Kokoro, de Natsume Soseki | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Pimp My Carroça realiza bazar de economia circular e mudança de Galpão
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
>>> Tamanini | São Paulo, meu amor | Galeria Jacques Ardies
>>> Primeiro Palco-Revelando Talentos das Ruas, projeto levará artistas de rua a palco consagrado
>>> É gratuito: “Palco Futuro R&B” celebra os 44 anos do “Dia do Charme” em Madureira
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
>>> E-book: Inteligência Artificial nas Artes Cênicas
>>> Publicação aborda como driblar a ansiedade
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Hoje a festa é nossa
>>> A Bienal e a Linguagem Contemporânea
>>> Comum como uma tela perfeita
>>> Entrevista com Cardoso
>>> Ensino Inferior
>>> Daniel Mazini, country manager da Amazon no Brasil
>>> Samba da benção
>>> O novo GPT-4o
>>> Um olhar sobre Múcio Teixeira
>>> Entrevista com Guilherme Fiuza
Mais Recentes
>>> Arte E Sociedade No Brasil de 1957 a 1975, Volume 2 de Aracy Amaral; André Toral pela Callis (2010)
>>> Aquele Estranho Colega, o Meu Pai de Moacyr Scliar pela Atual Didáticos (2009)
>>> Incentivando O Amor Pela Leitura de Org. Eugene H. Cramer e Marrietta Castle pela Artmed (2001)
>>> As Dores e as Superações do Dia-a-Dia Reveladas nas Mídias Sociais (Autografado) de Katie Borteze pela Chiado (2017)
>>> Poliedro Livros Português Livros 1 , 2, 3 e 4 de Sistema de Ensino Poliedro pela Poliedro (2012)
>>> Drogas Opção de Perdedor de Flavio Gikovate pela Moderna
>>> A Traição De Bourne de Eric Van Lutsbader pela Rocco (2010)
>>> Estudo Sobre Constitucionalismo Contemporâneo de Professor Francisco Pedro Juca pela Lumen Juris
>>> Calunga Tudo pelo Melhor de Luiz Antonio Gasparetto pela Vida e Consciencia (1997)
>>> Poliedro Livros Português Livros 1 , 2, 3 e 4 de Sistema de Ensino Poliedro pela Poliedro (2012)
>>> O Feijão e o Sonho de Origenes Lessa pela Aticas
>>> 1984 de George Orwell pela Companhia Das Letras (2017)
>>> Livro O Sermão Da Montanha de Georges Chevrot pela Georges Chevrot (1988)
>>> 1984 de George Orwell pela Companhia Das Letras (2017)
>>> Perto do Coração Selvagem de Clarice Lispector pela Rocco (1998)
>>> Japonês Em Quadrinhos de Marc Bernabe pela Conrad
>>> Tratado das Locações, Ações de Despejo e Outras de Jose da Silva Pacheco pela Revista dos Tribunais (1998)
>>> Poliedro Livros Geografia Livros 1 , 3 e 4 de Sistema de Ensino Poliedro pela Poliedro (2018)
>>> Araribá Mais História 9 de Maira Rosa Carnevalle pela Moderna (2018)
>>> Livro Geração De Valor Futuro de Daniel Egger pela Campus (2015)
>>> Introdução a Admistração Financeira de Clovis Luizs Padoveze pela Cengage
>>> O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint Exupéry pela Harper Collins Br (2006)
>>> Poliedro Física Livros 1 , 2, 3 e 4 Ensino Medio de Sistema de Ensino Poliedro pela Poliedro (2014)
>>> Livro Todo Mundo Tem de Edith Derdyk pela Dsp (2012)
>>> Presente para Você de Fernando Vilela pela Leiturinha (2021)
COLUNAS

Segunda-feira, 12/4/2010
Kokoro, de Natsume Soseki
Ricardo de Mattos
+ de 7500 Acessos


Natsume Soseki

"Ler um livro é para o bom leitor conhecer a pessoa e o modo de pensar de alguém que lhe é estranho. É procurar compreendê-lo e, sempre que possível, fazer dele um amigo." (Hermann Hesse)

A boa literatura é aquela que se liberta do tempo e lugar onde foi gestada e veio à luz, para ganhar o alcance não imaginado pelo autor. Desnecessário justificar a leitura alegando que "apesar de escrita há tantos anos, ela ainda é atual". Implicamo-nos com isso, inclusive, pois o hábito de trazer tudo para o presente faz perder a sequência dos passos da humanidade e a situação do trabalho em sua época. O desafio é conhecer o livro em seu contexto para depois acompanhar sua "fuga". Dele tiram proveito leitores de outros tempos e tradições, proveito imediato ou não. Conheça-se obras diversas e forme-se um cabedal de cultura cujo valor revelar-se-á no instante exato, como visitar um local sabendo o que procurar, observar e lembrar, ou vivenciar experiências avisados quanto ao mínimo a extrair delas. Viva o leitor onívoro, pois por melhor que seja a comida, a repetição indefinida torna o paladar insensível.

O escritor japonês Natsume Soseki ― nascido Kinnosuke ― é-nos apresentado como o mais relevante de sua época. Nascido em 1867 e desencarnado em 1916, vivenciou a totalidade do período Meiji. Até agora, recorreu-se a Machado de Assis como paralelo de apresentação ao público brasileiro, providência que questionamos. Parece recurso do senso comum aplicar à literatura a expressão "diga-me com quem andas que te direi quem és". Utilizar um escritor como muleta para entendimento do outro acaba prejudicando o recém-chegado. Ambos viveram a maior parte de suas vidas na segunda metade do século XIX. Machado de Assis testemunhou abolição dos escravos e o fim do Império. Soseki acompanhou mudanças extremas dentro do Império japonês. Não se deve ir muito adiante na questão, sob pena de ler-se Soseki como extensão de Machado e perder-se o melhor do extremo-oriental. Basta lembrar que Machado de Assis era católico romano, e até onde lembramo-nos, não é pela observação das mudanças nas tradições sociais e religiosas que se notabilizou. Soseki foi zen-budista, mantendo por si mesmo um intenso diálogo entre a literatura e a filosofia chinesas e as mesmas expressões do Japão. Conforme tentaremos salientar nesta coluna, é muito mais útil para a compreensão dos livros de Soseki o conhecimento d'O livro do chá, do também nipônico Kakuzo Okakura, que de qualquer outro escritor ocidental.

Era Meiji respeita ao período de governo do imperador Mutsuhito (1868-1912) e significa Era da Iluminação. Foi aquela em que se verificou e consolidou um período de profunda renovação econômica, social, industrial e cultural, por força da cobrança feita ao Japão pelos Estados Unidos para que saísse de seu isolamento e abrisse-se ao comércio internacional. O convite foi feito com a caraterística delicadeza ianque, através da invasão da baía de Uraga. Embora a força modificadora tenha sido externa, o Japão foi "preparado" para o mundo moderno, no qual se apresenta como potência econômica. O ponto negativo é que as mudanças, si necessárias, não foram pacíficas, gerando invasões na Coreia, Manchúria e Taiwan e guerras contra a China e a Rússia. "O ocidental comum se habituou a considerar o Japão como um país bárbaro enquanto este cultivou as suaves artes da paz, mas o classifica como civilizado desde que começou a perpetrar carnificina em massa nos campos de batalha da Manchúria", reclamou Okakura. Teve igualmente vez um amplo descontentamento interno, sendo o mais expressivo o dos samurais, que perderam seu status social de forma talvez impensada. Em lugares onde dá-se muita importância a símbolos de definição social, basta estendê-los a todos que o prestígio esvai-se. Portanto, como antes apenas os samurais podiam portar armas, a extensão do serviço militar obrigatório a todos os homens tornou imotivada a distinção em decorrência delas. Postumamente, Mutsuhito foi rebatizado como o nome do período, passando a ser referido como Imperador Meiji, o que não deixa de causar certa estranheza aos iniciantes. Na França, seria como deixar de chamar Louis XV pela referência numérica e chamá-lo "Louis Rococó".

Ao lado das mudanças econômicas e estruturais do Estado japonês, desenrolaram-se as mudanças culturais e sociais. Aqui entra Soseki com sua observação profunda dos fatos. "Soseki", conforme fonte mais segura, vem do chinês "obstinação", "resistência". O escritor não resistiu à mudança das coisas, mas à forma como ela se realizava. Ele criticou a atitude radical de simplesmente voltar as costas para o passado e acolher o novo somente porque é novo, sem questionamento. De fato, si não compramos um sapato antes de saber si ele calça-nos bem, e submetê-mo-lo à prova do uso para avaliar sua qualidade, como queremos adotar novas ideias e formas de pensamento ignorando a proporção de benefícios e malefícios que elas trarão consigo? Mudar pelo movimento de mudar, rejeitar o velho porque velho e receber o novo porque novo: eis a cisma do escritor. Quiçá ele mesmo soubesse ― e aqui especulamos ― que mudar a casca através da civilização compulsória trazia o risco inerente de rebuliço por parte dos descontentes, rebuliço acompanhado de revoltas civis e restauração reacionária dos costumes mexidos.

Desde a infância o escritor teve acesso à literatura tradicional chinesa. Iniciou estudos da língua e literatura inglesa na Universidade Imperial, o que lhe facilitou a ida para a Inglaterra em 1900, como bolsista do Ministério da Educação. Tornando ao seu país, dedica-se à carreira de escritor, poeta e crítico literário. Como poeta, esmerou-se no cultivo de formas consideradas arcaicas como o haiku ― ou haicai. Mais que mero saudosismo, sua intenção era demonstrar a riqueza literária japonesa, protegendo-a da extinção. Notamos que o haiku foi depreciado na Era Meiji, mas hoje conta com sítios especializados na internet e até com comunidades do Orkut. O fato de Soseki conhecer o externo mas continuar valorizando o interno estabelece um diálogo intertemporal com a escritora haitiana contemporânea Edwidge Danticat. Em entrevista ao último caderno "Cultura" do jornal O Estado de São Paulo, publicado em sete de março, ela surpreende-se com alunos universitários que teve contato. "Temos aqui", diz ela, "a geração de imigrantes que não lê em creole nem em francês. Porém, quando encontro a garotada nas universidades, detecto tanto orgulho... (...) Os estudantes aprendem sobre outras culturas e dizem: 'Espere aí, de onde eu venho há muito o que reconhecer e celebrar'" (grifamos).

O romance Kokoro (Coração) (Globo, 2008, 280 págs.), objeto desta coluna, foi escrito em 1914. O personagem narrador, o professor, e outros de presença incidental compartilham o anonimato. Caso "suavidade" seja um adjetivo atribuível a uma obra literária, este livro de Soseki merece-o. Nós, que digitamos e escrevemos a lápis ou caneta, surpreendemo-nos o iniciar a leitura e descobrir o autor "pegando no pincel" para escrever em folhas quadriculadas. O passar do tempo é medido pelas floradas: "Acompanhando as ameixeiras que floresciam, o vento frio foi aos poucos mudando a direção para o sul. Depois de um tempo, as notícias sobre as flores de cerejeiras chegavam ao meu ouvido". Porém, Roberto Kazuo Yokota, prefaciador da obra, adverte que o fato do personagem narrador apresentar-se como "eu" já é bastante revolucionário por chamar a atenção para uma individualidade autorreferente. Lembremo-nos do filme Sete anos no Tibet, daquela cena em que Heinrich Harrer é criticado pela "alfaiata" por ostentar as medalhas e prêmios conquistados na carreira de alpinista. Ela confirma não fazer parte de sua cultura admirar o inchaço do ego. O que há de revolucionário também há de conflituoso, no encontro do professor e sua mulher ― pessoas que "atingiram a maioridade dentro dos costumes de uma geração anterior" ― com o personagem narrador.

Neste ponto tornamos a chamar a atenção para O livro do chá. Quem o ler perceberá a sutileza que envolve o servir da bebida, seja no ritual específico, seja na hospitalidade do dia a dia. Sendo o professor e sua esposa oriundos da geração anterior à do personagem "Eu", é esperável que mesmo o cotidiano estivesse impregnado do cerimonial. A cerimônia realmente existe e é plena de detalhes e de carga filosófica embebida no taoísmo e no zen-budismo. A conversa do personagem com a mulher do professor, inofensiva na aparência, pode revelar-se um flerte. Lembremos que, além da mãe do protagonista, ela é a única a ser nomeada, o que revela uma elevação sutil no grau da atenção dispensada. O que pode ser entendido como Soseki querendo dizer que as mudanças sociais desencadearam mudanças comportamentais. Em momento algum fala-se escancaradamente em adultério, mas fica no ar a sutileza do mútuo e discreto entendimento. A mulher recebe maior atenção e passa a oferecer-lhe doces, bem como a lavar-lhos quimonos. O leitor da época talvez pensasse indignado: por que o personagem não se encarrega ele mesmo de lavar seus quimonos?

A rejeição das tradições teria afastado as bases éticas das novas gerações, e estas começaram a incursionar por terrenos antes impensáveis, como o caso de um estudante meter-se com a mulher alheia. O problema da tradição está no seu distanciamento em relação à origem. Uma prática esvaziada de seu valor original e complicada pelos acréscimos diz cada vez menos às gerações mais novas e tende ser abandonada. Observamos o exemplo colhido na revista National Geographic de janeiro deste ano. O repórter Peter Hessler acompanhou os moradores de um vilarejo do interior da China durante o festival do Qingming, no qual os túmulos dos antepassados recebem manutenção e ganham um acréscimo de terra. Um pouco mais de terra adicionado no tempo certo significa que o parente morto ganhará uma cobertura de telhas, e não de sapê, na casa onde mora. Hessler reparou que a cada ano diminui o número de participantes do festival e atribui a queda à preocupação dos chineses com a sobrevivência no mundo atual. Soseki conhecia seu mundo, admirava o passado e temia que o progresso material implicasse no retrocesso moral.

Para ir além






Ricardo de Mattos
Taubaté, 12/4/2010

Quem leu este, também leu esse(s):
01. A hora exata em que me faltaram as palavras de Ana Elisa Ribeiro


Mais Ricardo de Mattos
Mais Acessadas de Ricardo de Mattos em 2010
01. Introdução ao filosofar, de Gerd Bornheim - 30/8/2010
02. O cérebro espiritual, de Mario Beauregard - 27/12/2010
03. Confissões do homem invisível, de Alexandre Plosk - 15/11/2010
04. São Luiz do Paraitinga - 11/1/2010
05. Meu Marido, de Livia Garcia-Roza - 7/6/2010


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Fábulas e Adivinhações - Ecologia em Quadrinhas
Sylvio Luiz Panza
Ftd
(1997)



Lanchas de Ataque
Antony Preston
Livro Técnico
(1983)



Poderosa
Sergio Klein
Fundamento



True Heroes Of Sport
Donatella Fitzgerald
Oxford University Press
(2012)



Estrategia Empresarial :conceitos, Processos e Administração
Agricula de Souza Bethlem
Atlas
(2009)



Contos
Fernando Pessoa
Epopeia
(1986)



Empreendedorismo - Transformando Ideias Em Negócios Plt 687
José Dornelas
Campus
(2012)



A Solidaƒo Povoada
Monique Le Moing
Editora Nova Fronteira
(1996)



O Segredo da Longevidade 630
Edison Rodrigues Filho
Melhoramentos
(2014)



Solteirões Convictos
Danielle Steel
Record
(2021)





busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês