Agora virou moda jornalista do eixo Rio-São Paulo, aqueles que têm as respostas para tudo ou quase tudo, declarar que, diante do pragmatismo de Dunga, vai mesmo é torcer contra o Brasil na Copa. Uns vão torcer para o Uruguai, um grande time, cujo maior destaque é um certo zagueiro, meio grosso é verdade, que jogou no tricolor paulista há alguns anos. Outros vão de Holanda, a eterna Laranja Mecânica, que encanta tanto que esquece que futebol é um jogo de perde e ganha. Até pra Argentina, nossos eternos rivais, já vi jornalista dizendo que vai torcer. Claro, eles têm Messi, Tevez e Verón. E nós só temos Robinho, Kaká, Daniel Alves, Júlio César, Maicon e Luis Fabiano. Assim, lógico, a grama hermana só pode ser mais verde. Ainda que a geração de Messi e companhia tenha levado um baile do Brasil nos últimos confrontos. Ainda que a seleção principal da Argentina não ganhe um título desde a Copa América de 1993, há 17 anos. Ainda que a Argentina esteja na fila, em Mundiais, há 24 anos. Mesmo assim, os caras têm encantado muito mais.
Essa virada de casaca seria, para nossos periodistas, uma espécie de protesto contra Dunga e seus dez volantes. O time é burocrático, joga feio e tem muito defensor, dizem os rebelados. Por isso, o lance é torcer para times que encantam, como o Uruguai, que se classificou, como diz o clichê do jornalismo esportivo, na bacia das almas, com um gol de um cracasso de bola chamado Loco Abreu, que anda mostrando seu futebol refinado por aqui ultimamente. Ou para a Espanha, que nunca fez absolutamente nada em Copa do Mundo e só ganhou uma única vez o torneio europeu de seleções, depois de muito tentar.
A Copa do Mundo pode ser um torneio ordinário, com seleções que teriam dificuldade de ganhar a nossa segundona do Campeonato Brasileiro, mas é a única chance que se tem, em âmbito mundial, de saber quem é quem no mundo da bola. Então é no mínimo estranho escutar esse tipo de idiotice em um país onde o futebol é levado tão a sério. Claro, é preciso respeitar o livre arbítrio, mas nunca vi nenhum atleticano, aqui na minha cidade, dizendo que vai torcer para o Coxa porque o Furacão este ano não passa de uma brisa. Isso é simplesmente impossível. Mas com a seleção isso virou moda. Dunga é um cara tosco, que joga por resultado, então vamos torcer para a Argentina, que tem sete atacantes. Não consigo entender isso.
Estou pouco me lixando se o Júlio Baptista é reserva há séculos no time da Roma. Agora que o cara tá lá na África, vou torcer para que jogue mais que o Romário em 1994, pra que baixe um espírito muito louco no cara e o transforme em uma espécie de Garrincha com a classe de Zico. Que aquele toque de calcanhar que ele deu para o Daniel Alves no amistoso contra o Zimbábue vire regra em seu repertório. Que o Júlio Baptista faça outros gols como àquele por cobertura no Abbondanzieri na final da última Copa América, quando detonamos esse mesmo time argentino que encanta jornalistas brasileiros.
E não tô nem aí se o Dunga é grosso com a imprensa e é conservador em suas escolhas. Não tem como tirar o cara de lá agora, então pau na máquina, meu velho! Acho uma cretinice torcer contra o Brasil porque o técnico não convocou dois ou três figurões que se arrastaram durante quatro anos em seus respectivos clubes. Posso não entender nada de futebol, no que não estou sozinho, porque a maioria dos comentaristas também não entende, mas nunca afirmaria que o Júlio Baptista joga mais que o Ronaldinho Gaúcho. Mas acontece que o dentuço se arrastou durante quatro anos na ala esquerda do Milan e, faltando uns meses para a Copa, resolveu jogar. Já era tarde. O Adriano é melhor que o Nilmar e o Grafite juntos, mas pediu pelo amor de todos os funkeiros cariocas para que ficasse de fora. Faltou a treinos e caiu na farra.
Mas no Brasil qualquer um fala sobre futebol. Gostaria muito de escutar, por exemplo, um comentário de Diogo Mainardi, o grande reacionário de Veja, na rádio pela qual foi contratado. Imagino que, se o Brasil perder a Copa, Diogo Mainardi certamente vai dar um jeito de dizer que a culpa é da política externa do governo Lula, que não fez nada para barrar o pragmatismo de Dunga na seleção. No entanto, melhor do que imaginar o que o Diogo Mainardi vai falar sobre, por exemplo, um jogo entre Camarões e Dinamarca, é tentar desvendar o que passou pela cabeça de quem teve a ideia de contratá-lo para ser cronista esportivo. Falta de comentarista na praça não pode ser, porque no Brasil há mais dessa espécie do que praticantes de futebol. Então isso só pode ser fruto de uma epifania, sei lá?!
Nunca entendi muito esse negócio de jogo bonito. Bonito mesmo é ganhar, principalmente Copa do Mundo. Pergunte a um argentino se ele quer ganhar a Copa depois de 24 anos ou que Messi seja eleito melhor jogador e artilheiro do torneio. Os caras estão matando cachorro a grito. O time de 1994 do Brasil, que eu me lembre, não era nenhuma máquina. O meio campo tinha Mazinho, Zinho, também conhecido como enceradeira, e Mauro Silva. Raí, o craque do momento, amargou o banco depois de uma partida desastrosa. Mas nunca ouvi nenhum jornalista dizendo que tem vergonha daquele título porque o time de Parreira não encantou e ganhou a Copa nos pênaltis. Será que havia gente torcendo para que Baggio acertasse o pênalti só porque Dunga estava em campo?
Sempre achei a frase do Samuel Johnson que diz que "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas" tão ruim (quando aplicada ao futebol) quanto o conceito da tal "pátria de chuteiras". Nem um nem outro. As cenas piegas que tomam conta do noticiário em tempos de Copa são realmente de doer. Mas futebol é um esporte em que você escolhe um time ou, no caso das seleções, é escolhido por ele. Por isso, não dá para deixar de torcer pelo Brasil, por pior que seja o time e o técnico.