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Sexta-feira,
28/6/2013
Game of Thrones, Brasil e Ativismo Social
Guilherme Mendes Pereira
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No penúltimo episódio da terceira temporada de Game of Thrones, (série bem-sucedida e aclamada por legiões de fãs pelo mundo, e que repercute nas redes sociais online) ocorreu uma reviravolta insólita no enredo que chocou a muitos: a morte de alguns dos principais representantes da Casa Stark, até então personagens importantes e carismáticos, chefes políticos que conquistaram a simpatia de muitos. Ao final da última temporada a série parece ter ficado carente de heróis, indo na contramão da tendência ao que geralmente muitos de nós esperamos: desfechos felizes. Como crianças acostumadas com contos de fadas que sempre acabam bem, ou como adultos que usam o consumo, a religião e os vícios como subterfúgios para as incertezas, estamos mal acostumados. Não encaramos as inconcretudes e as complexidades de uma existência que muitas vezes foge da lógica, da emoção e das utopias imaginadas.
Muitos pensadores como Friederich Nietzsche, Martin Heidegger, François Lyotard, Michel Foucault, Jean Baudrillard, Zygmunt Bauman e inúmeros outros trouxeram a ideia de que na contemporaneidade as grandes narrativas totalizantes, os ideais de progresso e perfeição, bem como a crença no estado, na igreja, na razão ou em grandes heróis, parecem estar se desmanchando e cedendo espaço a um volátil ceticismo tecnocientífico (ou seria a um animismo cibertécnológico?), que, de certa forma, têm relativizado preceitos morais e velhas dicotomias. Michel Maffesoli fala em um retorno ao arcaico, aos ímpetos emocionais individuais e de pequenos grupos, o que vai na contramão da racionalidade centralmente e hierarquicamente institucionalizada na modernidade.
Muitos de nós não mais esperam pelas entidades mitológicas, pelos poderosos senhores do estado ou pelos sapientes sacerdotes. Agora a fascinante magia das ferramentas de sociabilização tecnológica e a possibilidade de organização social maquinalmente autorregulada é o que nos anima. Seja a agirmos solitariamente ou a mobilizarmos grupos. Nos termos de Foucault, insurgem as micropolíticas.
A catálise de muitas dessas teses filosóficas e sociológicas podem ser vislumbradas hoje pelos recantos do globo cibermediado. Seja nos embates levados adiante por grupos ciber/hackativistas como as redes Indymedia, WikiLeaks, Anonymous e LulzSec (para citar algumas), seja nas batalhas sociais travadas nos eventos da aclamada Primavera Árabe, ou seja nas manifestações de jovens estudantes nas insurgentes revoltadas que tem pululado no Brasil. Estaríamos vivenciando também o prenúncio de uma "Primavera"?
Bradando através de telas e redes virtuais, e também indo as ruas, parece que agora reavivamos a esperança de que as coisas irão mudar para melhor e de que teremos então condições para criarmos finais ideais.
Na medida em que os jogos de poder parecem tender ao desequilíbrio como constante, vozes abafadas parecem ganhar vigor e clamar por uma virada. Perder repetidamente cansa. Ainda mais quando os vencedores invictos parecem zombetear os perdedores.
Essa virada social que acontece agora no Brasil é extremamente complexa e fluída, cheia de nuances a serem compreendidas. E têm incitando o ato de questionar que parece ter caído em desuso. São uma oportunidade de levar à esfera global outras vozes além das quais estamos acostumados, e de fugir do comodismo especulatório de só reclamar.
Movimentos contraculturais trouxeram várias pequenas mudanças ao longo da história que resultaram em benefícios para muitos a longo prazo. A exemplo os movimentos feministas, os movimentos em prol dos direitos homossexuais e os movimentos ambientalistas.
Choca quando vemos nossos heróis em Game of Thrones sendo trucidados sem mais nem menos. Choca quando vemos a truculência e o desrespeito da força coercitiva do estado ceifando a liberdade e até mesmo violentando civis como nas revoltas aqui no Brasil. E choca quando civis perdem o controle e viram arruaceiros ensandecidos que saem pelas ruas destruindo coisas, a exemplo das minorias que minaram as grandes manifestações da "primavera brasileira". Choques devem incitar sua superação.
Ansiamos por finais felizes e a vitória do "bem" sobre o "mal", seja em histórias ficcionais, seja nos nossos jogos sociais do dia a dia. Muitas vezes ignorando que a factualidade é bem mais complexa do que o que nossos prismas pretendem concatenar.
"Bem" e o "mal" são conceitos morais relativos e se configuram conforme o lado que se assume. Prova maior disso é a existência (quase que simbiótica) de "corruptos" e "honestos" nos cernes de nossas sociedades. Dado que conceitos morais parecem mais funcionar como voláteis conveniências, nossas expectativas acerca de moralidade incorrem em construções discursivas coniventes a contextos e objetivos predeterminados. Como verificaram alguns estudiosos (vide Richard Hoggart, Stuart Hall, Douglas Kellner, dentre outros) a realidade é uma constante batalha pelo direito de significar, pelo direito de voz e de se impor. Um consenso entre todos é improvável, mas o respeito e a maturidade tornam-se mais do que nunca qualidades que precisam ser galgadas por todos.
Como em todo jogo é preciso haver equilíbrios e desequilíbrios. Letargia ou parada presumem a morte, a inexistência. Precisamos lançar inspirações, devaneios e transgressões que instiguem, provoquem, e acalentem embates pacíficos, movimentem valores, ideias e as pessoas. Tendemos assim a nos desenvolvermos em meio às assimetrias, mas ainda dependendo do outro e de sua diferença, que de certa forma nos completa ou ao menos nos instiga. O que parece ser crucial é não deixar a soberania de qualquer um sobrepujar a de outro. A balança precisa estar em movimento a fim de não pender para nenhum extremo em demasia.
Game of Thrones continuará sem alguns de seus heróis e o jogo dos tronos brasileiro parece que não irá cessar tão cedo. Talvez, com essas deixas ficcionais de grande sucesso e esse momento de oportunidades de viradas sociais o qual presenciamos, e que acalentam as discussões na esfera pública, possamos refletir sobre nossas vidas, sobre nossas máximas de finais felizes, vitórias e derrotas, que no fundo, a história tem nos revelado que são o que menos importa.
Nos jogos sociais os quais estamos imersos a todo instante, precisamos constantemente reavivar nossos propósitos e nossas vidas, muitas vezes banalizados e sufocados pelo força constritora das macropolíticas e das pretensas ideologias totalizantes que apregoam como utopias ideais a eterna busca pela sociedade perfeitamente regulada.
Talvez precisemos superar os finais felizes, e a nossa obsessão por ganhadores ou perdedores, por fanatismos direitistas ou esquerdistas.
Os heróis morreram. Que as batalhas continuem a insurgir e que chacoalhem os sistemas, abalem e movimentem nossas opiniões, crenças e ações (pacificamente!). Mudar é preciso. Amadurecer e aprender a respeitar as diferenças sem impor as suas verdades também é necessário. E o desconforto das incertezas movediças, da inexistência de finais felizes, pode nos incitar a isso.
Guilherme Mendes Pereira
São Paulo,
28/6/2013
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