O escritor e as cenas: mostrar e não dizer | Marcelo Spalding | Digestivo Cultural

busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
>>> Tamanini | São Paulo, meu amor | Galeria Jacques Ardies
>>> Primeiro Palco-Revelando Talentos das Ruas, projeto levará artistas de rua a palco consagrado
>>> É gratuito: “Palco Futuro R&B” celebra os 44 anos do “Dia do Charme” em Madureira
>>> CEU Carrão recebe o Festival Ubuntu nos dias 15, 16 e 17 de Novembro.
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
>>> E-book: Inteligência Artificial nas Artes Cênicas
>>> Publicação aborda como driblar a ansiedade
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Daniel Mazini, country manager da Amazon no Brasil
>>> Samba da benção
>>> O novo GPT-4o
>>> Um olhar sobre Múcio Teixeira
>>> Entrevista com Guilherme Fiuza
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> A Associated Press contra a internet
>>> The Newspaper of the Future
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> 3 Grandes Escritores Maus
Mais Recentes
>>> Livro Nenhum Peixe Aonde Ir de Janice Nadeau; Marie Francine Hebert pela Sm Paradidático (2006)
>>> Livro A Cia E O Culto Da Inteligência de Victor Marchetti pela Nova Fronteira (1974)
>>> Veronesi : Tratado de Infectologia ,Volume 1 de Ricardo Veronesi pela Atheneu (1996)
>>> Em Pauta - Revista do Programa de Música da UFRGS de Mércia Pinto e outros pela UFRGS (1989)
>>> Livro Contos De Aventura E Magia Das Mil E Uma Noites de Varios Autores pela Princípio (2007)
>>> Marte E Vênus Juntos Para Sempre: Nova Formas De Relacionamento Para Um Amor Duradouro de John Gray pela Rocco (1997)
>>> Livro Os Novos Mercados de Peter F. Drucker pela Expressão e Cultura (1973)
>>> Atlas de Anatomia Humana em Imagem de Jamie Weir pela Elsevier (2012)
>>> Livro Minhas Memórias Dos Outros de Rodrigo Octavio pela Civilização Brasileira (1979)
>>> Livro A Loja Da Dona Raposa de Hardy Guedes pela Scipione (2005)
>>> Gibi Saiba Mais Sobre A História Dos Esportes Nº66 de Érico Rodrigo Maioli Rosa pela Panini (2013)
>>> Mito e sexualidade de Jamake Highwater pela Saraiva (1992)
>>> Tratado de Endoscopia Digestiva Diagnóstica e Terapêutica : Estômago e Duodeno de Paulo Sakai pela Atheneu
>>> Livro Antropologia Cultural E Social de E. Adamson Hoebel; Everet L. Frost pela Cultrix (1976)
>>> Salvador: Guia de Cheiros, Caminhos e Mistérios de Fernando Coelho pela Autor (2024)
>>> Livro A Cada Tempo de Alexandre Carvalho pela Paulus (2019)
>>> Livro Labirinto de Histórias de Stela Barbieri , Fernando Vile pela Companhia Das Letrinhas (2019)
>>> Alimentos, Nutrição e Dietoterapia de Krause pela Roca (1991)
>>> Livro O Conhecimento Volume II de Denis Huisman e André Vergez pela Freitas Bastos (1968)
>>> Livro Divertido dos Animais de Anne Vande Lanoitte pela Girassol
>>> Livro Onde Esta O Wally? O Livro Dos Jogos Sensacional! Volume 4 de Martin Handford pela Martins Fontes
>>> Livro Celic Viaja a La Tierra Coleção Lecturas em Acción Volume 4 de Carla Dulfano e Outro pela Edelvives (2018)
>>> Sambexplícito: as vidas desvairadas de Germano Mathias de Caio Silveira Ramos pela A Girafa (2008)
>>> Neuroanatomia Humana de Barr de John A. Kiernan pela Manole (2003)
>>> O Exercício da Lágrima de Rossyr Berny pela Grafosul (1979)
COLUNAS

Sexta-feira, 12/4/2013
O escritor e as cenas: mostrar e não dizer
Marcelo Spalding
+ de 8100 Acessos

Seguindo a série de publicações exclusivas no Digestivo Cultural com dicas de criação literária da minha Oficina de Criação Literária Online, abordo hoje o grande segredo da criação literária: narrar. O leitor quer ler boas narrativas, boas histórias. Cuide, porém, a diferença entre narrar (to show) e contar (to tell). É a diferença entre a narrativa e o resumo.

Fazer literatura não é amontoar fatos, resumos de acontecimentos. É preciso narrar cada fato, individualizando-os e envolvendo o leitor. É importante, também, que o escritor mostre ao leitor o que está acontecendo em vez de dizer, contar.

David Lodge, em A arte da ficção, tem uma distinção primorosa entre cena e sumário:

"O Discurso ficcional alterna o tempo inteiro entre mostrar dizer o que aconteceu. A forma mais pura de semostrar são as falas dos personagens, em que a linguagem espelha com precisão o acontecimento (uma vez que o acontecimento é linguístico)." Isso seria a cena.

"A forma mais pura de se dizer é o resumo autoral [chamado aqui de sumário], em que a concisão e a abstração da linguagem do narrador apagam o caráter particular e individual dos personagens e suas ações.Um romance escrito do início ao fim na forma de sumário seria, portanto, quase ilegível.Mas o recurso tem seus usos: é capaz, por exemplo, de acelerar o ritmo de uma narrativa, fazendo-nos passar mais depressa por acontecimentos desinteressantes."

Imagina que você queira contar a história de um homem extremamente metódico que, por isso, perdeu sua mulher e seu filho. Você primeiro cria toda a história na sua cabeça ou num papel de rascunho, anota episódios e elementos de sua personalidade, de sua infância, faz uma lista das personagens com quem ele convive ou conviveu, pensa em seus atributos físicos, suas manias, etc. Você sem dúvidas tem elementos para um romance, mas irá escrever um conto de no máximo cinco páginas.

A solução de um escritor iniciante seria simplesmente ir listando os fatos principais, um em cada parágrafo, e rapidamente pulando no tempo e nos informando que ele teve uma infância difícil, pois perdera a mãe muito cedo e foi criado em escola de padres, depois custou a casar, em dúvida entre o casamento ou a vida religiosa, adiante teve uma filha, embora quisesse muito ter tido um filho, depois a filha acabou morrendo, o que o causou muito sofrimento, mas logo a mulher engravidou de um menino que, apesar de ser muito diferente dele, cativou-o desde o primeiro choro. Bem, por aí vai. A essa sucessão de acontecimentos chamamos de sumários.

Um escritor mais experiente, que sabe da importância de conquistar o leitor através de cenas, escolherá dois ou três episódios da vida desse homem para descrever com mais detalhes estes episódios, individualizando-os.

Por exemplo, o escritor pode escolher o dia em que o menino chega na escola de padres e retira uma foto da falecida mãe; o dia do nascimento da filha e de como ele olha para o crucifixo na parede, lembrando do quão difícil foi escolher entre isso ou a vida religiosa e de quantas dúvidas tem se fez ou não a escolha certa; um diálogo entre o homem e um conhecido numa pracinha em que os filhos de ambos brincam, diálogo em que o outro brinca com o fato de o menino ser tão diferente do homem, trazendo à tona todas as dúvidas de nosso protagonista e todo o medo que ele tem de perder a criança, a quem tem tanto amor.

Como criar cenas

Você pode pensar em cada cena como no cinema ou no teatro, já que o próprio conceito de cena vem do teatro. Enquanto a câmera está no mesmo ambiente, com os mesmos personagens e seguindo um tempo linear, temos uma cena.

Quando ela virou a página dois, foi Rudy quem notou. Atentou diretamente para o que Liesel estava lendo e deu um tapinha no irmão e nas irmãs, dizendo-lhe para fazerem o mesmo. Hans Hubermann aproximou-se e convocou a todos e, em pouco tempo, uma quietude começou a escoar pelo porão apinhado. Na página três, todos estavam calados, menos Liesel.

A menina não se atreveu a levantar os olhos, mas sentiu os olhares assustados prenderem-se a ela, enquanto ia puxando as palavras e exalando-as. Uma voz tocava as notas dentro dela. Este é o seu acordeão, dizia.

O som da página virada cortou-os ao meio.

Liesel continuou a ler. (...)

Todos esperavam o chão estremecer.

Essa ainda era uma realidade imutável, mas agora, ao menos, eles estavam distraídos com a menino e o livro. Um dos garotos menores pensou em chorar de novo, mas, nesse momento, Liesel parou e imitou seu papai, ou até Rudy, aliás. Deu-lhe uma piscadela e recomeçou.

Só quando as sirenes tornaram a se inflitrar no porão foi que alguém a interrompeu.

- Estamos salvos - disse o Sr. Jenson.

- Psiu! - fez Frau Holtzapfel.

Liesel ergueu os olhos.

- Só faltam dois parágrafos para o fim do capítulo - disse, e continuou a ler, sem fanfarra nem aumento da velocidade. Apenas as palavras. 

(trecho de A Menina que Roubava Livros, de Markus Zusak)

O diálogo, claro, é um aliado importante para manter a cena, mas evite abusar do diálogo, o bom escritor saberá dosar narrativa com diálogo, lançando mão das falas apenas quando for essencial.

Os padres engasgavam-se de riso. Já duas canecas de vinho estavam vazias: e o padre Brito desabotoara a batina, deixando ver a sua grossa camisola de lã de Covilhã, onde a marca da fábrica, feita de linha azul, era uma cruz sobre o coração.

Um pobre então viera à porta rosnar lamentosamente Padre-Nossos; e enquanto Gertrudes lhe metia no alforje metade duma broa, os padres falaram dos bandos de mendigos que agora percorriam as freguesias.

- Muita pobreza por aqui, muita pobreza! dizia o bom abade. Ó Dias, mais este bocadinho da asa!

- Muita pobreza, mas muita preguiça, considerou duramente o padre Natário. - Em muitas fazendas sabia ele que havia falta de jornaleiros, e viam-se marmanjos, rijos como pinheiros, a choramingar Padre-Nossos pelas portas. - Súcia de mariolas, resumiu. 

(trecho de O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós)

Vale lembrar que na literatura, diferentemente do vídeo, o escritor pode mesclar a narrativa com reflexões do personagens, descrições do cenário, comentários próprios. Até os pensamentos de um cão, como no genial Machado de Assis, podem ajudar na composição da cena:

Machucado, separado do amigo, Quincas Borba vai então deitar-se a um canto, e fica ali muito tempo, calado; agita-se um pouco, até que acha posição definitiva, e cerra os olhos. Não dorme, recolhe as idéias, combina, relembra; a figura vaga do finado amigo passa-lhe acaso ao longe, muito ao longe, aos pedaços, depois mistura-se à do amigo atual, e parecem ambas uma só pessoa, depois outras idéias. 

(trecho de Quincas Borba, de Machado de Assis)

É possível que cada cena ocupe um parágrafo próprio (ou vários, dependendo de sua extensão e importância na trama). Evite várias cenas no mesmo parágrafo. Evite, também, mudar de ponto de vista narrativo em meio a uma cena. Se o fizer, deixe isso claro para o leitor, talvez trocando o parágrafo.


Marcelo Spalding
Porto Alegre, 12/4/2013

Quem leu este, também leu esse(s):
01. O que vai ser das minhas fotos? de Ana Elisa Ribeiro
02. It's evolution, baby de Luís Fernando Amâncio
03. Caminhos para a esquerda de Celso A. Uequed Pitol
04. O momento do cinema latino-americano de Humberto Pereira da Silva
05. Fazer conta de cabeça e a calculadora de Ana Elisa Ribeiro


Mais Marcelo Spalding
Mais Acessadas de Marcelo Spalding em 2013
01. A literatura infanto-juvenil que vem de longe - 1/2/2013
02. Por uma lógica no estudo da ortografia - 12/7/2013
03. A poesia concreto-multimídia de Paulo Aquarone - 14/6/2013
04. Dicas para a criação de personagens na ficção - 1/3/2013
05. O escritor e as cenas: mostrar e não dizer - 12/4/2013


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Homen Elefante e Outros Homens
Accacio de Oliveira Santos
Arantes
(2006)



Itzhak - o Menino Que Amava o Violino
Abigail Halpin e Outro
Abrams Books
(2020)



Santorini
Alistair MacLean
Best Seller



Mania De Matematica: Diversao E Jogos De Logica E
Ian Stewart
Zahar
(2005)



Teoria Geral Da Ação Civil Pública
Pedro Lenza
Revista dos Tribunais
(2003)



A Aveleira e A Madressilva - A Paixão De Tristão E Isolda -Infanto
Lia Neiva
Globo Livros
(2014)



Los Libros de Utilísima- Galletitas
Emi Pechar
Atlantida
(2000)



A Saude da Pele
Rona M Mackie
Experimento
(1996)



Livro de Bolso Literatura Estrangeira A História de Fernão Capelo Gaivota
Richard Bach
Nórdica
(1970)



Pavarotti Meu Mundo
Luciano Pavarotti
Rocco
(1996)





busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês