COLUNAS
Segunda-feira,
20/8/2012
Um outro mundo
Daniel Bushatsky
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Era com esses sentimentos que foram para Paranaíba.
A ansiedade era muita. Há tempos combinavam de conhecer a terra natal de um dos seus melhores amigos, casado com uma de suas melhores amigas. Finalmente aquela sexta-feira chegou. A viagem era longa. Saíram às 21 horas da rodoviária Barra Funda, em ônibus leito, em direção a Santa Fé do Sul. Chegaram às 7 da manhã. De lá, seus amigos, casal recém casado, os levaram para Paranaíba, Mato Grosso do Sul. Embora tivessem acordado às 5 horas, graças ao fuso horário, estavam com ótimo humor e na casa da cidade, um café da manhã colonial os esperavam.
O garoto, loiro, "criado em apartamento" estava perplexo (ainda iria ficar deslumbrado, espera-se), com a longa viagem e a ótima receptividade. O pão caseiro era espetacular e até suíte ele e a namorada ganharam.
Antes de sair de casa os dois tinham feito uma pesquisa no site da prefeitura da cidade e descoberto que a cidade, com pouco mais de 50 mil habitantes, contava com impressionantes 37 escolas de ensino fundamental e médio. Possuía, ainda, quatro escolas de nível superior, sendo a maioria voltada para o ensino do Direito. Quanta escola para uma cidade tão pequena. Estavam curiosos.
A programação era intensa. Após o café, os amigos lhe deram um presente: uma botina. Ele não poderia sujar seu tênis de marca. Para completar o visual, calça jeans e camisa xadrez. As mulheres também de jeans, vestiram suas botas. Todos a caráter, lá foram eles para o leilão de bois. Os amigos foram claros: não olhem para a "piscadela". São garotas bonitas que ficam vendo quem dá o lance. Detalhe, o lance é através de uma piscada. Só olharam para baixo. E os bois como chamavam mesmo? Leroy? Neloy? Ah, Nelore! O que se deveria analisar? Tamanho da circunferência escrotal (traduzindo: saco)? 34 cm. 38 cm. Eca...
Fora o leilão, viram o concurso da melhor égua, o julgamento de bezerros, comeram churrasco e conheceram a cidade, onde todos se conhecem e todos sabem suas histórias.
No segundo dia, foram visitar a fazenda. Uma hora para chegar, em chão esburacado. Era lá que se criava o gado, se tirava o leite da vaca, se plantava (sem agrotóxico, que estranho). A comida simples, mas deliciosa e com gosto da terra.
Parece clichê, mas onde estava a poluição, a pressa, a ansiedade? O que mais se viu foi um novo olhar para a vida, uma nova pintura do cotidiano.
Os namorados perceberam que os hábitos mudam, mas o que realmente importa são os valores. Estes continuavam iguais aqui e lá.
Foi quando descobriram que a cidade já tinha tido sua cronista. Escrevia no jornal da cidade. Infelizmente, já era falecida. Chamava-se Nancylta Salgueiro Dias e a coletânea das melhores crônicas foi publicada em livro chamado "Paranaíba, minha querida". O livro reúne passagens e "estórias" da cidade do interior do Mato Grosso do Sul, que ela foi viver com seu marido por amor a ele e depois, certamente, à cidade, deixando o desenvolvido e importante Rio de Janeiro.
Duas crônicas chamaram atenção. A primeira surpreendeu a namorada, que se assustou ao ver as condições de parto na época que a cronista veio morar na cidade. Não havia exame pré-natal ou hospital maternidade. No começo do texto ela chega a afirmar que não veria o filho no berço ao lado de sua cama. Ela (a namorada) comentou "nossa quanto amor e que difícil a vida".
Já o namorado gostou da crônica "D. Tereza Ferraz, um exemplo", onde conta que esta senhora foi uma das principais articuladoras para a construção de um colégio na pequena cidade. D. Tereza não chegou a ver o "pólo" educacional que se tornou sua querida cidade, mas escritora e cidadã são dignas de aplauso. Uma por identificar e contar como um exemplo quem entende educação como fundamental para o desenvolvimento e outra por ter movido mundo e fundos para conseguir seus objetivos.
Mas as duas crônicas chamaram atenção mesmo do urbano casal pelas dificuldades que certamente sentiriam em mudar para aquele mundo. Como se adaptariam?
Mesmo sendo tudo tão diferente, o casal chegou à conclusão: o importante são os valores. Foram estes, com certeza, que D. Nancylta foi retratar em suas crônicas.
Ou não em suas crônicas, mas neste outro mundo, que são as Paranaíbas de todo o Brasil.
Daniel Bushatsky
São Paulo,
20/8/2012
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