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Quinta-feira,
27/10/2011
House e o retorno dos fãs
Carla Ceres
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O final da sétima temporada de House deixou milhares de fãs furiosos com os roteiristas. Redes sociais, fóruns e blogs fervilharam com comentários do tipo: "Como puderam fazer isso com o House? Esses roteiristas ficaram doidos! O House pode ser tudo, mas não é um assassino. Nunca mais assisto essa série."
Com o objetivo de obrigar os roteiristas a rever suas posições, pipocaram sugestões de boicotes, abaixo-assinados eletrônicos, pressões via Twitter, Facebook e e-mail. Parte dos fãs, a parte que realmente merece ser chamada de fanática, queria dar um Ctrl+Z no último episódio, desfazer aquele erro inaceitável. "E daí que já foi ao ar? Podem dizer que foi tudo um sonho", garantiam.
As mudanças no perfil do telespectador brasileiro vêm acontecendo na mesma velocidade dos avanços tecnológicos, desde o surgimento das primeiras telenovelas, quando era comum haver uma certa confusão entre ator e personagem. Ainda em 1977, a atriz Léa Garcia, intérprete da vilã Rosa, em A escrava Isaura, era hostilizada na rua.
Em poucas décadas, o autor passou a ser visto como o contador solitário de uma história fechada, na qual atores e espectadores não podiam interferir. O espectador mais atento até sabia da existência de pesquisas de opinião encomendadas pelas emissoras, para decidir o destino de personagens, mas isso estava longe de ser um Você Decide, programa interativo da rede Globo, exibido na década de 90, no qual o público optava por telefone, entre dois finais para uma história.
Com a internet, as pessoas vêm se acostumando à interatividade e à customização do conteúdo. Quem ainda não posta fotos e vídeos na rede, com certeza conhece alguém que faz tudo isso e muito mais. O espectador atual sabe muito bem que uma história pode ter mais de um autor e que o fim da trama pode ser alterado a qualquer momento.
As próprias séries mudaram. No intuito de cativar um público que zapeia sem cerimônia, adotaram características de novela. Os episódios ainda contêm histórias individuais, independentes. Contudo não podem mais ser exibidos fora de ordem, porque estão presos a uma história maior, que se desenvolve lentamente, ao longo da temporada. Desse modo, as próprias temporadas exigem a ordem correta de exibição. Quem gosta de House costuma estar mais preocupado com o romance entre o Dr. House e a Dra. Cuddy do que com qual doença misteriosa atingiu seus pacientes.
Em uma das melhores temporadas de House, o protagonista vai enlouquecendo aos poucos e termina se internando em uma clínica para doentes mentais. Nesse meio tempo, cura vários pacientes. Pouca gente se importa com quais doenças foram descobertas. O fascínio do Dr. House sobre o telespectador se baseia em sua genialidade para diagnosticar, charmosamente desprezando normas e superiores.
O espectador comum até consegue criar apresentações lacrimogêneas em PowerPoint e vídeos caseiros engraçadinhos. Em geral, faz isso tudo sem noção de roteiro e se sai relativamente bem. O problema desse criador sem noção aparece quando ele resolve interagir com roteiristas profissionais de igual pra igual. Sim, a internet nos permite bombardear roteiristas com nossos palpites e protestos, mas nos deixa longe de uma coautoria satisfatória.
Escritores/roteiristas conhecem truques que lhes permitem desagradar-nos e sair impunes, dominam técnicas e recursos para levar o leitor/espectador no bico. Mal se iniciou a oitava e, talvez, última temporada de House, os milhares de espectadores, que juraram não assistir à série nunca mais, retornam rapidinho.
Criou-se um vínculo entre o Dr. House e seus fãs, uma relação de admiração, revolta e identificação. O fato de House perder a cabeça e tentar matar sua querida Dra. Cuddy terá que ser superado. Os roteiristas facilitam esse processo iniciando a temporada com o médico cumprindo pena em um presídio, medida que acalma a ala conservadora dos palpiteiros.
O espectador costuma querer um final feliz o quanto antes. Pouco lhe importa que isso contrarie a lógica do personagem. Desde o começo, o Dr. House é brilhante, charmoso, prepotente e autodestrutivo. Ele quase sempre vence as doenças que enfrenta. Isso é animador. Mas quase sempre, também, dá um jeito de prejudicar-se seriamente. Isso nos mantém na torcida por ele.
Se os roteiristas tivessem atendido aos fãs, que tentam fazer o Dr. House abandonar o vício e viver feliz desde o princípio, a série teria se tornado tediosa e ido a pique em meia temporada. Manter o espectador no limite da contrariedade e da admiração garante vida longa e próspera a qualquer série.
Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/
Carla Ceres
Piracicaba,
27/10/2011
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