Havia alguma expectativa de, durante a viagem, descobrir por que eu nunca quis ir à Disney. Algo estranho na infância, quem sabe um desejo velado, inconsciente pela impossibilidade de realização do sonho, ou um traço de personalidade intocado pela análise. Outro adulto do grupo, também estreando por insistência dos filhos, atribuiu o desinteresse comum ao antiamericanismo que acompanhou nossa geração. Pode ser. Mas, diante da primeira "parada" de personagens, acenos da Minnie e do Pateta, encontro uma explicação mais simples: a intuição de que aquilo seria tolo, mesmo na infância. Sempre preferi Asterix ao Pato Donald.
Com a rotina de parques se estabelecendo, porém, pareceu surgir uma motivação. Para tudo. Para a noite econômica no avião, a paisagem barra-da-tijuca de Orlando, a comida horrível. Tudo seria compensado por dois minutos e meio em uma montanha-russa radical. É preciso se superar, colocar a Sheikra no currículo, despencar na vertigem furiosa do Hulk, enfrentar a escuridão alucinada ao som do Aerosmith, temer o confronto de trilhos dos Dragons, mergulhar de cabeça na Manta, ou de costas no Everest. Atrás do tal sentido, me submeti.
Fomos programados para receber altas doses de adrenalina na juventude, quando deveríamos sobreviver a ataques de animais ferozes, vencer privações e estresses inimagináveis, reagir rápido ao imponderável da natureza. Agora, com vidas seguras e previsíveis (especialmente na Flórida), pré-adolescentes e jovens adultos buscam sua droga nas armações metálicas intimidadoras, na superação de limites prometida pelas novas tecnologias. Os simuladores se sobrepujam e enganam os sentidos recém acostumados à ilusão do brinquedo anterior: é preciso dissimular a realidade. Sempre. Harry Potter me acena, e sigo suas manobras ousadas em minha vassoura, esquecendo os 40 minutos de fila.
Consta que o segredo do sucesso da Disney, multiplicado por outros parques de Orlando, é a fidelização. As pessoas - famílias e grupos - voltam. Por isso, além do serviço impecável, é preciso oferecer novidades de última geração. A cereja do bolo é a montanha-russa-troféu, onde todos provam sua bravura, com mais ou menos sofrimento. Descubro que a atração foi mesmo inventada na Rússia, onde trenós desciam por montes especialmente construídos no gelo. Não sei como era naquele tempo, mas hoje as únicas habilidades necessárias são a coragem de entrar no carrinho e a paciência para resistir à fila.
Não por acaso, as montanhas-russas mais extremas fazem alusão a monstros que precisam ser vencidos, como dragões ou o abominável monstro das neves. Nós, que insistimos na busca de um sentido, teremos o consolo de ser considerados heróis ao final do trajeto. Todo o tédio do fast-food será compensado com piruetas, sacolejos, reviravoltas no estômago. Depois da condecoração de hoje, outra deverá ser conquistada no parque programado para amanhã: a maior queda livre, a maior aceleração ou a maior velocidade. Na próxima montanha-russa, sou informada, acrescentarei ao currículo o maior looping invertido do mundo, seja lá o que isso for.
Nessas alturas (com o perdão do trocadilho), percebo a função da foto tirada no exato momento em que despencamos no abismo. Os heroísmos de hoje em dia precisam deixar registro. Assim como a festa não aconteceu se as fotos não foram parar no Facebook, o efêmero momento de bravura precisa de um flash para aumentar seu prazo de validade. Depois de sair do carrinho, e antes de passar pela loja de souvenires que também servem para validar a experiência, somos apresentados às nossas caretas fotografadas: sorrisos nervosos ou sofrimento explícito. No primeiro caso, compra-se a foto, a partir de módicos US$ 18.
Na tal montanha do looping invertido, a personalização do "passeio" vai além da foto. É preciso oferecer novidades, lembram? Novidades de última geração, que garantam o retorno anual das famílias e grupos de adolescentes. Na recauchutada Hollywood Rip Ride Rockitt, é possível escolher a trilha sonora do percurso e levar para casa a própria performance registrada em um DVD que mistura imagens externas com as caretas filmadas durante todo o tempo. Em breve, o flash único vendido em porta-retrato temático será tão ultrapassado quanto o bicho da seda ou o trem-fantasma do Tivoli Park. O que vão inventar para a próxima temporada?
Prefiro não saber. Voei, trepidei, dei cambalhotas no ar, me encharquei em falsas corredeiras, agüentei horas na fila, comprei a foto de meu sorriso nervoso. Ver a alegria e o êxtase das crianças fez valer o programa, sem dúvida. Mas "o sentido" continua me escapando. Difícil compreender por que uma tarde de domingo no Tivoli deve durar agora uma semana na Disney. São os novos tempos, as novas crianças, o novo Brasil globalizado. Somente depois de sete parques, os pais podem descansar ao final. Ufa.
Na noite econômica e exausta da volta, diretamente do último parque, brasileiros me repreendem por não ter arrumado tempo para compras. Era tanta bagagem de mão que o voo quase atrasa para se acomodarem os pacotes. Os preços realmente valem a pena, eu respondo, mas preferia ter arrumado tempo para garimpar um bom jantar. Aliás, trocaria minha dose de adrenalina diária por um bom jantar. Nesse momento percebo que, definitivamente, não fui "fidelizada" pela Disney. Se for para repetir um destino, que seja sempre Paris.
Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blogEspuminha.