Mundo dos nichos ― ou onde (quase) ninguém ganha nada
Em seu seminal Cauda Longa, Chris Anderson destacou a importância dos nichos na era da internet: no limite, todo o conteúdo gerado em qualquer lugar do mundo, ajudado por filtros e recomendações, poderia ir ao encontro de seus potenciais consumidores. Algumas pessoas fizeram uma leitura um pouco equivocada do livro, achando que quem produz esse conteúdo poderia ter bons ganhos. Em nenhum momento é discutido isso; ao contrário, a análise parte dos agregadores e vendedores desse conteúdo, como Amazon, iTunes, Rapsody, Netflix e afins. Disso inferimos que aos criadores sobraria a facilidade de divulgar o trabalho e a possibilidade de lutar por migalhas de pagamento ― isso quando chegarem ao ponto de ganhar algo. Esta é uma das questões ao tratarmos de iPads, Kindles etc. De um lado, jornais, revistas e afins acham que eles são a salvação do mercado. Dificilmente. A grande fatia vai para os criadores dos hardwares, softwares e lojas on-line. Do outro lado, os criadores individuais de conteúdo acham que chegou a hora de explodir. Ledo engano. Sejam os grandes ou os pequenos, todos vão competir arduamente por espaço e vendas, a preços cada vez menores ― quando não de graça. Essas novas tecnologias não vão salvar nenhum mercado. Estão criando novos mercados ― e, em alguns casos, matando outros.
Leitores digitais x tablets
Fico pensando em quais mercados cada um dos leitores digitais vai conquistar ― e coloquemos aí, ainda, outros tablets e netbooks. Alguém vai dominar um mercado mais geral ou todos vão se acomodar em nichos? O Kindle, por exemplo, vale a pena para um leitor eventual? Um dispositivo exclusivo para leitura me parece muito específico, apenas para quem tem muito interesse nisso. Daqueles que compram muitos livros, mesmo que abandonem muitos no meio ― e terminem outros tantos. Ou para estudos, também me parece interessante. Ou seja, leitores vorazes de qualquer "categoria". Já o iPad, pelas descrições e comentários que tenho lido, parece uma "central de entretenimento": para quem a leitura de um livro é apenas uma de várias opções de passar o tempo aliada a funções de um notebook. Um iPad vale a pena para quem quer apenas ter uma biblioteca de fácil acesso? E vai substituir o notebook por completo?
Adultos histéricos
No caso específico desses leitores digitais, a febre do momento, há também a repetição da histeria coletiva de celebrar as novidades. Em especial a de lançamentos da Apple, uma das melhores máquinas de criar hype já inventada. Não nego a capacidade de Steve Jobs, nem a competência e diferencial da empresa e de seus produtos. Mas a exaltação em torno deles beira o patético. Desculpem-me: não beira. É patético. Alguns parecem piores que fãs de futebol. No mínimo transformam o assunto numa dicussão de boteco, um "Fla x Flu tecnológico", mas chegam ao ponto de ter comportamentos infantis do tipo "eu uso Mac e você PC, bobalhão". É entendível que um adolescente tenha xiliques por causa de algum ídolo. Mas um adulto adulando outro adulto, pior, comprando briga por causa disso é digno de uma boa gargalhada. Tanto quanto ficar em êxtase por um produto ― por melhor que seja. E no final das contas é apenas uma empresa preocupada com seus lucros. Mac lovers, pensem diferente. Cresçam.
Velho x novo, papel x digital
O fato é que estamos passando por uma compreensível empolgação com a tecnologia, ainda que haja exageros. Não é para menos. O surgimento e a consolidação da internet nos últimos 15, 20 anos, já são fenômenos históricos. Daqueles que serão estudados daqui a 50 anos nos livros de história. Ops, será que em livros? Num iPad? Num chip no cérebro? Enfim, estamos vendo e participando de momentos que muita gente gostaria de participar. De uma sucessão de marcos históricos que redefinem os comportamentos, as relações sociais e a economia. Não é exagero. Pensemos no que empresas como Google criaram. No impacto tremendo que a troca de arquivos gerou em indústria há anos estabelecidas, como a do disco e dos jornais. Na possibilidade que um software como o Skype traz de conectar de graça dois opostos do mundo, com qualidade de imagem e som cada vez melhores. De como um dispositivo pequeno como o Kindle pode conter milhares de livros ― uma biblioteca gigantesca em nossas mãos. Ou em como hoje a informação circula livremente por aí. Mas é possível compreender que quem tem seus mercados chacoalhados tenha dificuldade em mudar e em abandonar o velho ― que é o que melhor sabem fazer.
Imaginemos que um jornal tenha, por exemplo, 200 mil assinantes. É entendível que continue brigando. Afinal, mesmo que o número de assinantes e anúncios esteja em declínio acelerado, ainda são 200 mil pessoas e muitos anúncios ainda estão sendo vendidos. Não dá simplesmente para fechar as portas e apostar em mídias que sabe-se lá para onde vão ― e nem são especialidade da casa. Um problema é exatamente começar a fazer o que não sabem, tentando seguir um fluxo qualquer. David Remnick, da New Yorker, disse bem: não importa em que mídia estiverem, vão focar no que sabem fazer melhor ― textos longos e de alto nível. Claro que é necessário prestar atenção às mudanças no mercado e dos leitores, mas o foco de atuação não deveria mudar. Até porque, se for para morrer de qualquer jeito, é melhor morrer com dignidade. Outro problema que tenho visto é que, em vez de focar no que os leitores gostam no jornal de papel, estão tentando mudar o jornal para uma coisa mais "dinâmica". É uma ironia: estão tentando deixar o jornal de papel mais digital e o acesso digital mais parecido com o papel ― com as irritantes páginas de "folhear". E acho que deveria ser o oposto: no papel o que vale é aquele padrão de sempre. Quem está acostumado com esse formato prefere que ele continue assim, para poder identificar as notícias facilmente. Para o conteúdo on-line deveria ser o contrário. É uma incongruência tentar aproximá-lo do papel. É preciso que tenha seus próprios padrões, adequados às suas diversas possibilidades. Um dispositivo como um iPad precisa de novidades. Ao papel o que é do papel e ao digital o que é seu. Nessa mistura indigesta todos só têm a perder.
Caro Rafael, você acertou no texto. Acho uma besteira essas conversas em fóruns, e-mail e Twitter, sobre Kindle e outros bichos. Tudo pode ser marketing das empresas, ninguém sabe. Como já sou bem velhinho, fico lembrando do meu tempo de Ginásio: caderno feinho, capa de papel vagabundo, todas rasgavam com dois meses de uso. Colégio: melhorou a capa, durinha (epa!), de aspiral e tudo mais. Faculdade: Tudo bem melhor, cadernões de mais de 100 folhas e capa a quatro cores. Pós-Graduação: um Notebook (para os que podiam) no colo e MP3 com fone de ouvido (ouvindo aulas/música). Lembram daqueles gravadores tijolão? E hoje a gente grava com um aparelhinho pequenino (tamanho de cartão de crédito) que cabe na palma da mão. São os tempos. Mas parece que hoje tudo mudou. Tem muita gente que não acordou, outros ouviram o galo cantar mas não sabem onde e os que sabem não fazem escândalos.
Bah, vocêsó fala isso porque é um fanboy do PC! :P Mas, falando sério, na briga entre iPad e Kindle tem que se levar em consideração uma coisa: o custo-benefício. O tablet da Apple funciona tão bem quanto o e-reader da Amazon, mas com muito mais funções - e utilidade. Para mim, já é uma partida ganha. O Kindle não vai ter muita duração com o barateamento de tablets, ainda mais os com o sistema operacional Android, do Google, que é open-source. Agora, quanto à sua divagação sobre o impacto da tecnologia, basta eu dizer que li o seu texto e estou comentando através de um iPhone, no conforto da minha cama. Pode parecer besteira, mas a mobilidade dentro de casa te deixa muito mais onlime - ou seja, você já não precisa reservar um tempo pra sentar na cadeira no outro quarto somente para checar o Twitter. Pô, dá até pra ler o Digestivo no banheiro (piada pronta, haha)!
iPad é um dos aparelhos tecnológicos que são usados por quase todas as pessoas em todo o mundo. A tecnologia está tomando conta do mundo, mas esta mudança é para garantir o nosso desenvolvimento.
Você abordou um ponto muito importante sobre a adaptação dos jornais para a internet: forçar que um se pareça com outro. Jornal é jornal, site é site! Adaptar jornal impresso para se parecer com site é totalmente errado: não atrai novos assinantes - quem gosta de site navega na internet - e pode afastar os antigos - para ler um arremedo de site é melhor largar a versão impressa e navegar na rede. E fazer site parecer com a versão impressa é outro erro: a tela do computador é sempre muito menor que a página do jornal impresso - as letras e fotos ficam mínimas, sem o impacto da versão impressa, a navegação é difícil e a virada das páginas é horrível. O modelo bom de jornal na internet é o da Folha, que apresenta os textos limpos, com indicação dos artigos anteriores e posteriores, bem como o índice geral das matérias. Falta só um pouco das fotos e gráficos da versão impressa. Quem não gosta assim, a versão "Folha On Line", "Estadão" e "O Globo" são muito boas.
Antes de mais nada, eu sou bem velho, portanto não sou da geração de hoje. Devo lhes dizer que esta discussão sobre o que é melhor, o que vai sobreviver, o jornal de papel ou o livro e o jornal do computador estaria mal colocada. A grande questão é a antiga forma de distribuição dos jornais em papel, e ela já está mudando. Quem de nós não recebeu nos cruzamentos da vida jornais do tipo "Metro" e outros que o seguem, com artigos bem escritos, atuais e dinâmicos? Depois os leitores da telinha que me desculpem por este sacrilêgio, mas e a sua vista não conta? Estes usuários contumazes recebem a luz de frente e hoje em dia tem mais jovens necessitando usar os malditos óculos do que antes. O estrago causado por esta maquininha só vai aparecer com o tempo e com a idade e como fará falta de uma boa visão. Bem, não existe "sandwich grátis", como já diziam os nossos "irmãos" do norte, pois tudo tem o seu preço. Esta é a minha opinião sobre o assunto.