COLUNAS
Sexta-feira,
16/9/2011
Minha cartomante não curte o Facebook
Ana Elisa Ribeiro
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Há tempos ando encafifada com o papo da cartomante. Ela foi enfática em dizer que minha alma gêmea não virá pela internet. Meu Deus, mas eu nem disse nada. Como ela foi saber que fico grudada no computador o dia inteiro? Chute digital. Acertou na mosca. Vivo pendurada no PC e no netbook, com meus modems e minhas conexões wireless roubadas, gatos eletrônicos e desesperos conectivos. E ela disse, com todas as letras: "E nem adianta ficar saindo muito para a balada não, ó. E nem é coisa de internet".
Cismei geral. Será que ela tem preconceito contra relacionamentos virtuais? Será que a cartomante viveu um dissabor eletrônico? Será que ela ouviu mesmo a tal cigana que dá vidência a ela? Será que a cigana, lá do além onde ela mora, já sacou que as redes sociais e a internet, de forma geral, andaram desarranjando aquele velho jeito de juntar gente? Será que os cupidos já andam com tablets? Bom, só sei que fiquei pensando que minhas chances de encontrar a tampa da minha panela são mesmo maiores na web. Ou não? Não sei se a tampa certa, mas sei que há tampas soltas (e nem tão soltas) à pampa pela rede.
Vai ver a cartomante é analfabeta digital. Será? Não creio. Soube que ela tem curso superior e saca muito de computadores. Mas por que será que ela me disse isso? Eu podia bem ser uma avessa às parolas virtuais. Ah, mas estava lá, escrito, dentro da bola de cristal dela: essa moça é veterana nessa coisa aí de conhecer gentes digitais. Já contei sobre isso aqui antes.
Não é de hoje que junto amigos e namorados nas mesas de chats e comunidades. Tudo bem que foi tudo por água abaixo, mas não me lembro de garantir nada melhor quando só conhecia gente no mundo real. Daí fiquei lembrando dos meus amigos menos líquidos do que eu. Ó, vejam como foi com o RR (evitarei explicitar os nomes desses felizardos): estava entediado em Belo Horizonte, chateado numa sexta-feira, sem grandes perspectivas para o final de semana e resolveu ir para a rodoviária. Lá escolheria um destino de ônibus. Pronto. Cidades do interior. Minas tem zilhões delas, talvez seja o estado brasileiro que mais as tem. Não falta cidadezinha onde descansar, onde conhecer igreja-praça-baladinha. E lá foi ele. Chegou num guichê e comprou passagem, talvez para Ouro Preto ou Divinópolis, não me lembro mais. Tinha ouvido falar de qualquer festa ali ou acolá. E foi. De mochila nas costas e uma solidãozinha insolente na cabeça.
RR subiu no ônibus, pôs a mochila no compartimento acima da cabeça e se arranjou (grande como é) no banco de número par ou ímpar, não me lembro. Não sei se foi corredor ou janela. Só sei que se sentou ao lado dele, de repente, uma moça linda e disposta a conversar. Nem sei se bem disposta assim. Sentou-se ali e pronto. E ele, simpático como é, tratou de fazer qualquer pergunta, que rendeu um papo, que rendeu um término do namoro dela, que rendeu um namoro com ele, que viajou com ela para a Europa e isso deu em casamento. Isso. Vamos resumir assim, meio à maneira de Drummond.
Noutro cenário, minha amiga CL, grandona e bonita, cansadíssima de um namoro a distância desses eternos, cheios de vai-não-vai, resolveu abrir os olhos. Basta isso, às vezes, abrir os olhos. E ela, gerente de uma editora, foi incumbida de entrevistar vários candidatos ao cargo de designer. Anuncia, marca, recebe, entrevista, num mood meio entediado, blues, jazz, improviso bemol. Tá. Até que um dia entrou lá um moço alto (mais que ela, milagre nestas Minas Gerais), louro, de doces olhos azuis, brinquinho de um lado, sorriso do outro. Pronto, falei. Vi tudo. E ainda (eu, colega de trabalho dela) zoei: "Já até sei de quem é a vaga". Ela disse um "deixa disso" cheio de malícia e ainda defendeu que "o cara é bom, tem bom currículo". Tá. E aqueles olhos azuis? Entraram na avaliação?
Sim, o cara era bom, talentoso e, de quebra, solteiro e bonitão. Amizade fácil, almoços infinitos no mesmo lugar. Ali e aqui, acolá também. Eles começaram a ficar discretos e então resolveram namorar. O namoro deu em juntamento, que deu em casamento, que deu em uma união bem bonita de se ver. Eles se puxam para cima, entendem? Lembro vagamente de como é isso.
Vendo assim fica mais bacana pensar que os acasos vão se acasalando e fazendo as pessoas entrarem em contato. O amigo do meu amigo que vira meu namorado; o colega do meu primo que me é apresentado (foi a única situação realmente prolífica da minha vida, viu); o inimigo do meu vizinho que me parece bacana; o músico da banda do meu amigo; o irmão da minha chegada. Assim, de verdade, olhos nos olhos desde o primeiro lance de dados. Mas isso não descarta minha cisma com a cartomante analógica. No caso das mídias digitais, a escrita faz o papel da isca, sedução demais que muita gente sabe inscrever nas entrelinhas antes de enviar as fotos. E não é assim? Hoje em dia tem o avatar, que facilita uma visão (em geral, superdistorcida, fique claro) da figura que se vai, talvez, encontrar.
Então tá, dona cartomante, vou passear pela praça, entrevistar uns candidatos à vaga, pegar um avião (acho mais promissor) para qualquer lugar. Mas ó, posso passar meu e-mail e meu Facebook pro candidato ao meu coração? :D
Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte,
16/9/2011
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