COLUNAS
Quarta-feira,
21/1/2009
Dá para ler no celular?
Marta Barcellos
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Ainda não tinha me ocorrido ler a piauí pelo celular. Talvez por conta da envergadura da revista ― reportagens aprofundadas, formato de 35 x 26 cm ―, associava a sua leitura a um momento caseiro, mais propício a reflexões. Mas acabei chegando lá, no site aberto da revista, por acaso ― almoçava sozinha e estava curiosa sobre a entrevista com o presidente Lula, que repercutia em todo canto. A experiência foi duplamente interessante, por conta do conteúdo e da nova mídia que eu descobrira.
Mas vamos por partes. A matéria "Azia", de Mario Sergio Conti, é bárbara, graças à perspicácia do jornalista e suas observações sobre a redoma que cerca o presidente, e o afasta convenientemente das informações do mundo real. A entrevista em si, vale ressaltar, não foi lá grandes coisas. Lula não chegou a falar nada novo ou bombástico, o que de certa forma acaba sendo explicado pelo viés escolhido pelo autor para compartilhar a sua experiência com os leitores ― demorando-se na antessala do poder e não se deixando deslumbrar pelo acesso privilegiado a ele.
O jornalismo está repleto de exemplos assim: as melhores matérias são aquelas "sem lead", ao contrário do que é ensinado em muitas faculdades de jornalismo. Mais que isso, é nessas oportunidades que se revelam os talentos do jornalismo literário. Claro que, quando a transcrição completa da entrevista foi divulgada pelo Palácio do Planalto, como é praxe, "as sobras" não utilizadas por Conti foram fartamente aproveitadas por outros veículos. Sim, até havia algumas declarações frescas, provavelmente inéditas, que poderiam tranquilamente ser elevadas à categoria de manchete, especialmente quando se trata de entrevista exclusiva com o Presidente da República. Mas seria uma daquelas manchetes turbinadas ou predestinadas ao esquecimento. Já a reportagem da piauí, com certeza, vai durar ― até pela sábia opção de torná-la acessível aos internautas, estejam eles em computadores ou celulares.
Sobre o fato de lê-la no celular, fui tomada por sentimentos ambivalentes. Amei a mágica de transformar o desajeitado formato da revista, difícil até de acomodar nessas bolsas grandes de mulher, que estão na moda, em um modelo 11 x 6 cm, que cabe na palma da mão. Ok, sei que dessa forma o projeto gráfico da revista vai para o espaço, que os oculistas não recomendam telas luminosas por muito tempo etc. etc. Mas fazer o quê. A tal da portabilidade é mesmo poderosa. A leitura sempre foi boa amiga da mulher que almoça sozinha em restaurante, e o celular passou a cumprir com eficiência esse papel de companhia, como bem lembrou outro dia a contemporânea Carla Rodrigues, comparando o aparelho ao maço de cigarros de antigamente.
No entanto, enquanto me deliciava com o texto de Conti, sentia certa dose de culpa. Isso sempre acontece quando navego muito tempo na internet em minhas andanças. Será que a bateria do meu smartphone iria durar até o fim do dia? Veja bem, ela está novinha. Foi comprando-a, no mês passado, depois de desistir da fila do iPhone na Vivo, que descobri as peculiaridades do meu celular, moderno e antiguinho ao mesmo tempo. Moderno porque o modelo, um Moto Q, ainda está à venda, e antigo porque tem a tecnologia CDMA, em vias de extinção mas com um sinal que pega "até debaixo d'água". Segundo a atendente da Motorola, em informação confirmada por outros clientes da fila, todo smartphone precisa ser carregado diariamente, pelo menos por quem usufrui parte de suas mil e uma possibilidades.
Não é de hoje que esse assunto de bateria me deixa intrigada. Os suplementos de tecnologia cumprem hoje uma função parecida com a dos cadernos de turismo, notoriamente feitos mais para leitores sonhadores do que viajantes. É mesmo divertido escolher aparelhos que um dia poderemos comprar, assim como destinos exóticos que serão nossa prioridade quando enfim ganharmos na loteria. Por conta disso, notícias de feiras internacionais, onde aparelhos fantásticos são lançados, ocupam muitas páginas e telas. E nada, ou quase nada, é dito sobre a evolução das tais baterias. É o mesmo silêncio ensurdecedor que paira sobre as moderníssimas telas de TV que achatam as imagens, e continuam sendo vendidas como se ninguém estivesse vendo o rei nu ― ou melhor, gordinho.
Não entendo como consumidores exigentes em relação ao número de megapixels das câmeras dos novos celulares são tão resignados com o fato de terem que mendigar tomadas elétricas para carregar a sua parafernália por aí. Uma vez, li uma coluna da Cora Rónai reclamando da falta de tomadas em um hotel de Berlim, pois não podia carregar notebook, câmera e celular ao mesmo tempo. Nem lhe ocorreu o absurdo que era depender de tomadas e fios para fazer seus aparelhos apenas ligarem.
Pelo visto, o futuro da internet está hoje nas mãos dos especialistas em baterias. Chega a dar medo de um revés, daqueles em que a tecnologia dá para trás por razões econômicas ou barreiras inesperadas, como aconteceu com o avião supersônico e os primeiros celulares via satélite. Por motivos tão variados como preço e necessidade de companhia em almoços solitários, os celulares tendem a se espalhar pelo mundo, muito mais rapidamente do que os computadores. Com eles, poderá chegar às massas ― por que não ― o jornalismo literário e muitos outros gêneros das letras. Será até possível ler um clássico, aos poucos, em um celular com tela de tamanho razoável. Desde, claro, que não seja necessário economizar a bateria para ela durar até o final do dia.
Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blog Espuminha de leite.
Marta Barcellos
Rio de Janeiro,
21/1/2009
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