COLUNAS
Quarta-feira,
9/5/2012
O senhor Zimmerman e eu
Luiz Rebinski Junior
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Quando soube que o senhor Robert Zimmerman estaria por aqui novamente, fiquei eufórico e logo fui conferir as datas e os locais onde tocaria. Mas o tempo foi passando, passando, os meses chegando e não me cocei pra tentar rever o senhor Zimmerman, já que a província está temporariamente fora do mapa dos gringos que visitam o país. Não vi hotel e não corri pra internet pra tentar comprar o ingresso mais barato no melhor lugar.
Sou um pai de família, não tenho mais saco para isso. Não gosto de sair de casa, não gosto de viajar e não gosto de hotel. Não gosto de fazer e desfazer mala, de usar camisa amarrotada, de economizar meia e não lavar o cabelo quando tenho vontade. Então a chance de eu ver o senhor Robert Zimmerman na minha frente é quase zero. Mas não importa, não sou um cara que cultua ídolos, que em geral são pessoas bem menos geniais que as personas artísticas que encarnam.
Também não esquento muito porque vi o senhor Zimmerman há 15 anos, quando ele esteve no Brasil pela primeira vez. E vou contar uma coisa que talvez pareça uma grande balela para aqueles que não me conhecem e não sabem que eu costumo mentir pouco, muito pouco.
Aconteceu assim:
Eu tinha 15 anos e saí do extremo Sul do Paraná em um ônibus de excursão, com mais dois ou três amigos, rumo a São Paulo. Todo mundo ia com camiseta dos Stones, mas eu ia com apenas um imperativo: ver o senhor Zimmerman tocar aquelas músicas que não eram apenas clássicos do rock, mas sim canções que tinham aura própria, que não eram apenas executadas à exaustão, mas comentadas, discutidas, cada uma com sua própria trajetória, uma história única.
E foi com essa ideia que fiz a viagem de mais de 12 horas até o destino final, a pista de atletismo do parque Ibirapuera, onde os Stones tocariam e o senhor Zimmerman faria um esquenta para "Brown Sugar" e outros hits. Efusivo pela oportunidade de ver o senhor Zimmerman, pulei do ônibus antes do tempo, entrei sozinho no local e assim fiquei por um bom tempo até achar um amigo por acaso no meio da massa. Então, reintegrado aos camaradas, vi a finada Cássia Eller fazer um show inflamado para uma plateia pouco interessada no seu cabelo à época verde e moicano. Foi quando entrou o senhor Zimmerman. É engraçado, mas ele estava vestido exatamente como agora, nas apresentações do último mês: bota, calça social, blazer e um impecável chapéu. Acho mesmo que também era tudo cinza, como agora. Indumentária que servia de uniforme para a banda que o acompanhava. Não sei quem eram os caras de 1998, mas tenho a impressão de que são os mesmos de agora, pelo menos é o que diz minha percepção preguiçosa, que é mais forte do que a vontade de fazer uma pesquisa na internet para informar corretamente aos gatos pingados que vão ler este meu texto. Mas tudo bem, isso aqui não é um texto jornalístico e não preciso falar exatamente a verdade, pode ser algo aproximado, vá lá.
Pouco importa quem era os caras que tocavam com o senhor Zimmerman, pois o senhor Zimmerman faz qualquer um tocar bem ao seu lado. O senhor Zimmerman impõe respeito, afinal é ele quem manda sempre. O senhor Zimmerman não gosta de ensaiar e qualquer um que queira tocar ao seu lado, precisa ensaiar antes, para que consiga acompanhar o senhor Zimmerman quando ele apontar sua guitarra para a direita ou para a esquerda. Não importa a direção, é preciso correr atrás do homem. Pelo menos é essa a minha "tese". Os homens da The band treinaram muito assim, e depois voaram solo, maravilhosamente bem. Mas foi o senhor Zimmerman quem
os ensinou a "derrubar a noite".
O fato é que o senhor Zimmerman tocou poucos sucessos naquela noite, não se importando com o fato de que a banda que fungava no seu cangote estivesse vindo com um saco de hits para satisfazer as cabeças que ali estavam. Mas não, o senhor Zimmerman é o anticlímax, e essa é sua marca, desde sempre. Só os desavisados são pegos de surpresa. Aquela era a primeira vez do senhor Zimmerman no país, mas ele não estava disposto a fazer concessões aos anfitriões, foi logo tascando "Silvio", uma música bacana perdida em um álbum fraco. E assim se deu o show, que passou longe de uma tentativa de reviver qualquer coisa. O senhor Zimmerman, diferente de seus admiradores, parece ter pavor ao passado, às velhas canções, apesar de nunca conseguir se livrar delas. Mas ele dá um jeito. É um homem em constante movimento, um insatisfeito por excelência. Por isso nunca apresenta suas músicas conforme as criou. Naquela noite, teve que se render aos Stones fazendo uma cover certinha de sua poderosa "Like a Rolling Stone". Depois vi na TV que sua expressão séria contrastava com a simpatia do senhor Jagger. Parecia um cabo de guerra, não um dueto.
Mas como foi o show, pouco importa. O que estou querendo contar é que logo depois que o senhor Zimmerman saiu de cena, eu também saí. Enfrentava naquele momento um misto de cansaço, ressaca, êxtase e desânimo. Então fui andando a esmo, talvez em busca de uma bebida ou de um banheiro, agora não me recordo. Mas lembro-me que fui andando, contornei a pista, cheguei ao seu ponto mais alto e comecei a descer, em linha reta. Andava de cabeça baixa, contornando as pessoas no caminho. Nas franjas, por onde andava, não havia tanta gente e, aos poucos, o público ia rareando. Os banheiros químicos tinham ficado para trás e eu também já não podia mais ver o palco, apenas a aparelhagem de som que o blindava. Não havia quase nada onde eu estava, apenas uma pequena tenda de circo, com umas poucas pessoas em volta dela. Eu continuei andando, me aproximando da tenda. Não havia cerca nem nada. Alguns homens bebiam e davam risada. Fui chegando e, ao lado de uns caixotes, vi um homem de perfil que olhava concentrado para seu chapéu. Claro, você já deve estar pensando que tive a sorte de encontrar Dylan na coxia. E você acertou: eu, com apenas 15 anos, àquela altura já cansado da minha breve e enfadonha vida de província, encontrei o cara mais genial do rock ali, de bobeira atrás do palco. E ele olhou para mim e simplesmente disse "olá". Eu disse olá também e perguntei se ele ia voltar para o palco com os Stones, como vinha fazendo nos shows pelos Estados Unidos. Ele não tinha a voz gutural dos discos, então deu para ouvi-lo dizer que ia cantar com os Stones, porque era a sua "sina" naquele momento. Nem prestei atenção no que ele disse, se aquilo era uma provocação ou uma crença, apenas concordei. Eu não estava nervoso nem nada, aquilo era uma conversinha mole qualquer, dessas que travamos com um desconhecido em um ponto de ônibus.
E assim foi. De forma natural ele disse que ia cair fora e se foi. Minutos depois, já estava no palco para cumprir sua sina, com o boccudo do senhor Jagger rebolando em sua frente. Não consegui ver direito a cena, pois estava na lateral do palco, em um lugar difícil. Mas escutei tudo.
Luiz Rebinski Junior
Curitiba,
9/5/2012
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