vez ou outra ir além da nossa imaginação. Quem escreve profissionalmente vai continuar a escrever profissionalmente. Como diz um belo ditado da minha terra tropical: "O buraco é mais embaixo".
Um exemplo: o diário que eu leio todos os dias indo para o trabalho, Dag ("O Dia"), é de distribuição gratuita. Uma mistura de jornalismo em papel barato, tinta-que-deixa-os-dedos-pretos e uma sopa aceitável de jornalismo profissional com amador. A novidade desse jornal é que ele mistura o tradicional papel com outras tecnologias mais recentes e diversas como bluetooth, internet e telefones celulares. Você só sabe que está lendo um jornal, e não navegando uma página de web, porque não dá para clicar. Mesmo assim, o jornal tem interatividade na forma de filmes para serem baixados com o telefone celular, gráficos interativos para serem instalados também no celular por meio de uma mensagem de texto e assim vai. Acima de tudo, é um jornal que aprendeu com a web que manter a atenção do leitor por mais de cinco segundos é difícil.
"Midia Híbrida", ou "Crossmedia", é o jargão válido para todas as formas de mídia que se cruzam formando uma só, como os jornais que aceitam contribuição dos leitores à la modelo Web 2.0, os que transmitem "televisão" pelo site, os que mandam mensagem de texto para o telefone do leitor, enfim, os que fazem bom uso ― e o mais diverso possível ― das novas tecnologias de mídia.
Essa pequena ilustração de que a crise da imprensa vai bem mais além de uma rixa entre jornalistas e blogueiros mostra que essa briga tem ainda muito chão pela frente. Não vai adiantar, por exemplo, um certo jornal de São Paulo tentar se promover às custas de dizer que as notícias que saem no jornal são mais notícias do que as que se lê em blogs (aliás, campanha essa que foi motivo de chacota pelo super-blog BoingBoing ― de 3 milhões de assinantes e, segundo a BBC, o blog mais
lido do mundo!).
Rapidez é a palavra de ordem das notícias. Jornalistas não competem mais com colegas. Outros jornais também vão estar atrasados com as últimas notícias. O mero cidadão já está lá, pronto, com o telefone celular provido de câmera embutida. E, até mesmo antes do jornalista pensar em descer do carro, a notícia não profissional já correu o mundo.
Notícia jornalisticamente incorreta? Pode ser, mas era novidade e já foi espalhada. Rapidez é o que garante o sucesso do Digg, por exemplo, um site social de notícias. Social significa que "a fonte das notícias são os blogueiros e associados". O Digg cresceu enorme e instantaneamente a partir do segundo semestre de 2006. Tanto que ele não segue mais as notícias, ele as faz. Uma notícia se torna quente quando saiu no Digg. Esse site "vê" a rapidez em que se vota em um artigo on-line. Se uma notícia é procurada por muitos em pouco tempo, ela vai para a primeira página do site. O site apresenta notícias sem qualquer interferência de uma redação. A notícia ou artigo que obteve mais votos positivos de leitores mais rapidamente se transforma em "notícia importante". O Digg é a versão mais democrática de sites sociais de notícias como, por exemplo, o Fark.com, criado em 1999, cujo iniciador escreveu um livro em 2007 com o título auto-explicativo: It's Not News, It's Fark: How Mass Media Tries to Pass off Crap as News ("Não é notícia, é Fark: Como os veículos de mídia de massa tentam fazer acreditar que besteira é notícia").
Como o Digg, tem outros: Reddit, Newsvine e muito mais. Os sites sociais de notícia cresceram porque levam uma reportagem ao consumidor antes que a mídias mais tradicionais tenham tempo de fazê-lo. O que é ótimo para quem escreveu a notícia, seja um blogista amador ou um profissional. Os sites não diferenciam um do outro. Informação e distribuição livre de informação faz parte do DNA da internet. Foi essa plataforma aberta, barata e acessível que possibilitou o surgimento dos blogueiros, repórteres comunitários e outros. Blogueiros estão aí para ficar. "The next big thing", ou seja, "o próximo grande sucesso", seja qual for, não vai ser a volta para o modelo de mídia tradicional que pressupõe um dono da bola que comunica algo aos leitores. A veiculação de notícia é cada vez mais participativa, dinâmica. O espaço das mídias é um que cada vez mais abre espaço tanto para leitores, contribuintes amadores, quanto para jornalistas profissionais. Esse espaço é que esta mudando, indo ninguém sabe ainda exatamente para onde. A "mídia tradicional" que abra os olhos e se "hibridize".
Nota do Editor Tati de Roterdã é especialista em Mídias Digitais, sendo mestre pelo instituto Piet Zwart, da Holanda.