COLUNAS
Segunda-feira,
13/7/2009
Restos, por Mário Araújo
Ricardo de Mattos
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Crédito da imagem: Acontece em Curitiba!
"Não há dois tempos iguais de solidão, porque nunca se está só da mesma maneira." (Henri Bosco, romancista francês)
Os dados biográficos disponíveis na internet sobre o escritor curitibano Mário Araújo (1963) são limitados. Quase nada reunimos além do que informa a pouco confiável Wikipédia. Acrescente-se o tropeço causado pelas notas acerca de dois outros escritores quase homônimos e não se olvide os inúmeros logradouros e aprovados em concursos que o Google depositou em nossa bateia. Formado em Educação Artística pela Universidade Federal do Paraná, Mário Araújo militou profissionalmente como professor e redator de publicidade. Sozinho, publicou os livros A hora extrema e Restos (Bertrand Brasil, 2008, 192 págs.). Participou da antologia Todas as gerações ― O conto brasiliense contemporâneo e possui contos publicados em revistas e jornais literários do Brasil. Em 2004, recebeu menção honrosa em concurso promovido pela Secretaria de Cultura do Estado onde reside, e seu primeiro livro "solo" conferiu-lhe o prêmio Jabuti de 2006, na categoria "contos". Si pouco sabemos a respeito de sua vida e carreira literária, fica-nos a impressão de uma ascensão paulatina e sólida.
No texto de apresentação de Restos, é informado que Mário Araújo veicula textos pela internet, assim como Luiz Paulo Faccioli, cujo livro Trocando em miúdos será objeto de coluna futura. Fato que nos remete à entrevista de Ana Elisa Ribeiro ao Digestivo Cultural, onde ela afirmou: "Uma crônica minha pode ser lida por 2000 pessoas na internet, mas não há qualquer garantia de que 2000 exemplares sejam vendidos do meu livro com as mesmas crônicas. Este é um projeto meu, inclusive, mas não sei até que ponto virtual e real terão contato". Curioso saber destes dois escritores si houve um planejamento, um roteiro que fosse da publicação virtual para a publicação em livro, e si a realidade do impresso ficou aquém ou além das expectativas. Nossa colega de colunismo também reconheceu que "se a meta é ser lido, a internet pode ser o melhor sistema de distribuição que há. Se a meta é ser lido com a posse do suporte, então a história é outra. É diferente publicar nos dois ambientes. Um não leva diretamente ao outro". Antes de ter os livros em mãos, desconhecíamos tanto Mário quanto Luiz Paulo. Coletando estas observações, pensamos nos inúmeros talentos em desenvolvimento e que recorrem à Web para divulgação do trabalho, e questionamos si a publicação em papel é tão dispensável quanto querem fazer parecer. Por mais que o novo escritor esteja à vontade no meio virtual, fica a ideia do livro em papel ser ainda um desejo sempre acalentado, e sua edição um desafio aguardado para mais cedo ou mais tarde.
Mário Araújo dedica-se ao conto como expressão literária, gênero considerado difícil. Nem Milton Hatoum escapou de críticas quando enveredou recentemente por ele, embora importante romancista. São vinte narrativas, número um tanto excessivo. Ouvindo do imperador austríaco Francisco José que uma de suas óperas tinha "notas demais", Mozart teria retrucado perguntando: "Quantas notas sugere, majestade"? Menos leviano e influenciável que o imperador, alcançamos o núcleo crítico. Selecionar os melhores do conjunto difere de simplesmente reunir material e destiná-lo à publicação. Ótimos textos são acompanhados de outros que também poderiam ser ótimos após melhor tratamento e maior prazo de gaveta, e de textos que poderiam ser deixados de lado. Exemplos de grandes contos encontramos em "Restos", "Rauziclíni", "Todos Riram", "Crioula", "A desforra", "Quatro cenas de Brasil" e "Viagem 1". A narrativa intitulada "Um novo conceito" lembrou-nos o filme Vidas em jogo, com Michael Douglas e Sean Penn, pois ambos falam da busca por situações excêntricas que acabam proporcionando experiências angustiantes. Ao menos para nós, "Solo", "Futebol 1", "Futebol 2", "Futebol 3" e "Palimpsesto" não fariam falta. Restos é um bom livro, avaliação que ganha em honestidade o que fica a dever em apupos. "Mas então compensa ler?", questionará o leitor apressado. "Sim", responderemos, "não será tempo perdido". A verossimilhança dos melhores retratos sustentam o volume satisfatoriamente.
Inegável é a coesão temática. A solidão, apresentada com diversas vestimentas, é a personagem onipresente. Não o mero isolamento, e sim aquela solitude em pleno processo de enraizamento ou que já deitou raízes vigorosas no âmago do indivíduo. Não é, portanto, uma condição que se adquire ou se afasta em horas. Reclamando seu interlocutor da solidão resultante da busca a que se dedicava, Rilke respondeu-lhe, em suas famosas Cartas a Um Jovem Poeta: "diz que os que sente próximo estão longe. Isso mostra que começa a fazer-se espaço e redor de si. Se o próximo lhe parece longe, os seus longes alcançam as estrelas, são imensos". Lição válida tanto para o artista, o filósofo, o cientista e o místico que se aprofundam em suas buscas e indagações, quanto para nós, cidadãos terra-a-terra. É precisamente o homem comum isolado no paroxismo da crise e colocado na lâmina do microscópio para ser observado. A solitária excepcional é a imagem de gesso representando Jesus Cristo, no conto "A imagem". Contudo, das tramas são apartados os acessórios, e muitas vezes os antecedentes e os consequentes.
O que fazer para acabar com a solidão? Como solucioná-la, bem como minimizar ou anular seus efeitos? Talvez fazendo o inverso do que fizeram ― ou se imagina que fizeram ― os personagens. Não se trata de solução sugerida pelo autor, mas de inferência do leitor. Não temos como saber si Mário Araújo leu, e si leu, concordou com as reflexões literárias expostas por Chekhov em suas cartas. Como o russo, o curitibano evita julgar seus personagens e porta-se como testemunha imparcial. Descreve o abandono que vivenciam, que talvez até sofram sem perceber, cabendo ao leitor incluir os "elementos subjetivos" que os levaram àquele estágio.
Para ir além
Ricardo de Mattos
Taubaté,
13/7/2009
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