COLUNAS
Quinta-feira,
26/4/2012
Não presta, mas vá ver
Carla Ceres
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Dizem que, um dia, os computadores ocuparão o lugar dos críticos e comentaristas de arte. Se esse momento chegar, perderei uma de minhas grandes diversões: ler uma porção de comentários discordantes sobre filmes ou livros e tentar adivinhar o que os provocou.
Somente leitores muito ingênuos acreditam em críticas imparciais. Quem acompanha o jornalismo cultural já sabe que comentaristas escrevem de acordo com suas preferências e não devem atrapalhar os interesses das firmas para as quais trabalham. Quando procuramos a opinião de um jornalista a quem costumamos acompanhar, temos em mente seus gostos e damos um desconto para seus exageros tendenciosos.
O problema é que poucas pessoas têm tempo para descobrir que fulano é elitista, beltrano é adorador de Woody Allen e sicrano é um vendido. Assim alguns sites de comentários sobre filmes e livros tornam-se mais fidedignos do que jornais e revistas de grande circulação. Isso acontece porque a maioria desses sites diz claramente a que veio, interessa-se pela opinião dos visitantes e tira dúvidas. Um comentarista sério, na internet ou na mídia impressa, assume suas preferências, não faz propaganda como se fosse crítica e resiste às tentações de falar mal para causar polêmica, ou elogiar para agradar fã-clubes.
Na internet, polêmicas e fãs fazem o contador de visitas disparar, portanto, num primeiro momento, favorecem o site. É comum um filme receber críticas favoráveis no início e, logo depois, pelo bem da controvérsia, ser reduzido a pó. O oposto raramente acontece, não apenas porque elogios geram menos page views do que um comentário arrasador, mas pelo simples motivo de que é preciso coragem para tentar resgatar uma obra da lata de lixo onde crítica e público a jogaram.
O filme A casa dos sonhos (Dream house), um thriller psicológico de 2011, por exemplo, obteve boas críticas iniciais, mas depois levou dezenas de tomates podres por motivos que nada tinham a ver com a obra em si. Certo, a produção teve muitos problemas a ponto de o próprio diretor, Jim Sheridan, pedir que retirassem seu nome dos créditos. Pedido indeferido.
A pá de cal veio com um trailer desastroso que contava quase toda a história e deixava a impressão de que se tratava de um filme de terror. Críticos e público não perdoaram. Tacharam A casa dos sonhos de "previsível", "arrastado" e "pouco assustador". Ao mesmo tempo, afirmaram sentir-se enganados porque não era o que o trailer os levara a esperar.
Há muita incoerência aí. Como um filme previsível, cuja história sabíamos de antemão, consegue frustrar nossas expectativas? Podemos considerar um thriller psicológico ruim porque ele não é um filme de terror? O simples fato de conhecermos parte do enredo antecipadamente desqualifica uma obra de ficção? Se desqualifica, deveríamos proibir trailers e banir os clássicos como Romeu e Julieta?
Considero A casa dos sonhos um bom filme dentro de seu gênero, mas vítima de um trailer infeliz e da má vontade dos críticos, que, por sua vez, influenciaram o público. Exatamente o oposto de A mulher de preto (The woman in Black), terror gótico de 2012, pretensiosamente anunciado como "a mais arrepiante história de fantasma do nosso tempo".
A presença do ator Daniel Radcliffe no papel principal atraiu aos cinemas muitos dos fãs que acompanharam, por anos, suas atuações como o jovem bruxo Harry Potter. A mulher de preto recebeu elogios generosos, embora seja lento, previsível e tenha um roteiro ideal para um ator fraco. Daniel precisou apenas manter uma expressão de tédio angustiado enquanto o cenário e a atmosfera faziam o resto.
Histórias de fantasmas e casas mal assombradas existem há séculos e vêm evoluindo. No início, eram vistas como pertencentes ao domínio do sobrenatural. Aos poucos, ganharam uma interpretação psicológica. Parte do charme das histórias de terror atuais está em tentar determinar a fonte do mal - sobrenatural ou psicológica - porque, dependendo da origem, mudam as forma de combate. Um autor eficiente procurará manter a dúvida até o fim, criando uma narrativa coerente sob ambas as abordagens.
A mulher de preto ignora toda a evolução do gênero. Desde o trailer, opta pelo sobrenatural moroso. Se até os filmes de Frankenstein evoluem e ganham novas leituras, nada impediria A mulher de preto de ser menos antiquado. Alguns críticos até admitiram que o filme não era lá grande coisa, mas concluíram que deveria ser visto para conferir a atuação de Radcliffe em seu primeiro longa pós-Potter. Isso equivale a dizer "Não presta, mas vá ver".
Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/
Carla Ceres
Piracicaba,
26/4/2012
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