Eu fui um dos primeiros escritores brasileiros a embarcar na onda dos livros virtuais. No início dos anos 2000. Também devo ter sido um dos primeiros a baixar livros virtuais. Na época, não se usava o PDF. Existia um programa que simulava a leitura de livros, inclusive o passar de páginas. Lembro que a primeira obra que baixei foi um de contos do H.G. Wells. Nada mais justo do que começar a ler e-books com um autor de ficção científica. Bem, se disser que fiquei empolgado, estaria mentindo. Fiquei empolgadíssimo.
Quando eu era criança, um dos meus seriados prediletos era Logan's run, sobre pessoas que fogem de uma cidade distópica. Em um dos episódios, eles encontram o que parece ser o Santuário, local mítico onde as pessoas podiam exercer o livre pensar e ser felizes. Em uma das cenas, um personagem está lendo um livro virtual. Ao ler o e-book de H.G. Wells, essa lembrança me veio à memória.
Na época, pipocavam livrarias virtuais. Muitos cobravam pelas obras. Outros prometiam dar grande visibilidade aos seus autores. Algo como: "Pague um pouquinho para publicar aqui, mas seja lido por todo mundo. Logo os editores estarão correndo atrás de você". Um livro virtual de Stephen King, Subindo na bala, ao ser disponibilizado no Amazon, teve tanta procura que tirou o site do ar.
King declarou que ia investir em livros virtuais como forma de não depender mais de editores. Empresas convencionais ficaram preocupadas.
Na época eu já tinha uma percepção que se revelou correta: por que alguém pagaria para ter algo que pode conseguir de graça? Entre todas as propostas, a que me pareceu mais interessante foi a da Virtual Books, justamente aquela da qual baixei o livro de H.G. Wells. A ideia era disponibilizar livros de graça e ganhar com anúncios. O autor ganharia em divulgação de seu nome e sua obra.
De fato, essa percepção, na época, era correta. Stephen King não ganhou quase nada com os livros virtuais e voltou às publicações convencionais.
Desde 2000 publiquei diversos livros pela Virtual Books. Todos disponibilizados de graça. Uma série infantil chamada Mundo Dragão, com vários desenhistas, chegou a ser lida por meio milhão de crianças.
O livro Como escrever histórias em quadrinhos tornou-se um clássico, orientando toda uma nova leva de roteiristas não só brasileiros, mas também portugueses e africanos. De vez em quando recebo e-mails dos locais mais remotos, de pessoas que pretendem escrever quadrinhos agradecendo por eu ter disponibilizado a obra na internet. A minha dissertação de mestrado "A divulgação científica nos quadrinhos", disponibilizada na íntegra no site, também chamou muita atenção e tem sido citada em vários trabalhos acadêmicos. Virou referência principal quando o assunto é divulgação científica ou ciência em quadrinhos.
Um fanfic de Perry Rhodan, O portal das probabilidades, fez com que eu ganhasse a simpatia e admiração dos fãs desse famoso personagem alemão de FC.
Juntando os downloads de todos os livros, são mais de um milhão e meio de leitores. Como muitos livros foram depois disponibilizados em HDs virtuais, é possível que essa conta chegue a dois milhões.
Isso significa que o resultado foi positivo? Nem sempre. Primeiro, eu nunca ganhei um tostão com isso. Se recebesse 50 centavos por cada livro baixado, é possível que já estivesse milionário. Além disso, toda essa popularidade na internet não parece fazer diferença alguma para as editoras. Uma vez, tentando convencer um editor a publicar um dos meus livros, eu informei que a obra já tinha sido lida por 200 mil pessoas na net. Ele me olhou como quem não entende e perguntou: "E daí?".
E daí? Meu argumento era de que, se 200 mil pessoas já tinham se interessado em ler na tela de computador, é porque a obra tinha boa aceitação. O editor discordava: para ele, o público de internet era um, e o de livros, outro.
Pesquisando na internet, eu acabei descobrindo outro aspecto negativo: alguns malandros simplesmente copiavam meus livros, gravavam um CD e colocavam para vender no Mercado Livre. Sério. Em diversas ocasiões tive que acionar o site para tirar o produto do ar.
Entre todos os aspectos negativos, esse foi o que mais me chateou. Afinal, se eu não ganho dinheiro com o produto, outras pessoas também não devem ganhar, certo?
Há muito tempo não publico livros virtuais. A principal razão é falta de tempo para escrever e formatar as obras. Entre aulas, edição de revistas, colaborações com sites e publicações impressas, tempo passou a ser um problema. Eu poderia dizer que essas novas oportunidades surgiram por causa dos e-books, mas estaria mentindo. Na verdade, os e-books contribuíram mais no sentido de me permitir burilar a escrita através do contato com os leitores. Ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, a criatividade ao escrever é como um buraco: quanto mais você escreve, maior fica.
Continuo tendo uma relação com os e-books, mas como leitor. Agora que comprei um smartphone, tenho lido mais na tela do que nas páginas. Não, eu não deixei de comprar livros. Sou um leitor compulsivo, assim como um comprador compulsivo. Nada substitui o fetiche de folhear as páginas, de sentir o cheiro da tinta, do papel. Mas há situações em que um e-book é mais prático. Por exemplo: tenho aqui na estante o volume encadernado enorme de As Crônicas de Nárnia. Lindo, mas difícil de carregar. Quando estou em casa, leio no papel; na rua, continuo na versão digital. Existem também aqueles livros lançados unicamente na internet ou aqueles fora de catálogo, de pequeno interesse, que, não fosse o meio digital, estariam para sempre no ostracismo. Com o celular, posso ler a qualquer instante, mesmo quando espero em uma fila.
Hoje, quase dez anos depois de minha estreia nos >e-books, eles voltam a ser assunto. De novo, alguns falam em ganhar dinheiro com isso. E, de novo, as editoras convencionais estão preocupadas. Talvez a única novidade é que hoje já existem aparelhos baratos e eficientes, que permitem ler em qualquer lugar (creio que a maioria dos meus leitores deve ter fruído meus livros em enormes e incômodos monitores de computador).
Minha conclusão, hoje, é a mesma daquela época pioneira. Por maior que seja o sucesso da literatura virtual, os livros impressos vão continuar existindo, da mesma forma que as salas de cinema continuaram existindo, mesmo com o surgimento do DVD. Talvez só se tornem mais vistosos e bonitos. E talvez até ganhem mais leitores.
Quando o Kindle e seus agregados se popularizarem, o cenário para o livro de papel pode ficar feio. Imagine que com a evolução desses aparelhos, não só de texto e imagens estáticas serão feitos os livros digitais. Provavelmente poderemos incluir videos, slides, sons e todo tipo de experiência sensorial embutida nos livros. Pode acontecer que toda essa gente que hoje torçe o nariz para os livros digitais e o Kindle, acabe se rendendo à experiência de ler um livro assim, mais completo, mais divertido, e de maneira mais cômoda.