COLUNAS
Segunda-feira,
24/9/2012
A invenção da imprensa
Gian Danton
+ de 15300 Acessos
O filósofo Marshall McLuhan propunha que a forma como nos comunicamos molda a sociedade em que vivemos e a forma como pensamos. A invenção da escrita, por exemplo, permitiu a criação dos grandes impérios, do pensamento linear e da burocracia. Na Idade Média, a invenção do pergaminho abriu caminho para que a escrita fosse vista como algo divino, elitizado, moldando a sociedade do período.
Outra grande mudança ocorre com a invenção da imprensa. McLuhan considera tão importante essa invenção que chama o mundo criado pela imprensa como Galáxia de Gutemberg. Com ela veio a era das revoluções, o nacionalismo e até o sentimento de individualidade e privacidade.
Uma das revoluções causadas pela impressa foi a publicação de livros, em especial a Bíblia em línguas locais. Essas edições deram às pessoas a noção de pátria, unida por uma linguagem. Além disso, com o barateamento do processo de produção, agora era possível ler livros individualmente, ao contrário da Idade Média, em que a leitura era quase sempre coletiva, com uma pessoa lendo para um grupo. Isso deu às pessoas a noção de individualidade e privacidade. Curiosamente, mais ou menos no mesmo período a arquitetura traz uma grande inovação: os corredores, que vão permitir que as pessoas tenham privacidade em seus quartos (antes, mesmo em castelos, era necessário percorrer vários quartos até chegar ao último).
Com o tempo, muitos desses corredores passam a ser ornados por obras de arte, quadros assinados por grandes artistas, mantidos por mecenas, daí surgindo a ideia de direito autoral (na Idade Média os artistas não assinavam seus trabalhos pois se considerava que sua arte era para a glória de deus e não do pintor).
Nas palavras de McLuhan: "A imprensa criou o livro portátil, que os homens podiam ler em particular e isolados dos outros. O homem podia, agora, inspirar - e conspirar. Como a pintura de cavalete, o livro impresso muito contribuiu para o novo culto do individualismo".
A invenção da imprensa vai popularizar o pensamento linear, já que os livros vinham numa sequência lógica que devia ser lida página a página.
A imprensa permitiu também a era das revoluções. O protestantismo surgiu a partir da leitura da Bíblia em línguas nacionais (antes era proibido traduzir a Bíblia e praticamente só os padres as liam e interpretavam para os fieis). Também como consequência do barateamento dos livros, as ideias de filósofos, como Descartes e, posteriormente, os iluministas, como Voltaire e Rousseau, se espalharam pelo mundo.
As ideias revolucionárias se espalhavam não só na forma de livros, mas também através dos jornais. Não é coincidência que os três grandes líderes da revolução francesa (Danton, Marat e Robespiere) eram também jornalistas.
A criação da rotatória e, posteriormente, do rádio e do cinema, iriam de novo provocar grandes mudanças. Nunca antes uma mensagem poderia ser enviada a tantas pessoas ao mesmo tempo. Isso possibilitou o surgimento de ditadores como Hitler e Mussolini, que utilizaram jornais, rádios e filmes para difundir suas ideias e convencer as pessoas a obedecerem. Tratava-se da era das massas em que as pessoas eram tratadas apenas como parte de um todo. Esse período foi sintetizado na teoria hipodérmica, segundo a qual a mídia tem poder absoluto sobre as pessoas.
Em meados do século XX surge a televisão e com ela a era do audiovisual. Embora fosse um meio de massa, McLuhan enxergava nela uma possibilidade de maior participação. A baixa resolução da telinha levaria o expectador a interagir com o conteúdo, não se tornando o apático receptor da era das massas. Apesar dessa visão ser otimista e um pouco ingênua, há de se destacar o fato de que a transmissão da guerra do Vietnã fez com que pela primeira vez a juventude americana se pronunciasse contra uma guerra. Provavelmente a familiaridade com imagens de vietnamitas, como a da menininha correndo nua, atingida por napalm, tenham possibilitado uma maior aproximação com o fato. A TV tornou possível ver que o inimigo também era um ser humano.
Embora estivesse escrevendo muito antes da internet, McLuhan parecia antecipar a sociedade da informação: "As informações despencam sobre nós, instantaneamente e continuamente. Tão pronto se adquire um novo conhecimento, este é rapidamente substituído por uma informação ainda mais recente. Nosso mundo eletricamente configurado forçou-nos a abandonar o hábito de dados classificados para usar o sistema de identificação de padrões. Não podemos mais construir em série, bloco por bloco, passo a passo, porque a comunicação instantânea garante que todos os fatores ambientais e de experiência coexistem num estado de ativa interação".
Nesse mundo de informação contínua, a comunicação se transforma num fluxo caótico em que a mídia oferece cada vez mais dados e o cérebro humano é obrigado a se adaptar a receber. Na medida em que a mente humana se acostuma com esse fluxo, passa a pedir mais e mais e o processo se amplia mais ainda, como uma bola de neve.
As novas gerações lidam com informação como se fosse um vício: é a novidade que virá a qualquer momento no Facebook ou no Twitter, é o e-mail essencial que surgirá na caixa de entrada a qualquer momento e que exige constante vigilância.
As mensagens não são mais procuradas e recebidas de maneira linear, como na galáxia de Gutemberg, em que as informações vinham na mesma sequência das páginas dos livros. Nesse novo mundo, a informação passa a ser relacional. A leitura de um texto leva a outro texto, que leva a outro texto, que leva a outro texto e que muitas vezes leva ao primeiro texto.
Gian Danton
Macapá,
24/9/2012
Quem leu este, também leu esse(s):
01.
A minha casa, sua casa de Ana Elisa Ribeiro
02.
Histórias de agosto de Marcelo Barbão
Mais Acessadas de Gian Danton
em 2012
01.
Por que os livros paradidáticos hoje são assim? - 13/2/2012
02.
A invenção da imprensa - 24/9/2012
03.
O desenvolvimento dos meios de comunicação - 27/8/2012
04.
Contos fantásticos no labirinto de Borges - 26/3/2012
05.
Um conto de duas cidades - 7/5/2012
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|