Dê-me liberdade e dê-me morte | Eduardo Mineo | Digestivo Cultural

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COLUNAS

Segunda-feira, 20/10/2008
Dê-me liberdade e dê-me morte
Eduardo Mineo
+ de 8800 Acessos

Ouvi uma vez alguém reclamando dos ateus ― o que eu também faço porque, afinal, é tão divertido de se fazer ―, mas não me pareceu coisa que se faça debochar da instabilidade de um ateu que se vê diante da morte e vai procurar um padre da mesma forma como não é coisa que se faça debochar de um crente que se vê diante da morte e vai procurar um médico. Todos somos idiotas diante da morte.

E, continuando neste assunto, li um dos melhores textos sobre o tema, de P.J. O'Rourke, e achei que todo mundo tinha que lê-lo também. Portanto resolvi traduzi-lo e publicá-lo nesta coluna, mas sem a pretensão de fazê-lo com a qualidade de um tradutor profissional, porque, a) eu não sou um profissional, b) não pretendo ser, mas com algum esforço talvez você consiga até imaginar que está diante de um.

Tradução do texto "Give Me Liberty and Give Me Death" de P.J. O'Rourke.

* * *

Quando um humorista recebe um prognóstico terrível, não resta alternativa senão fazer Deus rir.

Eu olhei na cara da morte. Tudo bem, não olhei. Só vi de relance na multidão. Eu fui diagnosticado com câncer, de um tipo bem tratável. Fui informado que teria 95 por cento de chance de sobrevivência. Pensando nisto ― como um jornalista beberrão, fumante e viciado em gorduras saturadas que sou ― minha chance de sobrevivência aumentou com o câncer.

Eu ainda amaldiçoei Deus, como todos nós fazemos quando recebemos más notícias e sentimos dor. Porém, nem o mais descrente entre nós grita "Maldita mecânica quântica!", "Maldita química orgânica!", "Maldito caos e coincidência!".

Eu acredito em Deus. Deus criou o mundo. Obviamente a dor tinha de ser incluída no plano de Deus. De outra forma, jamais aprenderíamos que nossas ações têm conseqüências. Nossos ancestrais das cavernas, percebendo que o fogo queimava, não dormiriam sobre as chamas, ou, caso contrário, os ursos das cavernas jantariam nossos ancestrais assados e nós não receberíamos más notícias nem sentiríamos dor, porque nem estaríamos aqui.

Mas Deus, Senhor, em Sua maneira de nos ensinar sobre as conseqüências naturais da vida, não seria a morte um pouco, hum, extrema, pedagogicamente falando? Eu sei que a lição que estamos estudando é difícil, mas morrer é mais lição de casa do que eu esperava. Também, isto estraga meus planos de férias. Podemos conversar depois da aula? Talvez se eu fizer alguma coisa para um crédito extra...

Ver as coisas pelo ponto de vista de Deus é difícil para um mortal. Ainda mais para um mortal que acabou de receber um memorando com agendamento de morte do departamento de patologia.

Ver as coisas pelo ponto de vista de Deus é o propósito da religião convencional, na minha opinião. E eu sou um religioso convencional. Mas eu sinto a necessidade de ponderar sobre algumas coisas antes de descarregar minhas ansiedades sobre o padre Hoolihan. Ele tem uma paróquia bem movimentada e ele já não é tão jovem como era antes. Na verdade, o padre não me parece bem de forma alguma. Talvez, se eu organizasse minhas idéias, ele poderia descarregar suas ansiedades em mim. Eu não posso lhe dar uma extrema unção, mas posso lhe dar uísque.

Por que a morte não pode ― já que todos vamos morrer ― sempre ser gloriosa, como na Ilíada? Claro que a morte continua a ser assim, às vezes, com heróis em Falluja e Kandahar. Mas, nos dias de hoje, freqüentemente a morte vem babando no assento do banheiro de um asilo, ou sangrando debaixo das ferragens de um carro esportivo guiado por um adolescente, ou com falta de ar numa suíte de um hotel de luxo cheio de frascos vazios de remédios e uma figura pública menor cuja data de validade de sua fama expirou.

Eu tenho, de todas as coisas não-gloriosas, uma hemorróida maligna. Que bracelete colorido alguém usa por isto? E onde usá-lo? E qual o sentido, aliás? Talvez este sentido possa ser bordado em torno da fronha do meu constrangedor travesseiro de sentar.

Além disso, eu sou um lógico, sensível e pragmático republicano e meu diagnóstico veio apenas algumas semanas depois do diagnóstico de Teddy Kennedy. Que ele tivesse câncer no cérebro e eu tivesse câncer no rabo... Bem, eu rezo um terço por ele e espero que ele ria de mim. Afinal de contas, o que eu deveria fazer? Pedir a Deus por um câncer mais digno? Pâncreas? Fígado? Pulmão?

O que me leva até a natureza das minhas orações. Elas são, como a maioria das orações, descaradamente egoístas. Mas rezar por si mesmo tem implicações atormentadoras. Há o aviso de Santa Teresa sobre orações respondidas, ou, para nossos amigos ateus, a história da "Garra do macaco".

E eu não posso ser a única pessoa que se sente como um imbecil dizendo "Por favor, me cure, Deus. Estou desprotegido. Eu tenho três filhos pequenos. E eu tenho três cachorros, dos quais dois sentirão minha falta. E minha mulher vai chorar e lamentar e ficar inconsolável e terá de arranjar um emprego. Obs.: nossa hipoteca é de alto risco".

Deus sabe destas coisas. Ele é Deus. Ele sabe de tudo. O que estou dizendo pra ele, na verdade? "Puxa, o Senhor é um bom Deus. Bom ― o Senhor é o dono disso. Mais: o Senhor é infinitamente sábio, infinitamente misericordioso, mas... Olha, todo mundo comete erros. Um pequeno câncer na parte de trás não é um grande erro. Nada que vai aparecer na sua ficha pessoal. Não vamos pensar nisso como um erro. Vamos pensar nisso como uma oportunidade de aprendizado. Ninguém é tão bom que não possa melhorar, então..."

É um universo, inteiro, criado por Deus e tudo de uma peça só. Existe uma teoria sobre como o movimento das asas de uma borboleta pode de alguma forma eventualmente causar um ciclone na baía de Bengal ou algo do tipo. E se a minha flatulência numa sessão de radioterapia eventualmente causar... Digo, suponha que São Pedro tenha o número do meu fax e me mandasse: "P.J., nós fizemos as contas. Nós podemos te dar 100 por cento de chance de sobrevivência em vez de 95, mas daqui a 20 anos um vulcão entrará em erupção no Haiti e matará 700.000 pessoas". O que eu respondo de volta? "Caro São Pedro, graças a Deus. É realmente uma pena pro Haiti. Eu prometo doar $1000 para a Cruz Vermelha Internacional em 2028."

Eu rezarei por bravura em vez disto e, talvez, para aliviar os gases.

Sem dúvida a morte é um destes caminhos misteriosos por onde Deus faz seus trabalhos famosos. Exceto que a morte não é misteriosa. Nós realmente queremos que todos fiquem por aqui para sempre? Estou pensando em minha própria família, especificamente num certo padrasto que tive quando criança. Sayonará, seu fdp. Por outro lado, Napoleão foi inquestionavelmente um grande homem em seu tempo, pelo menos é o que pensam os franceses. Mas queremos mesmo que até Napoleão exista perpetuamente? Queremos Napoleão sempre escapando de ilhas exiladas, juntando tropas fanáticas de soldados fiéis, invadindo a Rússia e queimando Moscou? Bem, no momento, considerando Putin e tal, talvez até quiséssemos. Mas século após século, isso vai se tornar velho. E que tal Genghis Khan vindo de outra direção o tempo todo e Alexandre, o Grande, guerreando com a Pérsia que está desenvolvendo armas nucleares e legiões romanas desestabilizando a já precária relação israelo-palestina. As coisas seriam uma bagunça.

Então há a questão da nossa dívida com a morte pela vida da forma como a conhecemos. Eu acredito em Deus. Eu também acredito em evolução. Se a morte não estivesse por aqui para "terminar" o processo de Darwin, nós ainda seríamos amebas. Nós comeríamos envolvendo pizzas com nossas barrigas flácidas e faríamos sexo deitando na linha de trem até que fossemos divididos em dois. Eu considero a evolução mais do que uma teoria científica. Eu acho que é um chamado de Deus. Deus criou um universo livre. Ele poderia ter criado qualquer tipo de universo que ele quisesse. Mas um universo sem liberdade teria sido estático e sem sentido ― um universo de exposições de arte financiadas com dinheiro público.

Ao contrário, Deus criou um universo cheio de criaturinhas gosmentas livres para interagir. E elas interagiram, se tornando matéria e matéria orgânica; e matéria orgânica que se reproduz; e vida. E esta vida era completamente livre e tão imoral quanto as células do meu câncer.

Formas de vida podem conduzir sua liberdade de maneiras idiotas, crescendo descontroladamente, irracionalmente e gananciosamente a ponto de matar a fonte de sua própria existência tola. Mas com a ajuda da morte, a matéria começa a aprender o certo pelo errado ― como salvar sua própria vida e sua espécie, como alimentar, como amar (ou, vá lá, como fazer seu Orkut), e como conhecer Deus e suas leis.

A morte é tão importante que Deus a enviou para seu próprio filho, desta forma nos ajudando a aprender o certo pelo errado bem o suficiente para que pudéssemos escapar da morte para sempre e viver eternamente na graça de Deus. (Embora esta opção não esteja normalmente aberta a jornalistas.)

Não estou dizendo que o Papa vai reerguer minha vida. Mas é o melhor que eu posso fazer com o que me resta de lucidez nestes assuntos sobre morte e livre arbítrio. Desta forma, na próxima vez que eu avistar a morte... Bom, eu não vou me apresentar. Não vou apertar sua mão. Mas vou lembrar de tentar, pelo menos, agradecer a Deus pela morte. E então eu tentarei agradecer a Deus, de todo o meu coração, pelo uísque.

Nota do Autor
P.J. O'Rourke é um dos maiores satiristas políticos e autor de treze livros, incluindo Eat the Rich, Peace Kills e seu último best-seller, On the Wealth of Nations. Ele escreveu para diversas publicações como The Weekly Standard, House & Garden, Automobile, The Atlantic Monthly e Rolling Stone. Ele é membro do H.L. Mencken Research no Instituto Cato em Washington, DC, e participa freqüentemente do programa Wait, Wait... Don't Tell Me!, da National Public Radio.


Eduardo Mineo
São Paulo, 20/10/2008

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