Um olhar sobre o Mistério | Paulo Polzonoff Jr | Digestivo Cultural

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Quarta-feira, 9/1/2002
Um olhar sobre o Mistério
Paulo Polzonoff Jr
+ de 3700 Acessos

Um homem não consegue se livrar de seus mortos. Pode vasculhar na sua caixinha de memórias. Com certeza lá dentro haverá ao menos um morto importante, lhe gritando no ouvido, todos os dias, se bem que na maior parte do tempo imperceptivelmente, a lembrança de um dia ter existido. O fenômeno dos mortos que gritam pode ser admirado com mais exuberância no Dia de Finados, não só o feriado, como também o mais recente livro de Cees Nooteboom (Companhia das Letras, R$ 35).

Raridade entre os escritores contemporâneos, Nooteboom arrisca-se — eis sua maior virtude. Caminha ele pela vereda da poesia, do ensaio, da filosofia e até do cinema, a fim de contar a história de Arthur, um cameraman de documentários geralmente ligados a guerras ou a desastres (à miséria, em suma). Ele é um homem que vive na alvura de Berlin para escapar de sua terra pátria, a Holanda, onde jazem, mortos em um acidente aéreo, sua mulher e filho. Ali, tem uma grande amiga, daquelas que não tornam sua vida uma insuportável sucessão de elogios — as mais preciosas. Também se cerca de gente algo excêntrica, como um velho scholar e um escultor que caberia muito bem num destes filmes que privilegiam a heterodoxia da vida dos artistas. Passeia Arthur entre as mesas de cafés, onde conversa também com uma física sobre os destinos da ciência, até que acaba por encontrar Elik, uma historiadora que está pesquisando a vida de uma rainha espanhola.

Cees Nooteboom dá um sentido muito mais amplo à palavra “pesar”. Aquilo que se constata no minuto imediato à morte e que comumente se manifesta em lágrimas grossas, não raro descambando para os gritos de dor mais aguda, é, para o escritor, a forma mais efêmera e por isso mesmo bestial do pesar. A morte não cabe no velório, nem tampouco no dramático gesto de baixar o caixão à cova sob uma chuva de pétalas de rosa; por outra, a morte é vasta e perene como uma tatuagem.

A morte da mulher e do filho no acidente aéreo abriu um abismo na vida do homem inteligente, cercado de pessoas inteligentes, cada qual com um sentido individual para a morte. O erudito não se cansa de evocar os filósofos, a fim de dar uma despistada na morte; a cientista, por sua vez, apela aos átomos e às viagens intergalácticas para entender o fim; o próprio Arthur recorre à comunicabilidade da imagem para esquecer um pouco a morte. Interessante é perceber que o único que dá de ombros para ela é o artista, o escultor egocêntrico.

Não que ele assim aja por conta de uma noção de eternidade que a sua obra talvez lhe conferiria. De fato, nove entre dez artistas, de quaisquer gêneros, acreditam que a verdadeira imortalidade reside naquilo que produzem. À exceção de alguns poucos nomes, poetas como Ovídio e Plutarco, dramaturgos como Esíodo e Shakespeare, raros são aqueles que realmente alcançam a imortalidade através da arte. O escultor, em Dia de Finados, sabe disso, e o paradoxo entre sua atividade supostamente eterna e sua visão realista do fim é digno de nota. No seguinte trecho, ele se expõe:

“(...) Mas quanto a desaparecer e não deixar traço, não sou nada contra. Sem deixar traço é melhor. A meu ver, uma idéia tranqüilizadora.”
“E as obras que você deixar?”, perguntou Arno.
“Você não vai me dizer que acredita mesmo na imortalidade da arte?”, disse Victor com firmeza. “Senão acaba me matando de tanto rir. Sobretudo os escritores são versados em seres mestres da imortalidade futura. Deixar marcas, eles dizem, enquanto o que fazem embolora com a velocidade de um raio. Mas mesmo as poucas vezes que não é assim, estamos falando de quanto? Trezentos anos? Textos que lemos ao nosso modo, embora talvez tenham sido pensados de forma absolutamente diversa...”


Arthur, já se disse, é um cameraman. Está em Berlim não a trabalho, e sim para compor sua obra-prima cinematográfica. Num primeiro momento, temos a impressão — desagradável — de que Arthur é assim um aspirante a cineasta francês de renome e insuportavelmente chato. Porque ele anda pelas ruas, câmera em riste, procurando sinais da passagem do homem pelo mundo. Coisas como pegadas na neve, um close nas rodas de um carro em alta velocidade, o rastro que um navio vai deixando no mar. Aos poucos, contudo, vamos descobrindo que o que Arthur tenta — inutilmente — registrar são epifanias, momentos de beleza rara e individual, geralmente incomunicáveis. A epifania pode ser compreendida, de modo exterior às teorias literárias, como a compreensão de vida, que só se dá em instantes ínfimos. Clarice Lispector era alguém que sabia comunicar os instantes de epifania por que passavam seus personagens. Uma mulher, dona-de-casa, por exemplo, vê um homem cego na rua e dele sente a legítima compaixão. Poetas (favor não confundir o termo com os hippies de bolsa a tiracolo vendendo livros artesanais de rimas paupérrimas e aliterações equivocadas) têm quase toda sua obra calcada em epifanias. Há quem diga — e eu não sou louco de discordar — que os loucos trancafiados em hospícios vivem epifanias o tempo todo...

A maior epifania do romance, contudo, se revela num momento que pode passar despercebido aos olhos do leitor que devora o livro como um sanduíche na esquina. Eu mesmo, pobre leitor profissional muitas vezes de livros-hot-dogs, tive de voltar a página para ler com mais cuidado aquilo que meus olhos não enxergaram de início. Arthur sequer conheceu Elik, o anticlímax do romance, prova, também, de que um bom livro é aquele que subverte as regras narrativas mais básicas (muitos diriam que a frase anterior é pedante e, pior, petulante, e que o Autor do artigo acha que acabou de descobrir a América. O Autor em questão, porém, nada diz, porque está entretido em reproduzir o trecho que se segue, enquanto fuma um cigarro, a fim de pensar, pela milionésima vez, no sentido do diálogo-mor do romance):

“Mas eu não consigo.”
“Por que não?”
“Imagino sempre que eu sou essa mulher e que de repente chega um chato de um homem e me conta uma lorota qualquer, embora só esteja pensando em trepar.”
“Se for assim, você tem razão.”
“E se não for?”
“Aí ela logo percebe. Depende do que você disser.”
“É que eu sou muito tímido, só isso.”
“Ta bom, digamos que seja. Roda o mundo inteiro e é muito tímido para se dirigir a uma mulher. Você tem é medo de passar ridículo. Pura vaidade (...)”


(Aqui vale o registro de que o autor deste artigo sofre de vaidade crônica).

Quantas vezes, em vida, é capaz de um homem morrer? Ao menos duas mortes bem morridas já dão um homem sensível o suficiente; mais que isso e o homem pode-se tornar um poeta (o raciocínio não é meu; plagiei-o de Salinger). Arthur, ao abordar e ser abordado por Elik, morreu mais uma vez, de vaidade crônica. Mais tarde, deitado entre corpo da mulher que amará, vai perceber uma cicatriz, a que se dará o nome de trauma, e ressuscitará dos mortos. Todos.

No preâmbulo do romance, Cees Nooteboom nos adverte com um sermão a respeito da efemeridade da vida. É um texto bastante ríspido, em verdade, e que pode passar a impressão de verdade-perfeita, o que pode soar como defeito supremo, para muitos. O que chamo de verdade-perfeita (em letras minúsculas, veja bem) é algo como:

(...) O que não deixa de nos espantar é que vocês se espantem tão pouco. Somos apenas o acompanhamento, mas se fosse para nós mesmos vivermos direito, guardaríamos mais tempo para a meditação. Uma das coisas que não conseguimos entender é como vocês se ajustam tão mal a sua própria existência, sem pensar sobre o assunto. E que se instruam tão pouco sobre as infinitas possibilidades de que dispõem. (...) Vocês são mortais, não há dúvida, porém o fato de que possam refletir com esse minúsculo cérebro sobre a eternidade ou sobre o passado e que dessa maneira, com o espaço limitado e o tempo limitado que lhes é dado, possam abranger espaço e tempo tão imensos — aí reside o mistério.(...)

Ou seja, um alerta de que não se está entrando num terreno meramente narrativo; que ali, entre uma que outra noite de sexo frio — e aqui o lugar-comum grita para ser escrito — como a morte, haverá também momentos de angústia, mais ou menos como se o leitor fosse obrigado a deitar-se no próprio leito, tendo como acompanhamento a sinfonia dos pregos fechando o caixão.

Tudo mórbido demais? Talvez. Para quem considera a simples menção da palavra morte um sinal de mau-agouro, Cees Nooteboom deve ser sumariamente ignorado. Já para quem consegue ver na palavra morte apenas o fim das sucessivas lembranças, eis aí um belo exemplar para, quem sabe, lhe enfeitar a cabeceira.*

* O texto que vocês acabaram de ler, foi todo ele reescrito. A primeira versão, que pode ser lida em http://paulonoff.blig.ig.com.br, foi escrito num formato mais para a crônica. Intitulado A Morte Me Cai Bem, ele tinha mais de mim, como atesta o pronome oblíquo já no título. Achei-a algo inoportuna agora, com comentários bruscos demais, pensados no calor das horas, como eu costumava (pretérito imperfeito estranhamente perfeito) escrever. De qualquer forma, não o excluo porque é, antes de qualquer coisa, meu testemunho mais-que-sincero como leitor. Não que no texto que vocês acabaram de ler falte sinceridade; mas ela está camuflada por algumas camadas de reflexões regadas a Ano Novo que, no momento certo — e do modo certo —, tornarei explícitas.


Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 9/1/2002

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