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Terça-feira,
20/8/2013
As iluminações musicais de Rodrigo Garcia Lopes
Jardel Dias Cavalcanti
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As notas do piano, que abrem solitariamente a décima música do CD, mantendo-se por alguns segundos, servem como guia a nos levar e nos deixar em um estado de suspensão dramático-temporal. Em seguida, a voz grave de Rodrigo Garcia Lopes ressoa pausada e poderosa: "Não diga que você não liga/ a mínima/ pra toda essa/ luminosidade...". A letra da música prossegue até seu término, com a voz de Lopes se sobrepondo à base jazzística do piano, baixo, bateria e violão. A voz desaparece por alguns segundos para que a base instrumental nos carregue novamente para outro estado de suspensão, agora mais dramático, quando, então, a voz de Lopes, mais poderosa e penetrante, nos invade com uma emoção irresistível retomando os versos iniciais: "Não diga que você não liga/ a mínima/ pra toda essa/ luminosidade...".
Assim, é impossível não estar atento a cada detalhe não só dessa música, mas de todo o CD, em que letra, arranjos e projeto gráfico se conjugam para produzir uma experiência onde "o pensamento não se detém em nada/ mas vagueia/ entre cada coisa vívida", como diz outro verso da música "Iluminações".
É uma alegria entrar em contato com um CD autoral como Canções do Estúdio Realidade, gravado por Rodrigo Garcia Lopes, que foge completamente aos formatos enlatados que a indústria musical tem produzido para um público de "cabeças ocas" e "vidas vazias". Aqui o ouvinte deve se deter no tempo que a arte exige para as experiências que só a música e a poesia podem nos dar. Aqui se exige o adeus ao mundo como "fábula de papel".
Rodrigo Garcia Lopes é poeta, tradutor e músico e estas vivências se entrecruzam de forma surpreendente ao longo do CD, trazendo para suas canções referências (diretas ou indiretas) musicais e poéticas (e de outra área como o cinema) caras ao artista. Jazz, Rap, MPB, música pop (Dylan, Lou Reed, Arrigo Barnabé, por exemplo), poesia Beat (e sua tradição formadora com Rimbaud, Keats, Shelley, Baudelaire, dentre outros poetas que com certeza influenciaram o músico, como Augusto de Campos, João Cabral, Sylvia Plath, Leminski, Valéry etc) e música erudita. Esses universos vibram ao longo do disco em pequenos lampejos que se entrecruzam na criação de cada canção.
Além das deliciosas canções, o CD é em si mesmo um belíssimo objeto artístico, com fotos, textos e as letras das músicas, nos fazendo ver que tudo nesse trabalho foi pensado para ser uma conjunção entre as várias artes.
As epígrafes na abertura do CD são pistas dos interesses de Lopes. A principal, uma citação de Dante Alighieri: "Canção: palavras postas em música". Aqui anuncia-se a importância que as palavras têm para o músico, fazendo do universo da criação poética a ponte necessária para que a música exista em seguida. E com certeza essa operação da poesia (já em si música) indica caminhos que as construções instrumentais devem tomar ao longo das composições. Por exemplo, veja-se a música "Vertigem (um corpo que cai)", onde a ideia de uma situação em caracol (a mente enlouquecida) passeia por acordes musicais como cortes cinematográficos em climas que remetem ao cinema de Hitchcock e à poesia simbolista. E a fotografia do encarte reforça a ideia, num caracol que não se completa, cortado vertiginosamente.
Outras epígrafes, como as de Burroughs e Macedonio Férnandez, nos conclamam a retomar o universo (e através da canção isso é possível, pois ela é espaço) e ver a realidade como "aberto mistério", lugar da possibilidade das iluminações. Na canção "Álibi", os versos dizem: "Surpresos no passeio das sílabas /.../ beijamos o momentâneo /.../ e simplesmente somos".
Essas iluminações da realidade aparecem nas fotografias do CD, como no registro de folhas mortas caídas ao chão, numa paisagem ao entardecer, nas marcas de uma velha parede, no brilho luminoso que atravessa um vidro com gotas de chuva, no reflexo de uma Nova York noturna sobre os vidros de um prédio, na explosão de uma onda do mar, na forma contrastante entre flores róseas e folhas mortas ocres.
O conjunto das doze músicas nos faz pensar num universo amplo de "correspondências" entre sons, imagens e palavras. Ressoam aqui e ali, como "tempos reencontrados", a nossa memória, tomada pelos prazeres que músicas, filmes e poesias nos causaram ao longo da vida. Ouvir e retomar a audição do CD é uma exigência para que todos os detalhes se revelem, que todas as conexões sejam feitas, e cada vez que voltamos ao início novas configurações parecem se estabelecer entre todos os elementos das músicas.
São várias as referências musicais que se encontram no CD. Para ficar só em um exemplo, os acordes iniciais de "Alba" remetem à tradição da música mineira de Lô Borges, Milton Nascimento e Beto Guedes, e tanto seu acompanhamento quanto suas letras soam no registro dessa tradição musical. O contrabaixo nos faz pensar imediatamente na sonoridade das gravações de Yuri Popov junto aos músicos das Gerais, como Toninho Horta.
A felicidade do encontro dos excelentes músicos para a criação do CD é notável. O diálogo musical que se estabeleceu pressupõe uma sintonia fina entre a sensibilidade de todos no processo de criação de cada música.
Como exigia Baudelaire para os poemas, que fossem criados pela imaginação livre e lapidados como um diamante, em "Canções do Estúdio Realidade" encontra-se o mesmo princípio. No CD ecoa, como nas iluminuras, o trabalho de músicos-artesãos dotados de grande competência, cujo desejo é revelar em cada detalhe a beleza púrpura das canções, que nos parecem perfumadas pelo imaginativo cheiro do sândalo.
Para ir além:
Visite o blog do artista para ver videos, filmes, noticias de suas publicações, etc:
http://estudiorealidade.blogspot.com.br/
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
20/8/2013
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