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COLUNAS
Segunda-feira,
26/3/2012
Contos fantásticos no labirinto de Borges
Gian Danton
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Jorge Luís Borges é um dos escritores mais importantes de todos os tempos. Numa relação que vai do semiólogo Umberto Eco ao roteirista de quadrinhos Neil Gaiman, são muitos os autores influenciados por sua obra e suas ideias. São tantos os elementos borgeanos em O nome da rosa que há quem diga que o livro de Eco é quase um plágio do trabalho de Borges. A biblioteca do sonhar e o labirinto do Destino em Sandman, de Gaiman, são exemplos tipicamente borgeanos dessa HQ.
Identificar os autores influenciados por Borges é uma aventura fascinante, mas igualmente instigante é descobrir os autores que influenciaram esse grande escritor, ou que poderiam tê-lo influenciado. Esse é o objetivo de Bráulio Tavares na coletânea "Contos fantásticos no labirinto de Borges". O livro reúne desde autores que nitidamente influenciaram o autor argentino, como Edgar Alan Poe, até aqueles mais novos que ele, mas que trabalharam temáticas semelhantes e podem ter vivido uma relação de influência mútua, como é o caso de Ray Bradbury.
Um dos pontos altos da obra é o pósfacio escrito por Tavares em que ele analisa a obra de Borges e a relaciona com os contos escolhidos, destrinchando elementos em comum.
Um dos tópicos mais famosos é o do livro sonhado, mas jamais escrito. Borges adorava criar obras que não existiam. Tavares lembra que o truque é não escrever o livro que foi pensado, mas fingir que alguém o escreveu e comentá-lo: "Borges deve ter sonhado um dia em escrever um romance como A aproximação a Almotásim e deve ter julgado que era uma tarefa além de seu alcance (como voltaria a ocorrer em outro conto com título semelhante, "A busca de Averróis"). A falsa resenha com que cortou esse nó górdio gerou todo um novo gênero literário".
Outro ponto interessante do pósfacio é a discussão sobre as histórias policiais. Borges elevou o gênero a um patamar filosófico e Bráulio Tavares resgata isso, relacionando inclusive com outros temas recorrentes da obra borgeana, como o duplo e o espelho: "Para ocultar algo, basta virá-lo do avesso ou transformá-lo em seu contrário", explica, numa referência tanto ao conto de Poe quanto ao de Ellery Queen.
No ponto de vista de Borges, o mundo é uma combinação de símbolos que parecem dizer algo a quem seja capaz de interpretá-los. A função do protagonista no romance policial é justamente ser capaz de identificar a ordem nessa miríade de caos. Por essa razão, o autor de O Aleph defendia que a literatura policial era o último refúgio da lógica, da inteligência e da limpidez de pensamento: "A trama do romance policial não é improvisada livremente; ela é concebida com uma estrita lógica".
Quanto aos contos escolhidos para a coletânea, há grandes achados, alguns óbvios (como "A carta roubada", de Edgar Allan Poe) e outros que se aproximam da simples curiosidade.
Uma das gratas surpresas é o conto "A livraria", de Nelson Bond, um autor de pulp fictions, pouco conhecido no Brasil e raramente associado a Borges pela maioria dos leitores. Entretanto, seu texto explora com perfeição o tema dos livros nunca escritos.
Um autor famoso, mas poucas vezes relacionado com Borges é H. G. Wells. Tavares leu uma referência ao conto "O ovo de Cristal" no epílogo de O Aleph e durante anos tentou encontrar esse texto em coletâneas de obras de Wells. Felizmente achou essa pérola perdida e acrescentou-a ao livro. Nele um pacato negociante de antiguidades descobre um cristal com o qual pode ter contato com uma outra realidade. O conto dialoga diretamente com o Aleph, embora seja muito anterior.
Outro autor clássico que abrilhanta a coletânea é de Ambrose Bierce. Em "Um incidente na ponte de Owl Creek" um homem é condenado à forca durante a guerra civil americana. A narrativa, que inicia realista, mas logo se torna pura fantasia, com o tempo e a realidade se distorcendo para o protagonista.
Ainda dentro da fantasia, vale destacar A terceira expedição, de Ray Bradbury. Elogiar Bradbury é chover no molhado - ele foi o homem que levou a poesia para a FC e sua participação na coletânea só faz elevar o nível da mesma. Mais curioso é o conto "Carcassonne", de Lord Dunsany. Dunsany foi um autor muito popular no século XIX, mas hoje é praticamente desconhecido. Seu texto, muito bem escrito, mostra a influência não só sobre Borges, mas também sobre Lovecraft e Robert E. Howard.
No gênero policial, duas narrativas merecem destaque: "A honra de Israel Gow", de Gilbert K. Chesterton, e "O roubo do selo raro", de Ellery Queen. Ambos são ótimos exemplos daquilo que Borges destaca como diferencial do conto policial: as hipóteses feitas e descartadas até se chegar a uma que seja adequada (Curiosamente é o mesmo método proposto por Karl Popper para a metodologia científica). Os dois autores brincam com a própria capacidade de dedução, em especial o padre Brown, que, diante de um cenário aparentemente sem sentido, experimenta várias explicações aparentemente válidas, que vão sendo falseadas uma a uma.
O volume é, portanto, uma leitura das mais agradáveis tanto pelos contos quanto pelo excelente texto de Bráulio Tavares. É de se destacar também as ilustrações surreais de Romero Cavalcanti. Trata-se, portanto, de uma obra obrigatória na biblioteca de qualquer fã de Borges.
Gian Danton
Macapá,
26/3/2012
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