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COLUNAS
Quinta-feira,
7/2/2013
Autodidatas e os copistas da vez
Carla Ceres
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O surgimento do livro impresso levou monges copistas a temer pelo futuro de sua ocupação. Mais tarde foram as universidades que se preocuparam. De nosso ponto de vista atual, parece absurdo que alguém levasse a sério esse tipo de temor, mas, naquela época, a relativa popularização do livro e a criação de bibliotecas públicas eram vistas como novidades ameaçadoras por muitas instituições de ensino. Acreditava-se que, uma vez alfabetizado e com livre acesso às fontes de conhecimento, o leitor estivesse apto a prescindir de professores.
De fato, os copistas eventualmente deixaram de existir. As universidades, no entanto, continuaram florescendo. No Brasil de hoje, com a popularização do ensino de baixa qualidade chegando ao terceiro grau, cursos superiores para semianalfabetos medram e se alastram tanto no mundo real quanto no virtual. Mas há uma nova ameaça rondando esses rentáveis empreendimentos, os cursos online gratuitos. Escrevi a respeito deles na coluna anterior. Ainda não existem ofertas desses cursos em português, mas isso é só uma questão de tempo. Tentaram proibi-los nos Estados Unidos. Os internautas se mobilizaram e as autoridades voltaram atrás.
Agora muitos professores se consideram os copistas da vez. Imaginam que, quando os alunos puderem acompanhar aulas de pós-doutores pela internet, de graça, não vão mais querer saber de ensino caro e ineficiente à moda antiga. A profissão estaria com os dias contados.
Acredito que, mais uma vez, o medo da inovação esteja pintando um quadro improvável. Pelo menos no primeiro e no segundo graus, o ensino continuará presencial e quase o mesmo. Crianças e adolescentes não costumam possuir algumas qualidades imprescindíveis para o aproveitamento de um curso online. Falta-lhes interesse, disciplina, força de vontade e método de estudo próprio. Seus professores deveriam auxiliá-los a desenvolver-se nesses aspectos, mas antes precisam descobrir como afastá-los dos estímulos bem mais interessantes que a internet em sala de aula proporciona, como redes sociais e jogos.
As qualidades necessárias para ter sucesso em cursos online são as mesmas que alguns autodidatas apresentam desde cedo. Eles são obsessivamente motivados por seus próprios interesses. Nascem com um talento especial para alguma área e, de tanto dedicar-se a ela, descobrem como tornar seus esforços mais produtivos, ou seja, estudam por gosto e aprendem como estudar melhor. Parece haver um certo grau de autismo em seu comportamento porque nem lhes passa pela cabeça trocar suas pesquisas por uma vida social agitada.
Acontece que autodidatas natos são raros e a escola costuma entediá-los tanto que alguns acabam por desistir dela. Os que aturam o sistema de ensino massificado até o fim do segundo grau sentem-se mais felizes na universidade, embora ainda precisem dar atenção a umas poucas matérias desinteressantes. Na pós-graduação, finalmente, podem dedicar-se à pesquisa junto com outros alunos que não nasceram com vocação para pesquisadores, mas foram preparados para isso por escolas eficientes.
Mais do que nunca, um dos principais objetivos de uma boa escola deveria ser ensinar aos alunos como encontrar e extrair informações confiáveis e relevantes em um mundo virtual cada vez mais rico, porém cheio de inutilidades e erros. As formas antigas de promover disciplina também requerem mudanças. Precisam sair do simples "Fica quieto e presta atenção!", porque o silêncio agora pode significar que a classe toda está discutindo outros assuntos através de mensagens de texto, sem o professor perceber.
As gerações pré-internet conheceram bem a sensação de se desligar do infinito blablablá do professor e se perder em pensamentos. A cabeça viajava, mas voltava num estalo, quando algo exterior nos chamava a atenção. Isso nem se compara ao grau de concentração atingido por um aluno imerso em um videogame com fones de ouvido. Existe muita diferença entre estar meio distraído e estar completamente absorto em um mundo fechado. Hoje vivemos dentro de uma bolha virtual. Escolhemos os estímulos que farão parte dela e excluímos o resto. Convém que esse autismo voluntário não se transforme em pura perda de tempo.
Professores que não sabem usar as novas tecnologias como fonte de motivação para pesquisas interessantes precisam de um upgrade urgente sob o risco de se tornarem obsoletos. Banir computadores da sala de aula seria ótimo como preparação para a vida no século retrasado, mas, antes de implementarmos a medida, os pesquisadores precisam criar a máquina do tempo.
Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/
Carla Ceres
Piracicaba,
7/2/2013
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