Senhora Victor | Guilherme Pontes Coelho | Digestivo Cultural

busca | avançada
111 mil/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Cia Truks comemora 35 anos com Serei Sereia?, peça inédita sobre inclusão e acessibilidade
>>> Lançamento do livro Escorreguei, mas não cai! Aprendi, traz 31 cases de comunicação intergeracional
>>> “A Descoberta de Orfeu” viabiliza roteiro para filme sobre Breno Mello
>>> Exposição Negra Arte Sacra celebra 75 Anos de resistência e cultura no Axé Ilê Obá
>>> Com Patricya Travassos e Eduardo Moscovis, “DUETOS, A Comédia de Peter Quilter” volta ao RJ
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
Colunistas
Últimos Posts
>>> O MCP da Anthropic
>>> Lygia Maria sobre a liberdade de expressão (2025)
>>> Brasil atualmente é espécie de experimento social
>>> Filha de Elon Musk vem a público (2025)
>>> Pedro Doria sobre a pena da cabelereira
>>> William Waack sobre o recuo do STF
>>> O concerto para dois pianos de Poulenc
>>> Professor HOC sobre o cessar-fogo (2025)
>>> Suicide Blonde (1997)
>>> Love In An Elevator (1997)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O Velho e o Grande Cinturão dos Peso-Pesados
>>> George Sand faz 200 anos
>>> Riobaldo
>>> André Mehmari, um perfil
>>> Do outro lado, por Mary del Priore
>>> 13 musas da literatura
>>> Mais Kaizen
>>> Anchieta Rocha
>>> O nome da Roza
>>> Máfia do Dendê
Mais Recentes
>>> Cuidado, Não Olhe Pra Trás! de Stella Carr pela Moderna (2003)
>>> Amor De Perdição de Camilo Castelo Branco pela Scipione (2006)
>>> Fala Serio Professor de Thalita Rebouças pela Fisicalbook (2006)
>>> Os Lusiadas de Rubem Braga e Edson R. Braga pela Scipione (1997)
>>> Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis pela Ciranda Cultural
>>> O Mulato de Aluísio de Azevedo pela Ciranda Cultural (2025)
>>> Senhora de José de Alencar pela Ciranda Cultural
>>> A Lírica Trovadoresca de Segismoundo Spina pela Grifo (1972)
>>> Kundalini de G. S. Arundale pela Pensamento (1987)
>>> Como Estimular A Inteligência Do Seu Filho de Vários Autores pela Reader´s Digest (2007)
>>> Gênese e Estrutura da Antropologia de Kant - A Ordem do Discurso de Foucault pela Folha de São Paulo (2015)
>>> O Zen na arte de conduzir a espada de Reinhard Kammer pela Pensamento (1987)
>>> Sugestões para o estudo do Bhagavad-Gitá de Annie Besant pela Pensamento (1987)
>>> Terceira Margem - Pensando o carnaval na academia de Vários Autores pela Ufrj (2006)
>>> A sabedoria dos Upanixades de Annie Besant pela Pensamento (1987)
>>> De Empreendedor E Louco Todo Mundo Tem Um Pouco de Linda Rottemberg pela Hsm (2015)
>>> A Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo pela Paulus (2009)
>>> Reencarnação de Annie Besant pela Pensamento (1991)
>>> Dharma de Annie Besant pela Pensamento
>>> Os mestres de Annie Besant pela Pensamento
>>> Formalismo e Tradição Moderna - o problema da arte na crise da cultura de José Guilherme Merquior pela Edusp (1974)
>>> Do recinto externo ao santuário interno de Annie Besant pela Pensamento (1990)
>>> Dom Quixote de Miguel De Cervantes Saavedra pela Abril (1978)
>>> A Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo pela Ciranda Cultural
>>> Saudades do Carnaval - introução à crise da cultura de José Guilherme Merquior pela Forense (1972)
COLUNAS

Quarta-feira, 13/7/2011
Senhora Victor
Guilherme Pontes Coelho
+ de 4200 Acessos
+ 1 Comentário(s)

O Império do Sol, de Steven Spielberg, é um dos filmes a que mais assisti na vida. É uma película recheada de cenas afamadas. Eu poderia passar horas aqui digitando sobre cada sequência deste filme, ou sobre a direção virtuose de Spielberg, ou sobre o desempenho impressionante do garoto Christian Bale. Mas a cena d'O Império do Sol que sempre me vem à mente, de imediato, quando ouço ou leio sobre o filme, é aquela quando Jim Graham (Bale) vê a "alma" da recém defunta senhora Victor (Miranda Richardson) "subindo ao Paraíso".

O aerófilo Jim, filho único, vive com os pais em Xangai, um casal importante na indústria têxtil, eminentes entre os ingleses ricos que recriaram sua própria Liverpool em solo chinês. Casas, ruas, igrejas, comércio, escolas: em 1941, tudo parecia ter sido transportado da Grã-Bretanha, como acontecia desde o século XIX. Um universo próprio, habitado por figurões de sotaques campanudos, servidos por chineses secretamente rancorosos. Então os japoneses tomam a cidade. Quem não pode fugir a tempo teve de se acostumar à hospitalidade dos invasores. Foi durante uma tentativa de fuga que Jim se perdeu dos pais e, depois de passar por alguns estrupícios perdido na rua, acabou hospedado num campo de concentração para ocidentais, quase todos ingleses e americanos.

Neste acampamento, Jim deixa de ser o garoto aristocrático, de vocabulário pomposo e modos afetados, para ser um jogador, um safo sobrevivente. Mas mantém o coração generoso e os sonhos aeronáuticos. Estes, ininterruptamente alimentados pelos aviões pelos quais é apaixonado e com os quais não para de sonhar, porque os vê diariamente: ao lado do campo de concentração, funciona uma escola preparatória de kamikazes.

É neste resort que Jim conhece a senhora Victor, acompanhada pelo marido, senhor Victor, que mais tarde a abandonará, o que tornará a relação entre ela e o garoto mais estreita, mesmo que por pouco tempo. Jim desenvolve por ela uma afeição ora cortês, ora edipiana, que ela retribui, como uma Jocasta distraída, insensibilizada pelo purgatório hostil onde vive.

Então, em 1945, depois de um bem-sucedido ataque aéreo norte-americano às instalações japonesas (a escola kamikaze é destruída), os militares japoneses abandonam a base. Os ocidentais, estropiados e famintos, guiados pelos japoneses, migram para o norte. A primeira baixa é o senhor Victor. Que some, simplesmente.

Ao entardecer, o êxodo chega ao Estádio Nantao, que funcionava como depósito de pilhagem. Carros, espelhos, estátuas, motocicletas, candelabros, pias, cristaleiras, bebidas, vasos, pianos, relógios, sofás, quadros, púlpitos, todos os bens, aparentemente, que os japoneses puderam subtrair. Jim é avisado por um dos migrantes ingleses de que é melhor continuar a caminhada, mas a senhora Victor, doente e mentalmente debilitada, pede a ele que fique, porque "aqui é melhor" - um estádio abandonado no meio nada e sem água ou comida. Jim cede e fica, e sugere à senhora Victor, a fim de enganar os soldados, que se finja de morta. Ambos se deitam no chão (anoiteceu) e dormem. Mas só Jim acorda pela manhã.

Esta é a cena. Jim acorda e contempla a senhora Victor deitada na grama, morta. Jim parece desinteressado e ocioso. A senhora Victor morreu. Ela havia pedido que ele ficasse para acompanhá-la e ele, sabendo que não seria uma escolha sensata, ficou. Havia algo suficiente entre ambos para o pedido dela ter sido atendido. Ela havia despertado nele o desejo sexual, quando, numa noite quente no alojamento onde viviam, ele a observou dormindo (a pele branca e úmida de suor, os lábios entreabertos). Pouco depois desta noite ele deixou o alojamento para ir morar com os americanos, Basie (John Malkovich) e sua gangue. Mas ele acabou retornando ao "cômodo" que dividia com o casal Victor. Ela então o recebeu, como uma mãe receberia. Foi terna e atenciosa, puxou da mão dele a maleta, abriu-lhe espaço para cama e dispôs, com delicadeza, o avião miniatura sobre a cômoda.

Jim tinha muito apreço por ela, para dizer o mínimo, já que em situações extremas, como sobreviver em um campo de concentração, o simplório termo "apreço" tem outras proporções. Ele gostava dela e, agora, ela estava ali, à sua frente, morta. Um baita problema para mente de um garoto que se dizia ateu. Como conciliar a memória de uma mulher que, mesmo de forma pouco explícita, fez as vezes de mãe e de amor platônico com a sensação de ver aquele corpo inerte e irrelevante?

Jim tinha passou a ter outro entendimento da vida desde que chegou ao acampamento. Ele já não se lembrava do rosto dos pais e, para enriquecer a dieta com proteínas, comia os carunchos que vinham no arroz com batatas. Ele, sob a tutela de Basie, estava tratando a vida como uma grande gincana da seleção natural. Aprendeu artifícios e manhas para todas as situações e era um aluno nota dez na "universidade da vida" (palavras dele), sobretudo na disciplina sobrevivência (ênfase minha). Mas a morte da senhora Victor parecia não ter resposta. Não havia macete para compreender aquele fenômeno. Basie não teria a chave daquele enigma.

Jim olhava a defunta. Só olhava.

Fui um clarão que iluminou o corpo da senhora Victor e fez Jim despertar da indiferença. Um clarão, seguido por raios coloridos fugindo no céu, rajando-o em tons de violeta, rosa, azul, verde. Jim, maravilhado, viu a alma da senhora Victor subindo ao Paraíso. Sentiu-se feliz. Abandonou o corpo que foi da senhora Victor e seguiu sua jornada, sozinho.

Uma única alma, egressa de um corpo esgotado, para o menino órfão, era capaz de cobrir o céu, à luz do dia, de mais luz, em cores vibrantes e bonitas. Era o quanto a alma da senhora Victor representava. Uma única alma. É impossível ir além disso. Impossível conceber de forma mais intensa e ingênua a grandeza de um espírito. É incomensurável.

Mas veio a realidade enquadrar as coisas em sua singular escala de grandezas. Jim, continuando sua jornada, ao topar com o primeiro rádio que lhe apareceu, soube que quem coloriu o céu não foi a senhora Victor, mas a bomba atômica. Uma desilusão igualmente incomensurável. Não pela capacidade humana de destruir (essa é conhecida), mas pela trivialidade de uma única vida. Ele acreditou que uma só alma preenchesse o céu.

Nota do autor
Ao contrário de outros filmes baseados em livros, não tenho curiosidade em ler o livro homônimo de J.G Ballard. O trabalho de Spielberg é tão sagrado que mesmo ler o livro de Ballard, que é autobiográfico, seria conspurcar minha relação com o filme. Cedi a uma superstição boba e, perdão, Ballard, não o lerei.

Para ir além









Guilherme Pontes Coelho
Brasília, 13/7/2011

Quem leu este, também leu esse(s):
01. O ponto final da escrita cursiva de Vicente Escudero
02. Cinema de autor de Marta Barcellos
03. História da leitura (VI): o iPad aponta o futuro? de Marcelo Spalding


Mais Guilherme Pontes Coelho
Mais Acessadas de Guilherme Pontes Coelho em 2011
01. A sordidez de Alessandro Garcia - 9/2/2011
02. Cisne Negro - 16/2/2011
03. Pequenos combustíveis para leitores e escritores. - 7/9/2011
04. Churchill, de Paul Johnson - 2/2/2011
05. Derrotado - 2/3/2011


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
13/7/2011
14h19min
gostei da abordagem, montana. mas, ao contrário de vc, eu sempre quis ler a história em livro. uma hora ainda o farei hehehehe abraço!
[Leia outros Comentários de alex]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Uma Historia Do Outro Mundo Regina Sormani Fer Ed. 2006
Regina Sormani
Cortez
(2006)



A História da Gastronomia
Maria Leonor de M S Leal
Senac Sp
(1998)



Jingle Bela - A FIlha do papai Noel
Paul DIni
Pixel
(2006)



A Imprensa de Esquerda e o Movimento Operário 1964-1984
Celso Frederico
Expressão popular
(2010)



Adivinha Onde Estou?
Sonia Junqueira
Autêntica
(2017)



Fundamentos Educacionais para A Escola do Espírito
Alzira Bessa França Amui
Esperança e Caridade
(2011)



Concursos Públicos Matemática
Sérgio Ramos
Gold
(2011)



O Pum E O Piriri Do Vizinho
Blandina Franco
Companhia Das Letrinhas - Grupo Cia Das Letras
(2016)



Política Internacional Contemporânea
Thiago Gehre Galvão
Contexto
(2024)



Revista Piauí 63
Piauí 63
Companhia Das Letras





busca | avançada
111 mil/dia
2,5 milhões/mês