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Terça-feira,
28/6/2011
Discos de Jazz essenciais
Jardel Dias Cavalcanti
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Dedicado ao Geraldo, que me apresentou o jazz e a Josiane, por seu anivesário e amor à música.
Para muitos, o jazz é uma razão de vida. Uma forma de ser, uma filosofia específica, uma espécie de cognição que determina a relação do ouvinte com o mundo. Como uma espécie de canto das Sereias, quem é tocado profundamente pelo jazz jamais se livra de seu encantamento. Um exemplo disso pode ser visto no personagem do filme Por volta da meia-noite (Round Midnight), dirigido por Bertrand Tavernier. Francis encarna um fã de jazz que pode passar por todas as necessidades da vida, menos a de ouvir jazz e de cuidar de seu ídolo, o venerado saxofonista Turner (interpretado brilhantemente pelo sax-tenor Dexter Gordon).
A origem do termo jazz é um mistério, embora se tenha algumas sugestões de explicação. Segundo Roberto Muggiati, no seu livro O que é o jazz, a palavra pode ter vindo de um monossílabo africano que significa "coito", ou do francês jaser (tagarelar), ou jaïza, do noroeste da África, que significa "o som dos tambores distantes". Outros dizem que deriva de jism , gism, jasm (que significa sêmem, energia, vigor). Ainda pode ter derivado da gíria elisabetana jass (agir com vibração e entusiasmo). Há ainda a crença de que a palavra derive de um escravo dançarino conhecido como Jass.
Segundo Muggiati, pode-se dizer que o princípio básico que diferencia o jazz das outras formas musicais é a improvisação, embora nem toda música de jazz seja improvisada. Louis Amstrong, ao definir seu próprio estilo, talvez defina bem o jazz: "no primeiro chorus eu toco a melodia; no segundo, a melodia em torno da melodia; e no terceiro eu me divirto".
A improvisação é "uma enorme caixa de supresas de onde, no calor de suas execuções, os músicos retiram seus fragmentos melódicos e no qual uma idéia emerge de outras correlatas, num encadeamento sem fim, num fluxo ininterrupto de idéias interessantes", segundo James Collier, no seu livro Jazz: a autentica música americana (Zahar).
Outra característica típica é a variedade do timbre que cada intérprete dá à música, personalizando-a em uma assinatura particular (ao contrário da sonoridade pura, ideal e despersonalizada da música erudita).
Embelezando o tema a partir de variações em torno dele, a melodia do jazz deve muito à música africana. Seu tom tem uma célula básica, o "blue note" (bemolização, ou diminuição de meio tom da terceira e da sétima notas da escala européia), que lhe dá o brilho característico. O ritmo, seu swing, nasce da polirritmia africana e dos ritmos europeus.
A harmonia não era própria à música africana, fazendo com que os negros criadores do jazz a absorvessem inicialmente da tradição européia de sistema harmônico simples, seja da polca, valsa, quadrilha, tango, habanera, operetas, hinos evangélicos e da música clássica ligeira. Mais tarde o jazz acompanharia as revoluções da música clássica, com seus músicos dialogando com Ravel, Stravinsky, Bartok, Debussy. Sabe-se, por exemplo, que Miles Davis estudava tocando as partituras de Stravinsky. Também vale observar que ouve influência da música negra norte-americana sobre a música erudita, como os casos de Gershwin, Milhaud, Stravinsky e Debussy, dentre outros.
Os instrumentos de solo, especificamente os de sopro (sax e trumpete), são característicos no jazz, assumindo importância fundamental. Seu uso se explica pelo caráter extremamente vocal da música africana, que fez com que os negros, ao terem contato com instrumentos europeus, vissem ali uma possibilidade de imitação da voz humana. Pois o que interessa mais ao jazzman do que a construção do timbre, uma prática que se efetua distorcendo os sons em imitação à voz humana? Da mesma forma que na linguagem africana cada palavra pode ter um significado dependendo de sua entonação, também no jazz o mesmo se dá na variação do timbre, onde uma mesma nota varia segundo esse princípio. "Lester Young achava que, mesmo tocando um instrumento, improvisaria melhor se conhecesse as letras das canções que faziam parte do seu repertório", anota Muggiati.
Quanto ao público de jazz, diz ainda Muggiati, "não é a massa que faz os discos de ouro ou de platina, mas uma pequena minoria, como aquela dos apreciadores da música clássica". Como a poesia, que parece ser lida apenas por poetas, o jazz é visto como música de músicos. Música "de pessoas possuídas por uma paixão fora do comum pela música".
Em tempos de uso social da arte, vale recordar as palavras do trumpetista Jimmy McPartland, que fala dos poderes do jazz: "atacados pelo vírus da música, o jazz proporcionava a emoção que, não fosse ele, teríamos ido procurar entre as atividades ilegais que floresciam então na nossa vizinhança".
O jazz variou estilisticamente desde seu nascimento em New Orleans, em 1910 (época em que já comportava seus principais elementos: o swing, a improvisação e o virtuosismo), passando pelo Swing (marcado pelas Big Bands), Bepob, Cool (iniciado por Miles Davis, que começou a tocar de forma camerística, mais calmamente), Fusion (também tendo Miles como iniciador e Chick Corea como continuador deste que é chamado de Jazz-Rock), Hardpop, Latin Jazz (fusão do jazz com a música afro-cubana) e Acid Jazz (também iniciado por Miles Davis, mistura o jazz, o rap e o dance).
Uma discoteca básica deve contemplar alguns discos de alguns dos maiores jazzistas da história, entre eles sugiro as seguintes audições:
De Miles Davis não se pode perder Kind of blue onde o trumpetista é acompanhado por músicos como John Coltrane (sax-tenor), Bill Evans (piano) e Paul Chammbers (baixo), dentre outros; neste disco podemos ouvir talvez as melhores gravações de "So what" e "All blues".
Já do saxofonista Stan Getz um disco memorável é Live at Montmartre, onde aparecem as músicas "Lady sings the blues" e a brasileiríssima "Canção do sal". Quem acompanha Getz no contrabaixo é o norueguês Niels Orsted Pedersen. Uma parceria que resulta brilhante.
Já dois pianistas de jazz fabulosos e gravando juntos é Contie Basie e Oscar Peterson, que criaram um disco radiante, que é Night Rider, radiante mas também com momentos solenes, como na gravação da famosa "It´s a wonderful word" em sua versão instrumental.
A coleção americana This is Jazz (Columbia) lançou um cd impressionante de Thelonius Monk, no seu volume 5, que trás a histórica Round Midnight, que por si só já vale a compra do disco. Monk usa o piano com uma imaginação indescritível, nos fazendo dançar em vôos melódicos que vão do melancólico à exaltação da energia do movimento contrastante entre os graves e agudos de seu piano.
De Chet Baker tudo é apreciável em sua delicadeza, sua forma caracteristicamente cool não só de cantar, mas de tocar seu trumpet, que o torna o mais lírico dos músicos de jazz. Aviso aos ouvintes: por trás da frágil voz sussurrada de Chet Baker esconde-se efeitos tão devastadores quanto "O grito", de Munch. Indico Chet Baker sings agains, vol. 2, onde aparecem as belísismas canções "Little girl blue", "Round Midnihgt" e "Deep in a dream of you", dentre outras.
De John Coltrane, o mais mítico de todos os músicos de jazz, índico I Love Supreme, de 1965, pois este é um dos momentos onde o jazz busca expressar o inefável, tornar-se espiritualidade pura. Joshua Redman dizia que este disco "não é apenas uma impressionante visão musical, é a visão". Ainda Indico de Coltrane e Don Cherry o The avant-garde(Atlantic), que tem Charlie Haden no contrabaixo, já deixando sua marca pessoal ao lado do grande Coltrane.
Uma pérola do saxofone é o disco Come rain or como Shine, de Dexter Gordon, rico e exuberante em invenções e improvisações inusitadas. Ao mesmo tempo sensual e ácido em suas melodias, com cortantes contrastes entre essas duas forças.
Para citar um disco bastante atual, não poderia deixar de lado o lírico e competente disco River, the Joni letters, de Herbie Hancock, que homenageia a cantora canadense Joni Mitchell. Sobre o piano de Hancock surfam as vozes de Norah Jones, Tina Turner, a brasileira Luciana Souza, Leonardo Cohen e a própria Mitchell. Quem acompanha Hancock é Wayne Shorter (sax) e Dave Holand (baixo). Há momentos de beleza extrema na releitura das músicas de Mitchell, principalmente quando o contra-baixo dialoga solitariamente com o piano de Hancock, e quando o sax e o piano fazem o mesmo.
Estes são exemplos particulares de algumas jóias do jazz, mas não se pode viver sem uma infinidade de outros músicos, cantores ou instrumentistas, como Ella Fitzgerald, Charlie Parker, Billie Holiday, David Brubeck, Pat Matheny, Amstrong, Gillespie, Ornet Colleman, Art Tatum, Leste Young e muitos outros. A lista seria infinita.
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
28/6/2011
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