COLUNAS
Quarta-feira,
25/11/2009
Os Eleitos, de Tom Wolfe
Jorge Wagner
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"Não vejo no jornal diário nada que me dê vontade de guardar", costuma declarar o jornalista Sergio Vilas Boas. Professor da Associação Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL) e editor-executivo do Texto Vivo, Sergio diz sentir falta de um certo fator humano, de histórias universais e temas que possam ser abordados em profundidade, possibilitando ao leitor refletir sobre si mesmo.
Bem. num mundo onde o troféu de jornal mais popular do Rio de Janeiro vai para as mãos de um tablóide como o Meia Hora (um apanhado de micro notícias do tipo finjo-que-informo-e-você-finge-que-acredita sobre novelas, futebol, mulheres frutas e fatos bizarros como o "ET" morto a pedradas no Panamá), temos que concordar: não há nada que valha a pena ser guardado.
A grande verdade, porém, é que por mais que saudosistas venham a dizer que no passado as coisas não eram bem assim, o jornalismo diário ― com sua pretensa objetividade, suposta imparcialidade e suas algemas às "perguntas básicas" quem/o que/quando/onde/como/por que ― foi, desde sempre, alvo de críticas. O efêmero, o denuncismo barato (de assuntos logo substituídos por outros mais "quentes", no jargão jornalístico), não agrada a muita gente. E ainda bem.
Pois foi a necessidade de aprofundamento que fez vir ao mundo obras como Os Sertões, de Euclides da Cunha. Foi a busca pelo tal fator humano que gerou reportagens como Hiroshima, de John Hersey, e a vontade de verter o efêmero em perene que fez Truman Capote transformar uma pequena nota sobre o assassinato de uma família em uma das grandes obras primas no jornalismo mundial, A sangue frio.
Muita coisa foi publicada na imprensa de todo o mundo quando sete pilotos de teste oriundos das forças armadas foram designados para serem os primeiros astronautas norte-americanos, na segunda metade da década de 1950. No entanto foram necessários mais de 20 anos para que o assunto ganhasse sua reportagem definitiva. Falamos de Os Eleitos (The Right Stuff, no original), lançado por Tom Wolfe em 1979.
A imprensa, no auge da procura pela suposta busca pela objetividade, deu início a uma verdadeira corrida atrás de informações sobre o cotidiano, famílias e hábitos de cada um desses sete homens, culminando em um contrato de exclusividade com a revista Life ― que se comprometia em explorar tudo o que parecesse bonitinho na vida pessoal das novas celebridades, deixando de fora o que pudesse denegrir a imagem dos pilotos ou colocar em dúvida a confiabilidade da recém-nascida NASA ― ou seja, uma grande parte da história. Não foi o caso do livro de Tom Wolfe.
Um dos quatro grandes nomes (ao lado de Gay Talese, Norman Mailer e Truman Capote) do que se convencionou chamar New Journalism, Wolfe, com seu estilo ironicamente bem-humorado, se aprofundou na pré-história da astronáutica, quando pilotos se esforçavam para bater recordes de velocidade a bordo de aviões que precisavam serem levados "de carona" para o céu ― detalhando, inclusive, a história de Chuck Yeager, o primeiro piloto a ultrapassar a barreira do som.
Se aprofundou no sentimento indizível, o não-estou-nem-aí, que esses homens mal remunerados nutriam em relação à grande possibilidade de morrerem no cumprimento do dever. Apurou com detalhes as experiências ditas científicas ― algumas delas no mínimo degradantes ― às quais eram submetidos os astronautas em treinamento, bem como a dificuldade que alguns desses homens possuíam em manter as calças abotoadas; as competições internas, os medos, as frustrações, a insistência para que fossem mais do que cobaias dentro de uma cápsula e tivessem controle sobre o voo. E o melhor de tudo: soube como usar cada uma dessas informações no momento adequado, através de um texto de fácil assimilação, que pode ser lido por qualquer um, conheça ou não o mínimo da história sobre a corrida espacial.
Os Eleitos tornou-se um clássico. Levado às telas em 1983, sob a direção de Philip Kaufman, com um elenco com nomes como Sam Sheppard, Ed Harris, Barbara Hershey, Dennis Quaid e Scott Glenn, além do próprio Chuck Yeager, já senhor, em uma ponta. Indicado ao Oscar em oito categorias (entre elas a de Melhor Filme), levou as estatuetas de Melhor Trilha Sonora, Melhor Som, Melhores Efeitos Sonoros e Melhor Montagem. Lançado no Brasil pela editora Rocco em 1988, vendeu o suficiente para que fosse reeditado mais duas vezes, sendo a terceira edição datada de 1992. Pode ser encontrado no site Estante Virtual com preços indo de R$ 9,50 até R$ 26,00.
Trata-se de um livro que não poupa informações, sejam elas dignas de orgulho ou de vergonha. É um livro sobre homens, que por mais corajosos que pareçam a princípio, cometem erros, urinam nas calças, detonam escotilhas antes da hora. Tom Wolfe despe os homens de suas máscaras para mostrá-los tão humanos como quaisquer outros e, com isso, publica aquele que pode ser apontado como o melhor de seus trabalhos. Trata-se, sem dúvida, de um livro que Sergio Vilas Boas deve ter em sua estante. E que você deve ler.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no site Scream & Yell.
Jorge Wagner
Paracambi,
25/11/2009
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