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Quarta-feira, 12/12/2001
Hoje é meu aniversário!
Paulo Polzonoff Jr
+ de 5300 Acessos

Hoje é meu aniversário. Ou amanhã, ou depois, ou ontem, ou anteontem, dependendo do dia em que você estiver lendo esta crônica. Hoje, dia oito de dezembro, é meu aniversário. Nasci numa manhã, às sete e quinze, diz minha mãe. Como é que ela tem a precisão deste quarto de hora, não sei, mas é assim que ela diz. Neste dia, oito de dezembro, nada de muito especial aconteceu na história da Humanidade. Um dia antes, Pearl Harbor havia sido atacado por japoneses; no dia do meu aniversário os americanos deviam estar contando os mortos... Mortos, aliás, não faltam no dia do meu aniversário, e ao menos dois merecem destaque: John Lennon, assassinado por um fã que acabara de ler O Apanhador no Campo de Centeio (livrinho inocente, a meu ver), e Tom Jobim, que para muitos é só nome de aeroporto, mas cuja canção Luíza (a não ser por um verso muito torto: “e a rosa louca”) me faz tremer. Hoje é meu aniversário.

Hoje é meu aniversário e eu tenho de comemorar. Pelo menos é o que diz uma amiga minha. Comemoro a meu modo: escrevendo. Agradeço a todos que me ligaram, me ligam e me ligarão pelos parabéns (procura-se um etimólogo que me diga de onde surgiu palavra tão feia: parabéns), mas tenho de ser sincero com vocês: não aprecio muito esta coisa de aniversário. É que no meio dos abraços sinceros sempre há os abraços de urso e eu não gostaria de ter a exata noção da Humanidade justamente hoje, dia oito de dezembro. Ano após ano, contudo, comemoro, e levantamos taças e barris e garrafas e latas e comemos o que estiver na nossa frente, para no ano que vem repetirmos tudo de novo, com uma estranha torpeza que se revela no nosso infantil olhar de incredulidade quando gritam: surpresa! e começam a cantar o parabéns-pra-você.

Hoje é o meu aniversário. Não sei se vai ter, ou já teve, bolo no trabalho. Quero dizer, eu acho que vai ter, até porque os dois últimos bolos no trabalho eu ajudei a organizar, mas eu gostaria que não tivesse. Não porque eu odeie as pessoas que trabalhem comigo. Na verdade, me dou bem com a maioria, o que é bem raro, em se tratando de Paulo Polzonoff Jr, o Difícil, mas eu queria mesmo era um parabéns silencioso, sem muito alarde. E bolo, gente, vocês sabem que eu não aprecio muito bolo e vai ficar constrangedor eu ter de comer uma coisa forçada... Olha eu aqui contando com o ovo antes de sair da galinha, como diria minha mui educada avó. Bem, mas hoje é meu aniversário e eu me sinto liberto para acreditar que vai ter bolo no trabalho (não teve!!), que vão me fazer corar e falar um monte de asneiras (nada disso aconteceu!!). Porque hoje é o meu aniversário e também, se não tiver bolo, eu não gosto de bolo mesmo.

Hoje é o meu aniversário e ninguém vai me dar um beijo na boca. Isso realmente me deixa triste. Pior ainda é pensar nas bocas que já beijei este ano e que nem devem se lembrar que hoje é meu aniversário. Porra, eu devo ser um canalha e tanto. Quero dizer, analisando bem, eu sou mesmo um canalha e tanto. A primeira, lá pelos idos de março, resolveu brigar comigo assim do nada, porque eu mandei um e-mail para ela dizendo que ela não estava gorda, como me dissera ao telefone anteriormente. Fui além e disse que ela estava bonita. E que a beleza dela, em certo sentido, me fazia mal, porque me trazia à tona lembranças. Só que a dita-cuja não entendeu o certo-sentido e me ligou esbaforida, dizendo que não haveria mais nada entre a gente e eu deveria entender isso. E desligou, seca como de costume. Vai envelhecer mais cedo, tenho certeza. A outra, mais para o meio do ano, esta eu não sei a quantas anda. Deve estar namorando alguém em cuja fé caiba o amor dela. É que, para ela, o amor tinha de caber na palavra Cristo, sabe como? E, tirando o erre e o ó, não há muito em comum entre o amor fraterno-erótico que vivíamos e a cristandade de supermercado na qual ela acreditava. Bem, como diz minha ex-psicóloga (vocês conhecem alguém que teve alta da psicóloga? Pois agora conhecem: eu. Aliás, sobre isso meu amigo Alessandro diz que ela só me deu alta porque não me agüentava mais. Deve ter certa razão, o desgraçado), eu me meto em cada uma... Depois teve aquela que eu tenho de manter em segredo, mas não queria. Deixe-me ligar para ela e perguntar se posso dizer. (Pausa) Ninguém atende ao celular. Então vai ficar assim em segredo mesmo. Pois essa ainda fala comigo, se bem que às vezes eu penso que por obrigação. Hoje é meu aniversário e é dia de lembrar de todas estas mulheres e de que eu não vou ter uma boca para beijar.

Ah, sim. Hoje é meu aniversário e eu não posso me esquecer que o estou comemorando completamente apaixonado. A última vez que isso aconteceu não deu muito certo. Nossa!, me lembrei de uma cena agora que os mais chegados também recordarão. Ano: 1999. Local: Bar do Alemão. No mesmo local: P, H e J. Que momento, aquele. Eu era querido por três garotas queridas. O que aconteceu comigo? Será que embruteci? Será que encanalhei? De qualquer modo eu estava falando que este ano vou passar o meu aniversário apaixonado. Vocês não a conhecem ainda e, para ser sincero, nem eu. Como eu queria um beijo silencioso dela neste meu aniversário...! Ela lá longe. Não sei se acontecerá jamais. A vida tem dessas contradições. Prometi, porém, que passaria o aniversário amando e, porque amando, sofrendo, já que ela não está aqui. Vou cantar “ah, se já perdemos a noção da hora” e pular para os versos “se na bagunça do teu coração meu sangue errou de veia e se perdeu” e não vou ter medo da pieguice porque eu estou apaixonado por você, D. E hoje, só para lembrar, é meu aniversário.

Hoje é meu aniversário e vou me cercar de pessoas queridas. Também vou lembrar daquelas que me abandonaram ou que eu abandonei. Aquelas que a vida vai deixando pelo caminho, como numa batalha os generais deixam no campo os feridos. Vou me cercar de amigos estranhos, que não sabem metade dos meus pecados mais graves e com eles vou me abraçar. Incrível, mas só com estes meus amigos é que eu consigo chorar ultimamente. Talvez porque conheçam o novo Paulo, que emergiu depois de um sem-número de Depakenes e outros remédios cujo nome não recordo. Dos que partiram, alguns ficarão na saudade. Outros nem tanto. Ainda bem que nenhum virou inimigo. Que se virasse, eu tinha de convidar para cear meu aniversário comigo e com meus amigos. Onde será que andam as pessoas que conheci lá nos anos oitenta? O Estevão, que puxava de uma perna e eu dizia que iria ser comentarista de futebol, porque não parava de dar opinião em tudo? Nossa, isso foi na segunda série! E o Fábio, cujo pai, irresponsável, nos deixava ter um laboratório de química num porão sem ventilação alguma e com aranhas bem grandes, embaixo da casa dele? Neste laboratório, para se ter uma idéia, certa vez eu me queimei (de leve) com ácido nítrico. E nossa maior diversão era misturar ácido (sulfúrico ou nítrico), com uma base qualquer. Eu gastava rios de dinheiro (leia-se: toda minha mesada) com tubos de ensaio que o tempo deve ter quebrado. Onde será que anda Elaine, a menininha que me iniciou nos prazeres da carne aos dez ou onze anos — ela sabendo muito mais do que eu? E aquela família que me ajudou quando eu fui descer uma ladeira na minha BMX Monark e me quebrei inteiro? Onde andará Simone, a primeira menina por quem me apaixonei de verdade e, às vezes penso, meu único grande amor? Todos morreram, de certo modo, e meu coração, por este prisma, é um grande cemitério com fotografias desbotadas em placas de bronze vagabundo, com uma longa epígrafe para cada defunto. Meus amigos, meus defuntos. Puta-que-pariu, hoje é meu aniversário.

Hoje é meu aniversário e eu vou lutar mas não sei se vou conseguir ficar bem. A depressão já vem vindo, posso sentir. É que o ano foi estranho. Veja o caso do trio de mulheres com as quais me relacionei. Coisa braba mesmo. Na Sexta-Feira da Paixão, que caiu acho que no dia 13 de abril, eu tive a maior crise depressiva da minha curta história. Fiquei catatônico e quase fui para o beleléu. Salvou-me o Alessandro, que ligava de meia em meia hora, perguntando como eu estava. Depois deste dia, por uma destas coincidências da vida (eu não consigo mais acreditar em coincidências depois disso), eu fui procurar um psiquiatra. Seria o último, eu jurara. Procurei a esmo no catálogo do plano de saúde. Atendeu uma secretária e disse que o Dr. Fulano não poderia me atender e me perguntou se poderia ser com a Dra. Letícia. Pode, eu disse, como quem dá de ombros, afinal, já tinha freqüentado consultórios de psiquiatras antes e eles só sabiam me dar antidepressivos que ou me davam diarréia ou me deixavam completamente broxa. Duas coisas lindas, né? Pois não é que a Dra. Letícia mudou isso? Descobriu que o que tenho não é depressão, e sim distúrbio bipolar, me deu remédios certos (sem mais diarréias ou broxadas deprimentes) e me indicou uma psicóloga, a Leila. Ah, a Leila, por quem, obviamente, me apaixonei (foi só uma transferenciazinha à toa, ela acredita). Ela tinha um sorriso lindo e, entre outras coisas, pôs um pouco de ordem na minha vida. Graça a estas duas criaturas geniais, hoje eu moro sozinho e gozo de certa saúde mental. Não completa, é verdade. Que me importa: hoje, porra, é meu aniversário!

Hoje é meu aniversário e eu não vou poder deixar de falar de duas pessoas que marcaram o ano de 2001 para mim: Alessandro Martins e Sâmar Razzak. O primeiro é um grandissíssimo filho da puta e quando eu digo isso eu lembro de um ex-professor que dizia que filho da puta pode, sim, ser um baita elogio. Basta imaginar a situação: um amigo lhe dá, de aniversário, um carro ou uma viagem para Veneza (situações hipotéticas, claro). Você vai de encontro a ele, dá um abraço e, de tão emocionado, não consegue se expressar. A única coisa que vem à sua gloriosa mente é: filho da puta. Portanto, o Alessandro é um filho da puta e eu assino em baixo. A única coisa que posso dizer dele é que é o único cara que me agüenta por completo. Ele simplesmente entende esta coisa complicada que eu sou. E eu só o conheço há quase dois anos. É incrível, coisa de alma gêmea, Mônica Buonfiglio, o caralho e tal. A outra, bem, a Sâmar é um caso sério. Eu diria até um caso perdido. Porque a gente vive brigando e fazendo as pazes. Só que eu não conheço, em toda face da porcaria de planeta Terra que eu tenho a infelicidade de habitar, ser humano mais humano que ela. E olha que ela é muçulmana, hein! A Sâmar sempre esteve presente nos momentos mais difíceis da minha vida e foi ela quem alugou este apartamento para mim. Eu simplesmente adoro estes dois e, não sei se já disse: hoje é meu aniversário.

Hoje é meu aniversário e eu não posso deixar de citar também o Flávio e a Simone, um casal de que eu gosto tanto que, se eles quisessem ter filhos, eu me proporia a filho mais velho, sabe como é, nascido aos vinte e lá vai cacetada. Aliás, vocês perceberam que eu não falei minha idade neste texto, né? Pois é, eu sei que a Leila vai implicar com isso, mas é segredo de Estado minha idade. Por quê? Porque sempre me julgaram mal por eu ser mais novo do que imaginavam. Então que imaginem uma idade para mim e que vivam com isso. Dou uma pista aos curiosos: tenho entre vinte e trinta anos.

Hoje é meu aniversário e eu estou sentindo, acho que pela primeira vez na vida, falta dos meus pais. Eles almoçaram ou almoçarão comigo (dependendo da hora em que vocês lerem, se lerem, este texto), me darão uns presentes, mas não estarão aqui. Sinto falta até de brigar com eles. Bem, mas hoje é meu aniversário e eu não vou ficar me lamuriando. Afinal, como diz a Cris, tenho é que celebrar. Se bem que eu gostaria muito que minha cachorrinha também estivesse aqui. E até aquela vaca da minha irmã, que deve estar sentindo a maior falta de mim lá em casa, mas quando eu vou lá ela não dá o braço a torcer e nem olha na minha cara. Damn it, hoje é meu aniversário.

Hoje é meu aniversário. Vou ganhar, sim, um beijo silencioso de você, D (aliás, já me sinto beijado). Vou ter meus pais aqui, de algum modo. Vou comemorar o fim da depressão ficando deprimido e chorando com os amigos. Vou dar um abraço no Alessandro e xingá-lo de filho da puta, que é isso que ele é, e na Sâmar eu vou dar uns cascudos, para ela deixar de ser burra e parar de brigar comigo. Vou lembrar das três garotas com quem me envolvi, mas sem ressentimentos, só com um odiozinho, afinal eu sou humano. Vou me esquecer daquela Sexta-Feira Santa. E, se calhar, vou até ver um filme do Woody Allen. Afinal, hoje é meu aniversário.


Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 12/12/2001

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