Tempo vida poesia 5/5 | Elisa Andrade Buzzo | Digestivo Cultural

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Quinta-feira, 14/10/2010
Tempo vida poesia 5/5
Elisa Andrade Buzzo
+ de 4100 Acessos


foto: Alberto Krone-Martins

"El cuerpo del sueño corre y se dispersa, vuela y se agrega
a los torrentes,
una por una tiemblan todas sus materias. (...)
a muy lenta marcha pasea el tiempo por los afluentes
del cuerpo" (Alejandro Ortiz González)

"Detrás del tórax-mesa-vidrio-tubo,
sortea toda pared, todo tejido (.)
hasta encontrar principio último tramo,
el más central, cercano de los mundos." (Carla Faesler)

No torvelinho das sensações gastas estou deitada numa maca macia, plumas espumas flutuantes, apenas uma camisola de pano bruto cobrindo o corpo, na cabeça uma leve touca, são muitas as luzes, rostos disformes, até que ponto posso distinguir entre o sonho e o real, aonde vou e o compasso que me leva, impulsiona, o guerreiro-águia sobe as escadas correndo, mete siriguelas na boca, ah, eu quero viver, beber perfumes, vou rangendo dentes e rodas até o centro cirúrgico, na coxia outros doentes aguardam, o médico fala no celular palavras também ininteligíveis, mas reconheço o timbre tenro, logo mais ele irá tocar meu ombro, morrer... quando este mundo é um paraíso, dissuadir-me do perigo, dormir, de vez, ao sabor da anestesia, mais rostos falantes, enormes e risonhos, morrer ― é trocar astros por círios, depois uma tela de alta resolução onde meu joelho será devassado, esta que será uma das duas mil cirurgias, mas o momento não é banal, eu iria declamar uma poesia, sete anos de pastor Jacó servia, mas a língua derreteu, uma leve picada de inseto em meu braço é o suficiente para entorpecer o corpo-consciência da palavra.

Ainda antes, na internação, flauta mágica, abro a boca, inclino o pescoço para trás e demonstro que não haverá problema se necessário entubar, você é jovem, magra, tudo bem, sem risco, a paciente está doente, mas parece acompanhante de convalescente, a altura das catedrais já não enfastia, da leitura dos poemas, dos sermões e das rezas restaram as palavras soltas, ditas como explicação dos males, quero boiar à tona das espumas, a cirurgia é pouco invasiva, mera rotina, eles sobem em pânico as escadas do templo, o alimento do sol será este sangue, mas não há profecia alguma de que os astecas devam procurar pés prateados cobertos por pedrarias raras (nelas estão as almas), e oferecer seu dono em sacrifício, embora o povo não se cansasse de olhar para os meus, envoltos em barata indumentária, ou seria meu passo manco, agora prestes a ser curado? Despedem-se de mim, com um leve aceno, as amenas antenas da cucaracha, o vinho do viver ante mim passa. Quando a poesia invade uma vida, fica difícil delimitar o que é a vida e o que é poesia. Quando a vida invade a poesia, não se distingue mais entre o que foi escrito, o que foi vivido e o que foi delírio.

Bajando por esta calle que tiembla desde la puerta hacia
sus cloacas enormes donde el sueño cae brillando como las monedas (Ernesto Carrión)

One-two-three-four Uno-do'-tres-cuatro O zumbido do ventilador só faz relembrar que está muito quente no subsolo do hospital I know you want me you know I want cha I know you want me you know I want cha Aquela mesma risadinha idiota do rapper Pitbull ressoa na rádio local. São Paulo, a princípio sem grandes novidades, é a mesma de sempre: grande, ruidosa, congestionada. Como a capital mexicana, mas diferente. Aqui a aparência é de realidade, urbanidade que vai se contornando como um traço cinza que se insinua, e mais um, e um viaduto, e um esboço de esqueleto se forjando em prédio novo, e um formigamento humano crepitando além das forças. Enquanto as músicas se repetem, a secretária preenche meus dados para as sessões de fisioterapia, que, após a cirurgia, deve reabilitar meu joelho. A viagem até as pirâmides e os passeios intermináveis pelo Centro Histórico mexicano romperam algo que eu não esperava. Depois, uma fissura incomensurável em alguma artéria mais frágil do meu coração. Agora eu não mais me arrasto pelo Paseo de la Reforma em busca de livrarias de poesia e artesanato mexicano, na esperança de que o Ángel de la Independéncia me tome pelos braços e me leve tão alto quanto a coroa de louro em suas mãos. No entanto, a ousadia de conhecer a beleza é merecedora de todas as cicatrizes e chagas que dela decorram.

Saio do hospital com o andar manco e os olhos cansados, em busca do silêncio e da frescura da capela São Joaquim. Os ambulantes me observam como observam qualquer transeunte cambaleante. Logo abaixo está o precipício que leva à via expressa 23 de Maio. Desvio, e me dirijo ao gradeado cubista. Subo a pequena escadaria. Uma mulher acende a vela e ajeita o microfone no altar. Clac, clac, cac, CLAC, vão se acendendo as luzes, da frente para trás, e o topo do grande lustre de cristal oferece um ultimato à penumbra. No calor de trinta graus da capital paulistana, a capela é um refrigério para ossos e alma, refúgio, leve fuga da outra vida, em meio às buzinas, que aguarda do lado de fora. Uma luz azul-amarelada se difrata através dos vitrais ― pela superfície translúcida vislumbram-se copas de árvores balouçando; passarinhos cantam e o ruído do tráfego a poucos metros se difunde doce aos ouvidos. Locus amenus. Como não poderia deixar de ser num ambiente árcade demais. Acaso a poesia seria outra se as cidades fossem assim, pouco citadinas, na cadência dos sinos? Fugere urbe. A fuga é inútil quando as amarras não se podem ver.

"Quem fica na frente é melhor", ordena brandamente a freira que me estende uma folha com hinos. Penso, "os últimos serão os primeiros", localizando chicletes colados no banco de madeira. Poderia desta vez até dobrar os joelhos sãos se quisesse; mas minha oração é leve, ondula sem necessidade de cerimonial ou imagem, embora hoje se insinue um ritual. A capela está relativamente vazia para as 17h27 de uma quarta-feira. A essa hora, a Basílica de Guadalupe deve estar lotada de fiéis. Ah, as loucuras das peregrinas que acampam descerimoniosamente no pátio externo e comem frango, se fartam de orações, as tranças bem presas e sujas. Aqui, a fé é mais contida.

Enfim, o religioso, que estava sentado até o momento encarando de leve o pequeno público, começa a falar. Esforço-me para compreender as linhas gerais do sermão, mas os ventiladores estão sempre aí, deturpando a fala dos padres e dos poetas. Os hinos são entoados como uma grande poesia ― fervorosa pelos mais experientes, tímida para os recém-chegados e, atrás de mim, uma voz ecoa numa estridência familiar. Ah, mas as leituras de poesia são assim, algumas estrondosas como os portentosos pulmões dos venezuelanos e dos equatorianos, algumas no ritmo sincopado do sono, outras ainda nos levam a lugares perdidos na memória, reconfortando dores amortecidas. "Come isto". E a hóstia, hora gloriosa do verbo palatável, começa a se dissolver em minha língua, embora um naco endurecido resista no céu da boca.

Nota do Editor
Leia também "Tempo vida poesia 1/5", "Tempo vida poesia 2/5, "Tempo vida poesia 3/5" e "Tempo vida poesia 4/5".


Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 14/10/2010

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