Coisas que eu queria saber fazer | Ana Elisa Ribeiro | Digestivo Cultural

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Sexta-feira, 18/1/2013
Coisas que eu queria saber fazer
Ana Elisa Ribeiro
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Dia desses, numa cidade bem longe daqui, surpreendi um arquiteto começando a desenhar a planta baixa de uma casa. Era uma encomenda. Alguém queria uma casa que começasse do zero. Uma criação. Morar em uma ideia que nunca tinha existido.

Ele sustentava a cabeça com uma das mãos enquanto a outra mão segurava um lápis que ameaçava tocar, de leve, uma folha de papel milimetrado. E antes que o grafite marcasse o branco, eu apareci na porta e perguntei o que era aquilo. Eu já sabia, mas eu queria saber mais, saber certo, saber pra poder me declarar. Eu acho arquitetura uma das coisas mais lindas do universo.

Eu disse ao arquiteto que achava aquilo muito bonito. Pedi a ele, feito uma criança, que me deixasse ficar ali vendo-o trabalhar, mas acho que isso não funciona com os arquitetos, nem com os poetas, nem com os músicos. Meus olhos e minha respiração ali podiam desconcentrar o moço, que passou, então, a me explicar coisas. Explicou como começa, de onde vinha aquele projeto, qual era o fluxo que ele preferia seguir; explicou sua ideia inicial, mas disse que ela mudaria muito, tantas vezes, e que isso seria normal; e que o pedido de alguém é muito difícil de traduzir, de atender, de entender; e explicava que ele imaginou uma casa com base nas palavras imprecisas de alguém que queria morar.

Se eu soubesse desenhar casas e antever combinações de cores, coisas que não sei fazer mesmo, eu projetaria minha casa para muitas felicidades. Mas minha casa foi feita assim, aos remendos, então não sei como apurá-la. Nem sequer soube escolher as cores das paredes ou o desenho das peças de cerâmica que pus no chão. Na minha casa não teve espaço pra sonho e nem pra descanso.

E ninguém me seguraria se eu soubesse desenhar. Uma das coisas mais bonitas que há é ver alguém tirando da ponta do lápis um dragão, uma abelha, uma pessoa ou um corpo nu. Ilustrar livros, então, é coisa divina, não tem precedentes nesta Terra. Ouvir ou ler uma história e transformá-la numa cena, num texto de ver, com cores ou não. Ninguém me seguraria nesta vida se eu pudesse fazer quadrinhos ou cartuns. Imagina a ironia em um quadro só. A escrita pede uma lógica mais miúda, parece. E eu a tenho. Mas não aprendi a desenhar.

Sempre dizem que nossa curtição com desenho é de criança. Muita criança (pra não dizer toda) desenha, desde muito cedo, e se expressa nessa linguagem. E acusam, por aí, a escola e tudo o mais de irem podando essa nossa expressão, até que ela se torne mínima, ínfima, quase invisível. O desenho não é a expressão mais importante, mais necessária ou mais solicitada do nosso mundo escolar. Há campanhas de ler e escrever, mas não as há de desenhar. E se havia um artista futuro, é tratar de ensiná-lo a se esconder atrás das redações e dos concursos de vestibular. Vai desenhar pra brincar, não pra fazer coisa séria.

Mas eu não sei se acredito nisso. Onde estava meu talento de desenhista? Nunca tive. Já vim castrada desde o útero. Minha expressão já queria ser, há séculos, aquela que emprega as palavras. Mas eu sei, de fato, de gente que se exprimia no desenho e teve de despistar. Ou, ao menos, teve de controlar melhor os impulsos. Lá adiante, na engenharia ou na arquitetura, é possível exprimir um desenho mais controlado, sistematizado e científico. Arquiteto que inventa é poeta. Mas ser poeta não é coisa que se diga por aí.

Se eu soubesse desenhar, faria casas bonitas pra a gente morar; pessoas lindas pra a gente namorar; ilustraria histórias pra a gente curtir; projetaria cidades pra a gente sossegar. Mas não é isso o que eu sei fazer. E não sei mesmo. Saem aqui minha menina de palitos e meu carrinho de bolotas. Nada mais.

A expressão que eu escolhi e que eu exercitei foi a das palavras. Isso também não escapou do controle e da sistematização. Quiseram me ensinar a me recolher, a usar o verbo comum e a não criticar demais. Ensinaram lá umas regras da quantidade de parágrafos e um jeito padrão de desenrolar o assunto. Eu fingi. Eu fingi direitinho que ia obedecer. Eu pegava escondido meus cadernos com pautas regulares e escrevia do jeito que eu queria, do jeito que eu achava que ia ficar mais bonito. Se era esquisito? Não achava. Achava engenhoso. Achava charmoso. Vez ou outra, mostrava pra alguém e fazia arrepiar. Mas eu escondia tudo de novo, na mesma gaveta, pra fazer minha obrigação.

Escrever também não é coisa que se deixe alguém fazer livremente. Tem campanha pra ler, pra consumir, mas não tem campanha pra todo mundo escrever. O que vão dizer? Melhor não saber. Ler calado é coisa garantida. E, mesmo assim, não ensinam a ler direito. A quietude, aqui, não é desejo, é impotência. Ler e escrever dão poder. A quem?

Eu fiquei ali olhando o arquiteto trabalhar. Vi que ele riscou, apagou, riscou de novo, aumentou, diminuiu, trocou de lugar. Para acabar, tinha de ir pro computador, colorir, calcular. Ele gastou muitas daquelas folhas quadriculadas para projetar o que ainda iria mostrar. E me deu, então, uma vontade danada de escrever.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 18/1/2013

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