COLUNAS
Terça-feira,
25/10/2011
A poesia de pedra de Beatriz Luz
Jardel Dias Cavalcanti
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Acaba de ser lançado pela editora 7 Letras o livro Vidapedra, da poeta e artista plástica catarinense Beatriz Luz. O livro é dividido em 4 partes não nomeadas, tal como os poemas que não são também intitulados. Cada parte tem um número específico de poemas, perto de dez. O prefácio é de Adolfo Montejo Navas.
É um livro duro, como uma pedra. E o título, Vidapedra, estampado na capa sobre o granito, aproxima o que está dentro do livro e que pode ser resumido no poema número 8, da segunda seção:
Tenho uma pedra
sobre a boca
e outra
sobre o coração.
Com uma pedra sobre o coração, a boca expressa também no peso da pedra a sua dureza. Em geral, os poemas são pequenos, no entanto, buscam uma espécie de reflexão filosófica sintética e nada positiva sobre a vida. Um dos temas recorrentes, às vezes claro, outras vezes camuflado, é a morte. Como no poema 6 da primeira seção.
Tudo é leito
horizonte horizontal
estendidos lençóis
e faz frio
e faz paz
e faz sono.
A poeta parece criar versos que se movem sempre dentro da idéia de desterro. Mesmo o céu azul, lugar do infinito, das possibilidades e dos sonhos, torna-se, na sua revelação, uma ameaça:
O que se esconde
por trás do azul?
Olhos faíscam
céus imaginados
lâminas de aço
possível punhal.
A dialética negativa entre imagens que representam a vida em movimento, como "água correndo", e a imagem das impossibilidades, como "impossíveis avencas", marca boa parte dos poemas.
Há uma contra-produção de positividades, mesmo quando sua afirmação se dá em palavras que as indiquem. Se há "achados", há "perdidos". Se há "chuvas", há "farrapos de nuvens e fios distorcidos". Se há "relógios de sol", há "sombras da mesma hora". A penumbra sempre vem sorrateira para dobrar qualquer fio de claridade que queira se apresentar.
A epígrafe que abre o livro, de Juan Brossa, dá a medida dessa poesia: "Escuto uma voz dentro da pedra dura". O que a voz diz, é o que a poesia de Beatriz Luz nos comunica. Não há sonho, e se ele existe, torna-se pesadelo de morte, como no primeiro poema da primeira seção:
Sonho
águas em torno.
Do afogamento
não lembro a data.
Foi no tempo de preamar.
O hálito da vida não ressoa leve, ao contrário, é pesado, e o caminho onde deita é pedregoso, como no poema 6 da última seção:
Caminhos pedregosos espelham
no chão o peso do ar
que respiramos.
O desgaste da vida, sua impossibilidade na duração, aparece metaforicamente no poema 3, da segunda seção. O paraíso e a beleza que lhe resta não são senão "terracota arruinada":
Da casa
resta a beleza
terracota arruinada
este canto foi
paraíso que conheci.
Estes poemas só podem ser escritos como "poemas-fragmentos", como os nomeia Adolfo Montejo Navas. Desfazem-se dos ornamentos pueris para atingirem direto o sentido do enigma que é viver. Se são poemas quase objetos, ou partes de objetos, é porque a "vida mínima" assim também o é. O vínculo entre arte e vida aqui se revela na diferença, não na aproximação. Não há transcendência em tornar a vida arte, pois a arte é também como a vida, pedra. O arco-íris desaparece para aquele que caminha em sua direção, como a vida desaparece para aquele que usa a arte para encontrá-la. Eis a dureza dessa poesia de Beatriz Luz.
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
25/10/2011
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