COLUNAS
Terça-feira,
4/6/2013
De Siegfried a São Jorge
Celso A. Uequed Pitol
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O guerreiro Siegfried é um dos heróis mais importantes da mitologia nórdica. Personagem principal da Canção dos Nibelungos, tradicional história germânica que baseou a ópera de Wagner, aparece em várias outras narrativas do Norte da Europa, como a saga Volsunga dos islandeses. Seu inimigo mortal é o dragão Fafnir. Outrora filho de Hreidmar, rei dos anões, Fafnir transforma-se numa besta fera após matar o próprio pai e tomar posse do seu tesouro, guardando-o num buraco embaixo da terra. Fafnir é uma espécie de Caim germânico, mistura de traidor, parricida e ganancioso, desumanizado pelo dinheiro e pela cobiça. Típica lenda nórdica. Na verdade, a mais conhecida delas, que serviu de base para outra história conhecidíssima: O Senhor dos Anéis.
Quando os primeiros padres deixaram o sol acalentador do Mediterrâneo e aventuraram-se pelas brumas do Norte Europeu, aquela terra habitada por gnomos, orcs, goblins e toda sorte de criaturas imaginárias - dentre as quais Siegfried e Fafnir -, tiveram de convencer aqueles homens amigos da guerra que o cristianismo não era uma religião de fracos e pusilânimes. Para completar, a época em que os primeiros missionários chegaram - o século V - era a de decadência do Império Romano, então cristianizado e cada dia mais desprestigiado.Para a mente germânica, era difícil imaginar uma razão especial para um homem morrer pelo amor à humanidade, ainda mais se fosse filho de Deus. Para quê converter-se a algo que pregava o amor entre os homens, pois, como sabiam os germanos, os homens eram de dois tipos: ou como Fafnir, ou como Sigurd. Ou mesquinhos e avarentos, ou impulsivos e autoconfiantes.
Os primeiros padres da Igreja notaram logo que, para convencer guerreiros, era preciso trazer um guerreiro. E o melhor guerreiro que a Igreja do século V tinha era São Jorge da Capadócia. Era nada menos do que capitão do exército romano quando, numa reunião com o Imperador Diocleciano, proclamou em alto e bom som que a Verdade estava com Jesus Cristo e que os demais deuses eram todos falsos. A Jorge foi destinada a pena que, à epoca, se destinava aos cristãos: a tortura. Caso renegasse a fé, os martírios parariam. Jorge nunca renegou, mesmo diante das mais terríveis dores. Lutou contra o Império da única maneira que era possível a um cristão devoto. Acabou degolado no ano 303.
Ao contar a história para os germanos, os padres mudaram um pouco os detalhes do personagem. São Jorge foi transportado para um cenário um pouco diferente. Deram-lhe uma espada, semelhante à de Sigurd, e colocaram-no diante de um dragão, semelhante a Fafnir. O dragão exigia dos habitantes de uma vila na Líbia o sacrifício de ovelhas para manter-se longe dela. Aos poucos, porém, passou a exigir crianças. Foi raptada uma menina chamada Sabra. Jorge toma sua espada, Ascalon, e seu cavalo branco e vai atrás do monstro para salvar a criança e, assim, converter a vila ao cristianismo. Não é difícil ver, aí, o dragão como simbolo da falsa idolatria, do falso Deus, que acaba por tirar tudo o que de mais valor existe num povo. E Jorge o vence pela espada, assim como Siegfried venceu Fafnir. Estava morta a falsa idolatria e trilhado o caminho para a vida eterna dos povos louros do Norte. Mesmo que, para isso, fosse preciso vestir um santo com as roupas de outro.
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
4/6/2013
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