COLUNAS
Quinta-feira,
22/5/2008
A preparação de um romance
Débora Costa e Silva
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"Escrever é enterrar fantasmas". Essa frase é a que melhor sintetiza as oficinas e seminários que os alunos do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema tiveram com a escritora e filósofa Márcia Tiburi. Entre discussões sobre o que inspira um escritor, origens e estruturas de um romance, metáforas, mitos e até gramática, as aulas trouxeram à tona o valor que tem a escrita para cada um ― o que é fundamental de se ter em mente antes de iniciar um romance, poema ou conto. Perfeito para dar início a um curso de criação literária. Os seminários sobre a preparação do romance dialogaram muito bem com as oficinas de romance, pois os alunos puderam testar na prática as dicas e os conceitos discutidos na aula teórica.
Porém, para Márcia, escrever não se resume a "enterrar fantasmas" apenas. "Todo romance carrega algo de anti-literário. O escritor absorve tanto o mito da própria existência quanto do mito da existência dos outros", afirma. Segundo ela, algo da sua própria história e vivência estará presente em sua escritura. Daí a importância de se entender o porquê se escreve. Para entender o próprio processo criativo, a filósofa sugere que se crie uma metáfora sobre seu próprio processo de escrita. Por exemplo: escrevo como fulano pinta quadros, escrever é como quebrar copos, e por aí vai.
Para Márcia, a matéria-prima de um bom romance é a neurose do escritor, algo que o incomoda, que causa um conflito. Só a partir disso é que se pode "pirar" o suficiente para criar histórias e narrativas interessantes e dar vida ao romance. "Um romance é uma vida considerada livro. Toda vida tem epígrafe, título, preâmbulo, prefácio, notas etc. Quer dizer: ou os têm ou pode tê-los", escreveu Martha Robert no livro Romance das origens, origem dos romances, que fez parte da bibliografia do curso.
Nas oficinas, a idéia era que cada aluno desenvolvesse um projeto de um micro-romance com seis capítulos de apenas uma página cada um. Foi um exercício árduo se limitar a escrever tão pouco para quem entrou no curso idealizando a realização de um romance logo de início. Mas o propósito deste trabalho foi justamente elaborar e digerir melhor as idéias, observar e analisar a linguagem e refletir no sentido do que se escreve. "[Um livro] não pode nascer prematuro. Livro ruim é desses que nascem antes da hora, prepotentes, ansiosos, publicados antes de ficarem um tempo no formol. As pessoas têm uma agonia para publicar e aí dá nisso", observou.
Além do micro-romance, Márcia orientou os alunos do curso a fazerem um diário do romance, ou seja, anotar em um caderninho observações, idéias, impressões e desabafos sobre o processo ― tudo que não entraria no projeto de livro. "Essa experiência de fazer um diário serviu para ajudar a passar a vontade de escrever quando não se sabe como continuar a história e, enquanto isso, ir pensando no que é e o que vai se tornar o romance", contou Fellipe Fernandes, aluno do curso. E o diário também foi útil aos que perderam a "inspiração" para continuar ou mesmo terminar o romance, para não se distanciarem do projeto. "Travar não é ruim, é muito comum, por sinal. O que é ruim é a indisciplina, porque se se vive o romance, pode travar, desviar, mas está ali", explicou Márcia.
Dos exercícios realizados com o foco na criação literária, ainda fizemos um mapa do romance. É um desafio transformar em figuras, símbolos e desenhos uma narrativa que se forma com palavras, algo muito abstrato. Mas a intenção era de fazer com que cada um pensasse em um fio condutor de seu romance para não se perder na criação da história e dos personagens. Márcia, porém, alertou a todos sobre a preocupação com a "moral da história". "Cada um tem seu método: uns preferem escrever com o começo, meio e fim já em mente, outros preferem ir descobrindo o que acontecerá com a história ao longo do processo, mas não se deve escrever pensando em qual será a moral da história que irá contar", opinou.
Muitos ainda não sabem se tendem mais para a prosa, para a poesia, se têm fôlego de romancista ― acho até que a idéia do curso é justamente cada um descobrir isso. Alguns já escrevem há tempos um gênero, outros escrevem um pouco de tudo, mas o que ficou das oficinas e seminário com a Márcia Tiburi foi toda a reflexão sobre a narrativa que se faz necessária para escrever uma história. Ela valoriza o próprio romance. E mais fundamental do que teorizar sobre literatura, é encontrar o seu próprio caminho e estilo para criá-la. Como diz Roland Barthes em A preparação do romance vol. I outro livro indicado por Márcia aos alunos, "(...)se quer escrever, eis, de fato, a própria matéria da escritura, portanto, somente obras literárias dão testemunho do Querer-Escrever ― e não os discursos científicos".
Débora Costa e Silva
São Paulo,
22/5/2008
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