COLUNAS
Terça-feira,
27/5/2008
New Hollywood
David Donato
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Ou como os filhos sempre se tornam parecidos com os pais ― Parte 1
Um dia desses, estávamos, eu e minha esposa, revendo uns filmes do Hitchcock da década de 50, Rear Window (Janela Indiscreta), Dial M for murder (Disque M para Matar) e North by northwest (Intriga Internacional), e reparávamos nas tramas bem construídas, no suspense calculado, na trilha envolvente, e tudo o mais que tornou Hitchcock o gênio que foi. Mesmo assim, até mesmo nos melhores filmes, uma coisa incomodou: algumas atuações pareciam um tanto teatrais demais, forçadas até. Blasfêmia da minha parte? Na verdade, não. Não estou insinuando que James Stewart era mau ator, muito menos que Hitchcock era mau diretor de atores. Simplesmente era o jeito que as histórias no cinema eram contadas até então.
Desde o início do cinema sonoro, e mais ainda com o invento do Technicolor, as câmeras se tornaram pesadas e desajeitadas, consequentemente menos dinâmicas, fazendo com que os filmes ficassem altamente dependentes do diálogo (outro motivo eram as constantes "adaptações" literárias de histórias detetivescas populares, que mais ilustravam os livros do que propriamente os transportavam para a nova mídia) o que afetou inclusive a dramaturgia no cinema. Além disso, por uma série de razões, o tipo de cinema que sobreviveu através das guerras mundiais era calcado numa enorme indústria de entretenimento concentrada nas mãos de meia dúzia de estúdios americanos. Essa hegemonia regada a muito dinheiro e produções megalomaníacas (Cleópatra e todos os épicos sempre vêm à mente) durou mais de vinte anos. Infelizmente (no nosso caso, felizmente), os estúdios não contavam com uma década que, abusando de um clichê, realmente mudou tudo: os anos 60.
A investida da televisão na década anterior deu frutos, e a população deixou de ir ao cinema para se distrair com cinejornais, desenhos animados e filmes B, já que o conforto do sofá de casa era muito mais conveniente. O problema é que esses pequenos eventos eram grandes financiadores dos caríssimos filmes principais, e isso praticamente matou os estúdios de fome.
A revolução cultural que questionou a guerra do Vietnã, trouxe à tona temas como o direito civil dos negros e das mulheres e abriu os olhos dos EUA para o resto do mundo, abriu também as portas para outros cinemas, mais especificamente o cinema italiano e francês, que há mais de uma década vinham fazendo filmes que flertavam com um realismo inexistente até então. A turma de Truffaut, Godard, Fellini e Antonioni apresentou a Hollywood estruturas narrativas fragmentadas, filmagens em locações mais do que em estúdios, temas cotidianos e atores que declamavam suas falas sem se preocupar com o fato de que havia uma platéia do outro lado da tela que precisasse ouvir cada palavra dita.
Uns poucos passos foram dados no sentido de reinventar Hollywood por diretores como o próprio Hitchcock, com Psycho (Psicose), Mike Nichols com The Graduate (A primeira noite de um homem) e Arthur Penn com Bonnie and Clyde (Uma rajada de balas), mas a solução viria mesmo apenas na década seguinte, com o sangue novo saído das universidades, mais especificamente de três jovens talentosos: Steven Spielberg, George Lucas e Francis Ford Coppola. Spielberg não era exatamente um acadêmico (ele largou o curso para seguir carreira de diretor), mas sua incrível habilidade com a gramática da câmera e seu faro para os negócios simplesmente criaram o modelo de cinema blockbuster que reinou absoluto por mais de 20 anos e só há pouco tempo dá sinal de enfraquecimento.
Lucas era mais cerebral. Protótipo do nerd, misturava mitologia, filosofia e ficção científica em filmes experimentais como THX 1138 e sempre foi um aficcionado por novas tecnologias. Sua empresa, Lucasfilm, até hoje é pioneira em pesquisa e desenvolvimento no cinema e nos meios eletrônicos. Ele também foi o responsável pelo licenciamento e merchandising de produtos relacionados aos filmes, o que ajuda a engordar bolsos de estúdios e a encher prateleiras de bonecos até hoje.
Coppola também era vanguardista e acompanhava de perto as inovações do cinema europeu e japonês. Começou a carreira como assistente do Roger Corman e ganhou reconhecimento com o Oscar de roteiro por Patton. A fama conquistada pela estatueta foi crucial para a criação da produtora que uniria Coppola, Lucas e vários outros cineastas recém-formados das duas grandes universidades de cinema da Califórnia na época (USC, de Lucas, e UCLA, de Coppola), a emblemática American Zoetrope. Através da produtora, Coppola conseguiu financiamento dos estúdios Warner para filmar sete roteiros, dentre eles Apocalypse Now, A Conversação e a versão longa-metragem do curta experimental de Lucas, THX 1138. Infelizmente, decidiu-se começar pelo último, que assustou tanto os executivos do estúdio que o financiamento foi suspenso e a American Zoetrope, cheia de equipamentos novos recém-chegados da Europa correu sério risco de acabar antes mesmo de começar. Não fosse a oferta da Paramount para que Coppola dirigisse um filme baseado num livro recém-lançado sobre a máfia italiana nos EUA, o mundo do entretenimento seria bem diferente hoje em dia.
Nas próximas colunas, três obras fundamentais para entender a chamada New Hollywood, o próprio cinema, os anos 70 e a natureza humana: The Godfather, The Conversation e Apocalypse Now.
David Donato
São Paulo,
27/5/2008
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