Tendo como pretexto, ou quem sabe até estímulo, a chamada "Semana da
criança" e o "Dia da criança" (12 de outubro), a Pinacoteca do Estado de
São Paulo, que podemos afirmar ser hoje uma das mais respeitadas salas
de exposições da cidade e do estado, abriu espaço para uma exposição do
desenhista Maurício de Sousa, dono do império dos quadrinhos brasileiros
voltados ao público infantil: a "Turma da Mônica".
Como se não bastasse o espaço dado para o evento pela instituição
Pinacoteca, pudemos observar a fácil cessão de outros espaços
midiáticos: jornais, revistas, telejornais, programas de televisão --
incluindo até mesmo entrevista gravada por Alberto Dines no
"Observatório da Imprensa" (versão para a televisão/TVE do site que se
diz alternativo e independente das mídias "oficiais")! Como e porquê um
veículo como o "Observatório..." foi conivente com o Império Maurício de
Sousa, eu não sei. O que sei é que Maurício de Sousa teve, nesses dias,
tratamento de alguém tão importante como... o Pelé? Uma "Preferência
Nacional", enfim.
Voltando à exposição na Pinacoteca, esse evento ocorre, certamente,
baseado nos princípios e dentro da onda das "Re-leituras", procedimento
muito em voga entre os arte-educadores que trabalham com crianças e
adolescentes. Moda importada dos Estados Unidos para o Brasil nos anos
80, não houve uma escolinha dita "construtivista" que não colocou os
seus pequerruchos para "re-ler" Van Gogh e Picasso, consumindo também, é
claro, os devidos "produtos" culturais da re-leitura: exposições
voltadas para o público infanto-juvenil, publicações sobre a infância
dos artistas, livros de arte já bem mastigados de modo que ninguém
dissesse mais que é "difícil" compreender arte e fazer arte.
A releitura como metodologia nas aulas de artes, para quem não sabe ou
não tem familiaridade com a coisa, consiste, basicamente, em ter
contato, principalmente pelo dizer do professor, com a obra de um
artista renomado, por meio das imagens (livros, slides, reproduções ou
visita a uma exposição) e fatos de sua vida, para, em seguida, "fazer do
seu jeito" -- as pessoas passam a receber o material certo (se vão reler
um aquarelista, recebem tintas aquarela; um pintor, telas e tintas; um
escultor, argila, e assim por diante) e desenham, pintam ou esculpem à
la Fulano ou Sicrano para, depois, afixar suas obras-de-releitura nos
murais, para serem apreciadas. Algo que faz o deleite dos adultos: "Oh!
Como Joãzinho está culto!"
Isso foi exatamente o que Maurício de Sousa e seus "studios" (pois, quem
duvidaria de que ele é o Walt Disney brasileiro? Cada país tem o Walt
Disney que merece...) fizeram com a Mônica pintada em tela, no papel de
Mona Lisa, e Cebolinha esculpido em bronze (!) tal qual o Pensador de
Rodin, dentre outras belezuras. Em entrevista concedida à televisão,
Maurício de Souza fez questão de dizer que os grandes painéis foram
feitos "por ele mesmo" (!?).
Ao menos se pode fantasiar um fato novo: no final da temporada desta
exposição, de tanto o Cebolinha bancar o pensador à la Rodin, quem sabe
ele se torna uma personagem mais "intelessante" e "pala" de falar
"elado"? E a Mônica? Caso encarne verdadeiramente o enigma da Mona Lisa,
poderá ter um "insight" sobre a sexualidade feminina, de modo a parar de
utilizar seu coelhinho como objeto fálico.
Se isso realmente acontecesse, isto é, se os personagens de Maurício de
Sousa se transformassem com o tempo, porque estiveram em contato com os
grandes mestres da pintura e da escultura, ou simplesmente porque saíram
da mesmice, penso que as crianças teriam muito a ganhar: aprenderiam que
as coisas mudam, e que, mesmo os mais tolinhos podem, através da arte,
chegar lá. Mas certamente não é o que vai acontecer. Primeiramente
porque o mote psico-lógico da "Turma da Mônica" é de encarnar
estereótipos de fácil assimilação por qualquer bebezinho, que são: "o
que não toma banho"; "o que fala errado"; "a comilona"; "a briguenta";
"o caipira" e assim por diante. Em segundo lugar, não haverá
transformação porque, de fato, o que moveu essa exposição, além do
pressuposto de que as crianças não são capazes de fruir arte verdadeira
(não bebem leite puro, é preciso fazê-lo achocolatado) é o reaquecimento
da economia brasileira -- pois, quem agregou valor (isto é, fez de algo
objeto do desejo do consumidor, tornando o objeto a ser consumido mais e
mais "atraente") a quê? Os quadros, as obras clássicas e a Pinacoteca
ganharam ao serem "relidos" por Maurício de Sousa?, ou Maurício de
Sousa e sua turma engordarão suas contas bancárias, ao lado dos seus
parceiros que venderão mais fraldas, iogurtes, fitas crepe, maçãs,
lancheiras, borrachas, bolachas, refrigerantes, vídeos, videogames,
cuecas, calcinhas e gibis porque os personagens emblemáticos de seus
produtos estiveram expostos na mais cobiçada sala de exibição brasileira
das Artes Plásticas do país?
Cara Marina. Não consigo enxergar o que tanto lhe incomodou na exposição da Pinacoteca. Quando fala da importância da casa e representatividade, concordo plenamente. Não conhecia o lugar e fiquei encantada. Na verdade, vi a exposiçao "de carona", indo visistar as obras de Rodin e achei ótimo. Não vejo oportunismo nenhum na "releitura" feita por Mauricio de Souza. E o Cebolinha como Pensador é muito simpático.
Acho todas estas discussões sobre Mônica, utilização do coelinho como símbolo fálico e outras bobeiras mais soam como teorias tediosas que deveriam ficar restritas às discussões acadêmicas.
E quanto ao espaço dado na mídia comentando o trabalho em exposição na Pinacoteca, não vejo igualmente problemas maiores. Se você foi até lá, percebeu que a maioria dos visitantes era formada por adulos, se divertindo com as releituras. Acho que te faltou um pouco de bom humor ao analisar a exposição.
Sâmar,
talvez não haja falta de humor, mas antes, tipos de humor que não batem. Bem como não batem as noções do que é uma criança. Espero esclarecer a noção de infância que possuo ao longo de outras colunas e contribuições para este "Digestivo...". Até lá!
Acredito que se devia haver sempre exposições de cartun em lugares de arte "séria "
A mistura destes generos esclarece a liberdade e o valor da arte como um todo . A turma da monica é lider de mercado na área que atua e isso incomoda muita gente .Viva o cartun !!!