COLUNAS
Quinta-feira,
10/3/2011
Sobre o Oscar Social
Vicente Escudero
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LIANA TIMM© (http://timm.art.br/)
Bem, é isso aí. O Oscar passou mais uma vez e, exceto pela opinião dos seguidores do Twitter de James Franco, a cerimônia foi uma droga. Enquanto a plateia morria de tédio assistindo a dupla de apresentadores, completada por Anne Hathaway no papel de cutucadora oficial de James Franco para lembrá-lo de suas falas, os prêmios eram distribuídos numa previsibilidade matemática. Entre a dislexia dos discursos e atrações terríveis, como Gwyneth Paltrow provando que existe constrangimento até para cantores de karaokê, a maior atração foi Kirk Douglas anunciando com suspense o prêmio de melhor atriz coadjuvante, enquanto James Franco tuitava fotos dos bastidores.
James Franco está em todo lugar. Enquanto você lê está coluna, ele dá aulas de interpretação na Universidade de Nova York. James Franco também está em uma dezena de curtas no Funny or Die, mostrando técnicas de atuação engraçadinhas e piadas sobre o filme 127 horas, a história de um sujeito que corta o próprio braço depois de ficar preso sozinho por mais de cinco dias num cânion em Utah, um cativeiro semelhante ao da plateia do Oscar: passada mais da metade da cerimônia, todos começaram a se identificar com a situação (créditos: Rick Gervais). Ele também está no Twitter enviando twitpics a cada meia hora, mostrando sua localização para adoráveis stalkers. Não deixa de comparecer a qualquer programa de televisão em que é convidado, está no cinema em 127 horas, além de protagonizar um vilão secundário em Besouro Verde. Ele também é garoto propagando da Gucci. James Franco é uma espécie de meme vivo, disposto a se completar com qualquer legenda. Este Marlon Brando da geração internet é capaz de fazer qualquer coisa. Só não é capaz de apresentar o Oscar.
Já Anne Hathaway foi mais previsível que as vitórias de O Discurso do Rei. Se o seu parceiro estava devagar e preso, Anne fez questão de seguir à risca o roteiro e alcançou seu objetivo: atingir a audiência mais jovem. O pior de sua apresentação também foi o pior do roteiro escrito para o show. Ela também pareceu menos culpada pela chatice das formalidades que James Franco. No final da cerimônia, os dois olhavam paras as câmeras quase se lamentando por terem cumprido com o prometido. Se foi esse o roteiro do show, a Academia, definitivamente, não entende o público jovem.
E foi este público que deve ter se surpreendido com a premiação de melhor filme para O Discurso do Rei, numa cerimônia que tentou a todo custo agradar a geração que acompanhava tudo no Twitter. Foi no mínimo estranho assistir a festa montada para atingir o público da internet terminar com a premiação da história de um rei gago, incapaz de discursar. Talvez fosse adequado trocar os vencedores das categorias de melhor filme e melhor edição. Em A Rede Social, as cenas são cuidadosamente recortadas para mostrar o isolamento social dos envolvidos na criação do Facebook, a história se passa entre vários tempos diferentes enquanto a audiência de seus fundadores no processo judicial se desenrola dentro de um escritório. Já em O Discurso do Rei, o papel da edição foi mais crucial, delimitou a característica moderna do roteiro e impediu que o filme se aproximasse de um documentário retratando o papel do rei Jorge VI na iminência da 2ª Guerra Mundial (somadas às atuações excelentes de Colin Firth e Geoffrey Rush). A forma como a câmera captou os momentos de conflito entre o rei e seu terapeuta e a divisão precisa das cômicas sessões de terapia determinou o absurdo da situação vivida pelos personagens. E ainda havia o nariz enorme sob o topetinho grudento de Geoffrey Rush sempre no centro das cenas, tentando minar o mau humor da majestade. A edição dos dois filmes foi muito boa, mas pelo tom da festa e pela longevidade que parecem prometer, A Rede Social levava vantagem para conquistar o prêmio de melhor filme, que poderia ter sido trocado com O Discurso do Rei pelo prêmio de melhor edição. Por essas razões e pela falta de originalidade do enredo, O Discurso do Rei parece estar prestes a entrar na categoria de ganhadores esquecidos como Crash, A volta ao mundo em 80 dias e Quem quer ser um milionário?, entre outros.
O prêmio mais justo da noite foi o de melhor trilha sonora para Trent Reznor e Atticus Ross, de A Rede Social, por uma composição que acompanha a solidão do ambiente digital frequentado pelos criadores do Facebook, mesmo vivendo numa república universitária, entre fraternidades, aulas e festas. O maior mérito da trilha sonora foi a fusão com os diálogos, atravessando todo o filme na mesma batida urgente das respostas prontas de Zuckerberg e cia. Trent Reznor e Atticus Ross entenderam bem a vaidade e superficialidade presente no ambiente frequentado pelos personagens e fizeram um trabalho que desapareceu na tela para aumentar a relevância do caráter dos envolvidos na disputa pela criação do Facebook.
Não surpreende que na cerimônia montada para agradar a geração de jovens presos ao computador, o filme que retrata com fidelidade a solidão desse ambiente tenha vencido exclusivamente as categorias técnicas de melhor edição, melhor roteiro adaptado e melhor trilha sonora. Enquanto James Franco, com seu tom blasé, desdenhava da plateia e usava seu iPhone no palco, deixando Anne Hathaway sem saber o que fazer, o roteiro involuntário da cerimônia seguia a cartilha dos geeks: mais vale usar um gadget sozinho do que uma boa festa. Essa é a geração que vai dominar o mundo pelos próximos vinte anos. Esse é o grupo que James Franco tentou agradar. Depois de uma apresentação tão ruim, duvido que ele ainda permaneça no Twitter.
Vicente Escudero
Campinas,
10/3/2011
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