COLUNAS
Quinta-feira,
2/5/2013
Manauara ou Manauense
Marcela Ortolan
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Toda cidade ou região tem vocábulos que a caracterizam. Manaus não escapa a regra, pelo contrário, o vocabulário de
Manaus é tão vasto que tem até nome: Amazonês.
Em Manaus, bombom é bala e bala pode ser outra coisa (vide bala de cupuaçu). Cuidado quando o prato tiver mangarataia, afinal, pode ser que você não goste tanto assim de gengibre. Se a comida tiver murupi é melhor nem arriscar - a não ser que você seja muito fã de pimenta.
Pedir um guaraná pode ser um dilema, já que poderá escolher entre Real, Baré, Magistral, Regente... todos refrigerantes de guaraná, cada um com um sabor diferente.
Bombom - aquele de chocolate - pode ter recheio de: açaí, bacuri, buriti, cupuaçu, araçá-boi, camu-camu. Também pode
ter recheio de castanha da amazônia - nunca chamada de castanha-do-Pará porque "se for do Pará rouba o gosto", já que em Manaus "paraense" é sinônimo de ladrão (isso é um fato linguístico, nesse texto não estou fazendo juízo de valor). Aliás, chamar alguém de paraense em Manaus é xingamento - e dos piores! -, sendo, inclusive, a causa declarada de algumas mortes.
Rotatória é bola; lagartixa é osga; mosquito é carapanã; cajá é taperebá; grande é maceta; galeroso é pivete; idiota é leso e idiotice é leseira.
Costas é costa com toda a conjugação decorrente da retirada do "s". Ponto de ônibus sempre será parada de ônibus, e é
melhor não se confundir e dizer que vai para o ponto porque ponto é outra coisa.
Se falarem que você é pai-d'égua não se preocupe: não estão te chamando de cavalo. O que estão dizendo é que você é muito legal.
Maninho é uma espécie de vocativo do tipo "cara", mas é de um jeito carinhoso. Aliás, se você gosta de carinho pode ir
a Manaus, que lá todo mundo é chamado de querido, amado, amor...
Garantido e Caprichoso são mais do que adjetivos e, se alguém perguntar "qual é o seu boi?", cuidado para não dizer o
nome do seu marido. Se for convidado para ir aos currais dos bois, provavelmente não estão o chamando para ir a uma
fazenda e sim a um ensaio de Boi-Bumbá. Se aceitar o convite é melhor não falar o nome de um boi no meio da torcida do outro. Ao invés do nome, o boi concorrente é sempre chamado "o contrário". E a torcida de boi é a galera.
Inverno não é uma época do ano em que faz frio, mas sim em que chove muito. E seca não é uma época em que não chove e sim quando chove um pouco menos. É por isso que a Amazônia é chamada de "rain forest". Frio, em Manaus, é um conceito abstrato e distante e sua definição só é possível com auxilio da tecnologia: frio é aquilo que você sente quando o ar-condicionado está no máximo.
"Morreu de cola" pode ser algo como "estou dentro" ou "já é", se é que você me entende. Até o tucupi significa "até o talo" - isso está ficando complicado...
Pirarucu a casaca não é um peixe vestindo smoking.
Farinha com peixe é uma delicia, mas cuidado para não quebrar o dente com a farinha do Uarini, típica da região. Aliás, em Manaus se come qualquer coisa com farinha. Tanto é assim, que farinha com água e açúcar é um prato típico que tem até nome: chibé.
Adultos chamam o intervalo para lanche de merenda - sim, igual no jardim de infância - e pai e mãe sempre serão papai e mamãe, independente da idade do filho, em um falar tão carinhoso que enche de ternura filial o desaviso interlocutor!
Maninho, se você leu até aqui você é pai-d'égua!
E se estiver se perguntando como foi que eu aprendi tudo isso, a resposta é simples: barezei até o tucupi!
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog Metamorfose Pensante.
Marcela Ortolan
Manaus,
2/5/2013
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