COLUNAS
Segunda-feira,
14/1/2013
Um Ano Feliz (!)
Ricardo de Mattos
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Kenneth Grahame
"A leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde" ( André Maurois).
De uma forma geral, 2012 foi um daqueles anos que gostaríamos de empurrar em direção à saída. Que saia logo, sem olhar para trás nem dirigir-se ao Ano entrante para não o contaminar de alguma forma. Vade retro! Pareceu-nos que cada passo adiante exigiu dois para trás e uma estagnação. Não nos bastasse nossa própria incompetência, fomos atrelados de tal forma à incompetência alheia que sequer nossos passos puderam ter a desenvoltura que gostaríamos. Mesmo nosso jardim sofreu, tanto com a nossa incúria, quanto com uma praga oportunista de cabelo-de-bruxa, algo com o que não sabemos lidar e não encontramos defensivo apropriado. O cinismo da administração próxima; a esgrima da administração mais ampla tentando melhorar a situação penal de indivíduos que jamais deveriam avizinhar-se de cargos públicos. A estagnação da miséria e a inércia daqueles que poderiam agir de forma efetiva caso o quisessem e não estivessem procurando desculpas para não o fazer. A falta de compromisso e a paupérrima mentalidade daqueles que se pretendem formadores de opinião, mas que não possuem, de sua parte, pelo menos uma opinião firme e isenta sobre alguma coisa - pensam conforme acreditam que seus superiores queiram que eles pensem, pensam conforme determina-se que eles pensem, sob pena de perder o bife na manteiga. Religiosos que utilizam a religião contra a Humanidade. Cientistas que utilizam a ciência contra a Humanidade. O romper de mais uma guerra, que continua outras e antecipa mais algumas; todos estes fatos, enfim, fazem-nos perguntar: por que estamos aqui mesmo? Nossas cachorras tiveram pulgas.
"Cansaço" foi a tônica dominante. Por outro lado, o retrospecto faz-nos reconhecer a presença de fatores de proteção. Contamos com o apoio familiar em nossa jornada. Uma companheira amorosa esteve ao nosso lado suportando nossa neurastenia precoce. Continuamos encontrando no Espiritismo uma fonte perene de renovação espiritual. A saúde, com exceção de uns dois resfriados, esteve à altura das encrencas. E os livros, que justificam parcialmente o título desta coluna.
Esperamos alguns anos para ler O vento nos salgueiros, do escocês Kenneth Grahame. Dele soubemos através de outra obra Os livros e os dias, do argentino Alberto Manguel. A leveza do texto de Manguel faz com que recorramos a ele em determinados momentos que temos vontade de ler, mas não sabemos exatamente o que e não estamos satisfeitos com o que temos à mão. Percebemos que nos detínhamos mais no capítulo sobre o livro de Grahame, e que nossa curiosidade acentuava-se gradativamente. Procuramos, sem sucesso, em livrarias e sebos físicos. As livrarias virtuais acusavam esgotamento no estoque e na própria editora. Até que nos lembramos dos sebos virtuais. Embora receosos de recebermos pelo correio um livro em mau estado, o baixo preço encorajou-nos e, da vizinha São José dos Campos, recebemos o volume. Em bom estado.
O livro foi inicialmente planejado por Grahame em forma de cartas para seu filho Alistair, desencarnado ainda jovem. É o que se pode identificar como obra destinada ao público infanto-juvenil, caso ainda tenhamos jovens entre dez e dezoito anos que saibam ler. Lançado em 1908, tem como personagens principais o Toupeira, o Rato, o Texugo e o Sapo. Cada um representando um tipo psicológico. O Toupeira é o mais simpático, aberto ao mundo e aos novos conhecimentos, humilde e leal, cuidadoso de seus amigos. O Rato é o poeta solitário, pronto para apresentar o mundo ao seu amigo Toupeira e a facilitar-lho entrosamento. O Texugo é o indivíduo maduro, aparentemente esquivo, mas que representa aquela primeira pessoa a quem pediríamos auxílio. O Sapo, por fim, é o estrupício do bando, chegando inclusive a ser preso pelo seu comportamento estabanado e impulsivo. Há também um personagem onipresente que nos tocou especialmente, visto o valor que lhe conferimos. Este personagem é o Lar, o home da língua inglesa, em paralelo à casa, a construção para moradia.
O Toupeira deixa seu próprio lar para conhecer o mundo mas, a certa altura, recebe um chamado premente de retorno. As entrelinhas permitem compreender que, si inevitável a abertura ao mundo e aos seus habitantes - ideia que pode parecer ingrata num primeiro momento, mas tem esta ingratidão eliminada quando lembramos que o outro é o espelho que reflete, em maior ou menor grau, nossas próprias necessidades - é igualmente necessário ter para onde retornar, com quem contar, ter onde restabelecer as forças. O Rato dispõe de boa vontade a mostrar os arredores e suas belezas para o Toupeira, mas tem sua própria casa, dela não se afasta muito e nem quer. A casa do Texugo é um núcleo acolhedor no meio de uma floresta sombria e medonha, o que faz pensar. Já o aristocrático Sapo perdeu a sua mansão e precisou retomá-la à força. Grahame consegue inserir na obra instantes de inesperado lirismo, como no capítulo intitulado "O flautista às portas da madrugada".
Down House
O Lar esteve presente no livro de Grahame e em outro que descobrimos por acaso e lemos com idêntico interesse. Trata-se d'O Jardim de Darwin - Down House e a origem das espécies. Foi escrito por Michael Boulter, professor de Paleobiologia da Universidade de East-London e funcionário do Museu de História Natural. A obra divide-se em das partes. A primeira, um ensaio acerca da instalação da família Darwin em Down House, as experiências de Charles em seu jardim, as meditações do cientista em alamedas ladeadas de árvores e que descortinam ora para paisagens, ora para recantos esplêndidos. Menciona também os cruzamentos de animais, a criação de pombos e a convivência com outros cientistas, algo de extrema importância para que as ideias de Charles não se estagnassem e ele pudesse cumprir o seu propósito. A segunda parte do livro é um esboço de história da ciência, pois traça um painel sobre o desenvolvimento e o alcance das pesquisas darwinianas, o encontro com a genética de Mendel, etc. Bem agradável e instrutivo.
Queremos dedicar um parágrafo à novela do psiquiatra e escritor alemão Hans Keilson. A resenha que influenciou em nossa opção pelo livro fez-nos pensar em algo como Em busca de sentido, de Viktor Frankl. Trata-se, porém, de assunto e estilo diverso. Boa obra, narra o abrigo concedido por um casal holandês a um judeu durante quase um ano. Traz um pouco daquele humor discreto que faz repuxar os cantos dos lábios, mormente a partir do capítulo em que um detalhe poderia ter posto em risco todas as providências do casal. Entremeiam-se algumas observações que lhe conferem leve teor psicológico, a exemplo da descoberta dos cigarros de Nico - o judeu - por Marie - a dona da casa.
Carlos Baccelli
"Muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro", afirmou com razão Thoreau. O leitor espírita pôde contar com mais uma safra de livros importantes. Ao leitor não familiarizado, esclarecemos: todo o estudo começa com a Codificação feita por Allan Kardec, o que nos leva a recomendar ou o Livro dos Espíritos ou O Evangelho Segundo o Espiritismo. Em seguida, há autores imediatos a Kardec que contribuíram demais para a consolidação da Doutrina. Estes autores são, entre outros, Léon Denis, Gabriel Delanne, Camille Flammarion, Ernesto Bozzano e Cesare Lombroso - ele mesmo, o criminalista. Com a chegada do Espiritismo no Brasil, não podemos desprezar os estudos de divulgação realizados por Bezerra de Menezes. Contudo, nas centenas de livros psicografados por Chico Xavier, queremos destacar a importância da coleção de treze livros ditados pelo espírito de André Luiz, coleção esta iniciada por Nosso Lar. Para quem aceitou a proposta do Espiritismo, e está convencido de seus fundamentos, a coleção de André Luiz faz algo mais do que apresentar preceitos de cunho moral para aplicação pelas pessoas desta dimensão. Vai além, de fato: mostra a repercussão do "lado de lá" do que é feito "do lado de cá", de forma diversa daquela que o leitor possa estar pensando. É que mesmo o leitor laico poderá estar atrelado à visão dantesca de céu e inferno, com um céu de beatas e um inferno de pecadores. Em alguns casos será melhor do que isto, em outros será pior.
Continuando, após a coleção de André Luiz, sem dúvida outros bons livros poderão ser mencionados. Entretanto, o Espiritismo brasileiro do século XXI conta com três médiuns cuja obra promove importante e inafastável diálogo entre a Codificação e temas atuais. Estas obras trazem a Codificação para nossos dias e, ao mesmo tempo em que dotam o estudioso de um olhar mais crítico e fundamentado, estimulam-no a trabalhar mais e pregar menos. Para quem não sabe, a maior crítica ao Movimento Espírita contemporâneo encontra-se justamente nas obras espíritas mais recentes. Assim, queremos citar os nomes de Carlos Baccelli, Agnaldo Paviani e Robson Pinheiro como intermediários de obras relevantes e que, neste ano, vieram agregar novas informações e conhecimentos aos que sabem da necessidade de constante atualização em todos os campos. Pelas ruas de Calcutá e O Fim da Escuridão, de Pinheiro; No Princípio Era o Verbo e O Joio e o Trigo, de Baccelli; Nos Últimos Tempos e Conversa Franca de Paviani são livros que gostaríamos de mencionar. Tentamos estabelecer uma linha literária no tempo, mas reconhecemos que é mais gostoso alternar entre os clássicos e os contemporâneos.
Livros, encontramo-los em diversos lugares este ano. Na nécessaire de um posto de gasolina pudemos adquirir 1984, de George Orwell, Marina, de Carlos Ruiz Zafón e uma muito bem acabada, completa e desejável edição do clássico indiano Kama Sutra. Nas bancas de jornal e revista, deparamo-nos com uma tradução portuguesa d'O Livro da Selva, de Rudyard Kipling, com uma coleção de literatura iberoamericana e um volume com fábulas de La Fontaine ilustradas por Gustave Doré. Felizmente os desenhos não precisaram de tradução e adaptação, ao contrário do triste destino das fábulas. Na revistaria de um hipermercado, encontramos As Aventuras do Menino Jesus, antologia de textos canônicos, apócrifos, literários e oriundos de outras tradições religiosas - como o Islã - a respeito da infância do Cristo. A seleção e organização foram feitas pelo já citado Alberto Manguel, e estranhamos que não tenha havido maior divulgação, visto que ele é autor querido por aqui. Notamos também que esta antologia não foi publicada pela editora de costume.
Ao leitor que até aqui acompanhou nossas linhas - e também ao que não acompanhou - deixamos nossos votos de Paz no Natal, Paz que o faça restaurar o significado primeiro da data. Desejamos também que o Amor, o Conhecimento e a Fé sejam seus guias em 2013.
Ricardo de Mattos
Taubaté,
14/1/2013
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